Estilo fotográfico

Nós gostamos de criar conceitos. Nomes, categorias, rótulos. Sua função é nos ajudar a descrever e entender o mundo. Olhamos para o mundo e, a partir dele, inventamos palavras que significam algo. É muito prático: em vez de termos que descrever ou olhar para o mundo toda vez que queremos nos referir a ele, podemos usar apenas uma ou duas palavras e pronto. Mas, com o tempo, esquecemos que a linguagem não é o mundo, e que os conceitos que criamos não existem por conta própria: eles são apenas uma representação simplificada de algo que vai muito além.

Um desses conceitos é o de estilo na criação fotográfica. Olhamos para os trabalhos de alguns fotógrafos e percebemos que há algo ali. Um padrão, uma repetição, uma conjugação de elementos. No assunto, na estética, na forma de fazer. Algo que, após vermos algumas obras, nos permite identificar outras. O estilo é aquilo que torna as obras reconhecíveis. É a coesão.

Toffee Maky
Toffee Maky

Muitos fotógrafos iniciantes acreditam que precisam criar, inventar ou descobrir seu estilo, como se o estilo surgisse antes da produção. Querer encontrar um estilo antes de se aprofundar no fazer fotográfico é como querer estar bronzeado antes de sair no sol. É colocar o carro na frente dos bois.

Esquecem-se que o estilo, como algo isolado, não existe: é apenas uma palavra para descrever uma linha tênue e abstrata que percorre a produção de um autor. Em termos concretos, não há estilo, há apenas o trabalhos. O fotógrafo cria fotografias, ele vê o mundo e o retrata. O que chamamos de estilo é uma criação mental, um conceito, uma interpretação que deriva das obras na visão do espectador. Se nos prendermos demais ao conceito de estilo, perderemos o contato com a obra. Pior, podemos artificializar demais a nossa própria fotografia ao querer enquadrá-la em uma ideia sem que haja conteúdo que a sustente.

Se admiramos o “estilo” de um fotógrafo, na verdade admiramos o que ele faz, como ele faz. É a força do seu trabalho. Quando o trabalho é intenso, quando há dedicação, há o resultado. Para quem cria, é o processo que conta. Se olharmos apenas para o resultado, sem entender o caminho até lá, ficaremos perdidos.

Esqueça o estilo e concentre-se na busca. O que existe, o que você faz, o que os outros veem é a sua fotografia. O que chamamos de estilo é apenas uma consequência, que acontece dependendo da força do seu fazer fotográfico. Estilo é o resultado natural de uma busca sincera.

Agradeço ao Eduardo Buscariolli pela conversa que gerou a ideia desse texto.
Imagem do cabeçalho: sciencesque

O fotógrafo zen

Com o objetivo de vivenciar essas experiências, o budismo Zen segue por caminhos que, através de um recolhimento metódico e sistemático, conduzem o homem a perceber, no mais profundo da sua alma, o inefável que carece de fundo e de forma. Em relação ao tiro com arco, isso significa (expresso de maneira bastante aproximada e talvez por isso passível de uma interpretação errônea) que os exercícios espirituais suscetíveis de constituir uma arte da técnica esportiva sejam exercícios místicos. O tiro com arco não persegue um resultado exterior, com o uso do arco e da flecha, mas uma experiência interior, muito mais rica.
Eugen Herrigel — A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen

Henri Cartier-Bresson foi um dos grandes fotógrafos do século XX, sendo até hoje referência para muitos amantes da fotografia. Perguntado sobre suas influências, mais de uma vez Bresson mencionou um livro marcante para a sua forma de fotografar — e que não tinha, aparentemente, nenhuma relação com a fotografia — A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, de Eugen Herrigel. Neste livro, o alemão Herrigel conta a sua experiência ao aprender o tiro com arco japonês (Kyudo) com um mestre Zen. O tiro com arco não tinha como objetivo o desempenho esportivo. Era, na verdade, um caminho para a iluminação, ou o contato com o Zen. Qualquer atividade pode ser usada para esse fim, e no Japão o Zen influencia tradicionalmente práticas como a cerimônia do chá ou os arranjos de flores, além do tiro com arco.

Anton Novoselov
Anton Novoselov

Zen é uma palavra que já se tornou parte do nosso cotidiano, sendo associada à calma e a tranquilidade. Mas o Zen “de verdade” é uma escola de budismo que se originou na China e migrou para o Japão. O que é o Zen, então? O que significa? Bem, não dá pra falar em palavras. Qualquer tentativa de explicá-lo trairá sua própria essência, como o próprio Herrigel comenta:

A simples decisão de dizer qualquer coisa a respeito do Zen exige um sério exame de consciência, pois tem diante de si o célebre exemplo de um dos maiores mestres que, interrogado sobre a natureza do Zen, permaneceu em silêncio, imutável como se nada tivesse ouvido.

Embora não possamos entender diretamente essas experiências com nosso racionalismo ocidental, que precisa apreender tudo em palavras, podemos utilizar a nossa curiosidade em relação à escolha de Bresson por esse livro como sua maior influência. É possível usar a fotografia como um caminho para o aprimoramento pessoal, como instrumento para a busca da verdade?

Quer quiser responder essa pergunta precisará entrar no Zen por si só, abandonando expectativas. Além disso, deve deixar para trás tudo que aprendeu, todos os conceitos que têm sobre aquilo que é e faz — pois, se tem algo que o Zen não é, é conceitual. Da mesma forma que o objetivo do arqueiro zen não é acertar o alvo, e sim acertar a si mesmo, o do fotógrafo que se embrenhar pelo Zen buscará algo muito além de produzir belas fotografias. Há pouco mais que pode ser dito. Uma das maneiras de prosseguir talvez seja simplesmente ler o livro de Herrigel. Baixe uma versão em PDF de A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen ou, ainda, uma versão em inglês: Zen in the Art of Archery.

Foto do cabeçalho: Jordan Woods

Fotografia contemplativa

A fotografia é uma atividade que envolve uma série de processos mentais. Pensamos no que fotografar, em que ângulo, com que luz, qual lente, que abertura, velocidade etc. Com isso, ao fotografar, temos em nossas mentes uma série de filtros, regras, expectativas e concepções. Tudo isso ocorre porque fotografamos querendo um certo resultado. A partir dessa expectativa, elaboramos todo um quadro mental de como obter esse resultado. Geralmente, acreditamos que temos que buscar algo fora do comum, que seja impressionante, impactante, chocante.

Embora seja necessária quando se fotografa profissionalmente, quando a fotografia é apenas um hobby toda essa atividade mental pode nos fazer facilmente perder o contato com o momento. Nos voltamos demais para dentro das nossas mentes, o que nos impede de viver de fato. Há uma proposta, entretando, que vai justamente na contramão desse estado de espírito ao fotografar: a fotografia contemplativa. Continue lendo “Fotografia contemplativa”