Pense antes de fotografar

A ideia que a maior parte dos amadores têm sobre fotografar é levar a câmera consigo e produzir imagens aleatórias a partir daquilo que se vê, seja em situações cotidianas ou viagens. É uma espécie de loteria: procura-se algo interessante, escolhe-se um ângulo e dispara-se, na tentativa de produzir algo relevante. Algumas vezes dá certo, e há muitos bons fotógrafos que criam ótimos trabalhos dessa forma. Mas precisamos reconhecer que em 99% das vezes o resultado é apenas mais do mesmo: imagens triviais, desinteressantes, pouco expressivas. Pudera: neste exato momento há milhares de pessoas por aí tentando fazer boas fotos exatamente dessa forma.

E aí, é muito comum que se apresentem essas fotos com a pergunta: “como eu poderia melhorar essa foto?” E a maior parte dos conselhos ficam na própria foto, na sugestão de melhores enquadramentos, de um tratamento diferente etc. Entretanto, a análise não devesse se limitar à imagem em si, e englobar a ação do fotógrafo antes mesmo dele pegar a câmera. As boas fotos começam a ser feitas na cabeça do fotógrafo. A pergunta chave é: “existe um bom motivo para que eu faça essa foto?” Se você se abster de fazer fotos medianas, não precisará se preocupar em melhorá-las.

Veja esses ensaios (clique nas fotos para abrir):

West, de Matthias Heiderich
West, de Matthias Heiderich
Last Suppers, de James Reynolds
Last Suppers, de James Reynolds
Bodyscapes, de Jean-Paul Bourdier
Bodyscapes, de Jean-Paul Bourdier

O que eles têm em comum? Eles não são compostos por fotografias feitas aleatoriamente. Antes de mais nada, foi desenvolvido um conceito. E pode-se perceber que os conceitos ali foram muito bem trabalhados: o assunto, o recorte, a forma de fotografar, a visão do fotógrafo – e consequentemente a visão do espectador. Só depois disso tudo estabelecido é que as fotos foram de fato feitas. Repare que os autores não incluem nada que não esteja estritamente dentro da proposta. O desenvolvimento da ideia prevalece sobre o ato de fotografar em si, da mesma forma que um escritor pode passar mais tempo pesquisando do que escrevendo o seu livro.

Um bom trabalho de arte fotográfica envolve várias dimensões. Conceito, simbolismo, estética. Um trabalho completo, significativo, forte carrega uma história, uma mensagem, uma ideia. Fotografar a esmo esperando acertar em todos esses elementos não é a forma mais sensata de buscar um bom resultado. Também é inútil tentar basear apenas na estética uma foto sem conteúdo – isso é feito o tempo todo – e a foto, além de insossa, cansa rapidamente. O caminho, então, é justamente o oposto. Dentro de uma perspectiva conceitual, fotografar significa usar mais papel e lápis do que a câmera.

Fotografia contemporânea

O termo “contemporâneo” refere-se ao que é atual, ao que ocorre no nosso tempo. Sendo assim, seguindo literalmente a expressão, poderíamos classificar qualquer fotografia feita hoje como fotografia contemporânea. Será que é possível, no entanto, reunir algumas características da fotografia atual que a distinguiriam da fotografia feita em outros momentos históricos? Parece uma tarefa muito difícil, pois se tivermos em mente que nunca se fotografou tanto, nunca mostramos e vimos tantas fotos o tempo todo, como estabelecer um panorama? Se pensarmos na quantidade de fotos feitas hoje, provavelmente teremos exemplo de todos os tipos de pontos de vista, de métodos, de técnicas…

Não obstante, talvez seja essa quantidade enorme de fotografias que leve justamente ao que é essencial da fotografia do nosso tempo. Até um tempo atrás, só se fotografava o que era fotografável: um evento significativo, uma viagem, um ensaio planejado etc. As dificuldades técnicas e de custo faziam com que a fotografia fosse a validação de algo especial. Hoje, com a facilidade do digital, se fotografa tudo. Qualquer coisa se tornou fotografável. E, se alguns veem nisso algo banalizador, massificador, há uma contrapartida: vemos em fotografias coisas que não víamos antes. E, se soubermos filtrar, veremos nos blogs, nas redes sociais, nas galerias online a poesia e a beleza do dia-a-dia, do simples viver. A fotografia contemporânea tem como característica especial essa possibilidade de olhar de forma poética para o simples, o sutil, o cotidiano que leva à valorização do trivial. E o que temos em 99% das nossas vidas é o trivial, acho isso muito positivo.

Há também uma questão técnica e estética: uma vez que já entendemos que a fotografia não é um simulacro, e sim uma representação cujo aspecto depende das características do aparelho, não é mas necessário buscar a ilusão perfeita, a fotografia tecnicamente impecável. Daí muitos autores jogarem com métodos alternativos, justamente buscando ressaltar a impressão que querem causar, entendendo a fotografia como uma criação e não como um registro. A fotografia de hoje não precisa mais ser perfeita, nem espetacular, nem contundente. Ela simplesmente mostra o que somos, sem truques ou disfarces.

Como é melhor mostrar do que tentar explicar, reuni algumas fotografias postadas sob licença Creative Commens noFlickr que reúnem as características que comentei. Para ver o nome do autor, basta passar o mouse sobre a foto.