Oficina virtual de fotografia: Fotografe o que você conhece

Uma das regras que se dissemina para aqueles que querem começar a escrever é: “escreva sobre o que você conhece”. É uma boa dica, pois é mais provável que você crie uma história melhor sobre aquilo que já viveu, sentiu ou experimentou. Talvez possamos pensar na mesma ideia para a fotografia.

Temos uma ideia pré-concebida daquilo que vale a pena ser fotografado. Paisagens fantásticas, viagens extraordinárias, eventos especiais. É claro que essas coisas merecem fotografias, mas elas são uma parte muito pequena das nossas vidas. A melhor história que você pode contar com a sua câmera é aquela que você vive cotidianamente, com a qual tem intimidade e proximidade. Podemos achar que essa nossa história não tem nada de fantástico que justifique fotografar, mas é um engano: se você souber olhar, uma ida à padaria pode ser tão interessante quanto um cruzeiro marítimo.

Proponho, então uma série de exercícios a fim de direcionar o olhar e o fazer fotográfico para o familiar, o cotidiano, o simples.

Xiu Xiu
Xiu Xiu

1. Olhe a sua volta
O que faz parte da sua vida? Quais são os lugares que você frequenta diariamente? Por quais ruas você passa? Com que pessoas interage? Com quem você convive? O que você ama? O que você odeia?

Tente fazer uma lista com as respostas para essas perguntas. Apenas registre, catalogue. Passe a fotografar mentalmente conforme você vive seu dia a dia. Faça um inventário do que é fotografável do seu cotidiano. Coloque no papel, crie categorias, divida por assuntos ou temas. Leve o tempo que quiser nessa etapa. Se tiver que passar meses só olhar, que seja.

2. Reconheça
A partir das coisas que você listou fotograficamente no primeiro exercício, comece a explorar o significado dos lugares, a relação afetiva com as pessoas, os detalhes dos ambientes em que você vive. Tente pensar no que define cada pessoa, na beleza que há nos seus caminhos, na essência de cada momento. Não fotografe nada. Apenas repare, note, descubra. Olhe para seus sentimentos, suas sensações e seus pensamentos a cada momento que você reconhece algo como relevante. Depois, anote tudo isso, se quiser. Mais uma vez, leve o tempo que quiser: “cozinhe” as ideias na sua cabeça à vontade.

3. Fotografe
Agora é a hora de fotografar tudo aquilo que você passou a perceber e a valorizar nos exercícios anteriores. Aqui você pode estudar qual a melhor técnica, o melhor equipamento, a melhor luz e a abordagem que você vai usar para que a fotografia mostre as coisas que você vive tais quais você as enxerga. Pense na relação que você tem com cada lugar ou pessoa, e tente fazer com que isso esteja presente de alguma forma nas fotografias. Entretanto, seja honesto: sua vida não precisa de retoques. A questão aqui é encontrar o valor nas coisas como elas são e não criar uma reinterpretação fantástica.

4. Conte sua história
Por último, você pode criar uma série de fotos. A edição, ou seleção das fotos que entram ou saem, sempre é algo difícil. Geralmente temos problemas em dizer não para aquilo que produzimos. Mas uma série curta, que tenha força naquilo que expressa, é melhor do que uma série longa, prolixa e repetitiva. Apague sem dó. Não use a estética ou os aspectos técnicos como o principal critério para escolher as fotos. Lembre-se de que não se trata de agradar os outros ou de atestar a sua capacidade como fotógrafo, mas sim de reconhecer o valor naquilo que o cerca. As diretrizes devem ser, então, a relevância afetiva e a autenticidade. Se você vê na foto aquilo que vê na vida, a foto ficou boa. Foco, enquadramento e outros aspectos são menos importantes aqui.

Não se preocupe em criar nada extraordinário, nem com a opinião de pessoas que não façam parte da sua vida. Faça esses exercícios por você e pelo que vive. Preste uma homenagem. Use sua câmera como um instrumento de reconhecimento e valorização daquilo e de quem você escolheu fotografar. Pois são essas pessoas, espaços e lugares que compões a sua vida, é isso que você é.

Fotografia contemporânea

O termo “contemporâneo” refere-se ao que é atual, ao que ocorre no nosso tempo. Sendo assim, seguindo literalmente a expressão, poderíamos classificar qualquer fotografia feita hoje como fotografia contemporânea. Será que é possível, no entanto, reunir algumas características da fotografia atual que a distinguiriam da fotografia feita em outros momentos históricos? Parece uma tarefa muito difícil, pois se tivermos em mente que nunca se fotografou tanto, nunca mostramos e vimos tantas fotos o tempo todo, como estabelecer um panorama? Se pensarmos na quantidade de fotos feitas hoje, provavelmente teremos exemplo de todos os tipos de pontos de vista, de métodos, de técnicas…

Não obstante, talvez seja essa quantidade enorme de fotografias que leve justamente ao que é essencial da fotografia do nosso tempo. Até um tempo atrás, só se fotografava o que era fotografável: um evento significativo, uma viagem, um ensaio planejado etc. As dificuldades técnicas e de custo faziam com que a fotografia fosse a validação de algo especial. Hoje, com a facilidade do digital, se fotografa tudo. Qualquer coisa se tornou fotografável. E, se alguns veem nisso algo banalizador, massificador, há uma contrapartida: vemos em fotografias coisas que não víamos antes. E, se soubermos filtrar, veremos nos blogs, nas redes sociais, nas galerias online a poesia e a beleza do dia-a-dia, do simples viver. A fotografia contemporânea tem como característica especial essa possibilidade de olhar de forma poética para o simples, o sutil, o cotidiano que leva à valorização do trivial. E o que temos em 99% das nossas vidas é o trivial, acho isso muito positivo.

Há também uma questão técnica e estética: uma vez que já entendemos que a fotografia não é um simulacro, e sim uma representação cujo aspecto depende das características do aparelho, não é mas necessário buscar a ilusão perfeita, a fotografia tecnicamente impecável. Daí muitos autores jogarem com métodos alternativos, justamente buscando ressaltar a impressão que querem causar, entendendo a fotografia como uma criação e não como um registro. A fotografia de hoje não precisa mais ser perfeita, nem espetacular, nem contundente. Ela simplesmente mostra o que somos, sem truques ou disfarces.

Como é melhor mostrar do que tentar explicar, reuni algumas fotografias postadas sob licença Creative Commens noFlickr que reúnem as características que comentei. Para ver o nome do autor, basta passar o mouse sobre a foto.

Fotografia do cotidiano

Em uma época em que a originalidade deixou de ser sinônimo de qualidade e em que as imagens pasteurizadas e irreais são dominantes, parece difícil achar os caminhos para produzir algo significativo através da fotografia. Com a rede abarrotada de fotos, o novo e o espetacular são armadilhas que, na verdade, significam apenas mais do mesmo. Mais e mais vejo, em resposta a essa condição, fotógrafos voltando-se para os eventos rotineiros de seu dia-a-dia, de suas famílias, amigos e entes queridos, muitas vezes criando com sucesso uma fabulosa estética contemporânea.

Pode ser um simples viés em relação às fotos a que tenho acesso, mas tenho visto essa abordagem melhor trabalhada em fotógrafos de outros países do que entre os brasileiros — exceção feita ao Gustavo Gomes. Talvez seja por uma percepção diferente da rotina ou porque ainda estejamos mais presos em modelos publicitários e jornalísticos, que nos levam à tendência de travestir o cotidiano em espetáculo. A beleza do trivial não precisa de um traje de gala. Precisa, apenas, ser percebida.

Escolhi algumas fotos que traduzem esse movimento. E não acho que voltar-se para si mesmo leve a uma produção menos significativa. Até porque não há nada mais universal do que as particularidades de cada vida humana.


Gustavo Gomes


Lis Ferla


lintmachine


8 Kome


Eduard Germis

chillhiro


Ronn “Blue” Aldaman


Grant Harder