A Digipix, empresa que atua no ramo da impressão fotográfica, com destaque para a produção de fotolivros, se recusou a imprimir 200 fotos do portfólio do fotógrafo Gal Oppido, por conta do conteúdo das imagens, que contém nus. A informação é da coluna de Monica Bergamo, da Folha de São Paulo:
“Ditadura
Depois de ter exposto suas obras no MAM, no MIS, na Pinacoteca e no exterior, o fotógrafo Gal Oppido teve suas imagens -muitas delas com corpos nus- censuradas. O veto veio da Digipix, contratada para imprimir cerca de 200 fotos do artista em um livro-portfólio, que seria apresentado a galerias de Nova York. A empresa se recusou a entregar o trabalho por considerar as imagens de ‘conteúdo indevido’, que poderia ‘ser considerado ofensivo, pornográfico, obsceno (…) que venha a ferir a ética, a moral, os bons costumes’. E afirma que ‘não analisa as imagens com base em critérios artísticos’.
INQUISIÇÃO
Oppido, que teve de viajar sem seu portfólio impresso, avalia o ocorrido como ‘um evento com tons medievais, lembrando a malfadada aventura inquisitória’.”
Esse é um acontecimendo que causa estranheza por três motivos: primeiro, é curioso ver que uma empresa do ramo de impressão fotográfica, que passa por um momento de crise, se recusa a fazer um trabalho. Parece que a Digipix anda bem das pernas, provavelmente pelo sucesso dos fotolivros, que tem garantido a sobrevida desse setor. Não sei até que ponto existe algo na legislação que obriga a empresa a atender o cliente, mas essa é uma questão menor. O segundo motivo de estranheza é a seleção prévia pela qual passam os trabalhos enviados à empresa, no qual aparentemente se verifica se o conteúdo do fotolivro é condizente com os padrões morais da Digipix. É uma situação no mínimo desconfortável, para um fotógrafo, ter que submeter o seu trabalho a um crivo que dirá se ele é digno ou não de virar um fotolivro. O terceiro motivo é a afirmação de que a Digipix “não analisa as imagens com base em critérios artísticos”. Ora, a fotografia é uma arte, e para se trabalhar com arte é preciso ter sensibilidade suficiente para entendê-la, em vez de julgá-la. E isso porque estamos falando do trabalho consagrado de um fotógrafo de renome. Essa sensibilidade significa entender também que a imposição de padrões morais é incompatível com produção artística — e isso deveria ser sabido especialmente por quem lucra com ela.
Felizmente, existe a concorrência. Vamos esperar que outras empresas que trabalham com fotografia a tratem com o devido respeito.
Atualização (15/1/09): resposta da Digipix publicada no Portal Photos
“Sobre a nota “Ditadura” (Mônica Bergamo, Ilustrada, 9/1), a Digipix esclarece que se dá o direito de não produzir material que possa ser considerado pornográfico, como claramente descreve o termo de uso com o qual todos os clientes são obrigados a concordar antes de contratar seus serviços. Para isso, são adotados critérios objetivos, um dos quais prevê a não produção de imagens com genitais expostos. A Digipix não analisa as imagens com base em critérios artísticos, função que não lhe cabe, e não se trata de censura, já que não fica impedida a exposição ou a produção por terceiros de tais imagens. Por operar on-line, a Digipix adota antecipadamente critérios claros de atuação e só tem acesso ao conteúdo dos materiais após eles serem processados. Ao contratar o serviço, a representante de Gal Oppido, Kátia Kuwabara, manifestou-se ciente e concordou explicitamente com o termo de uso da empresa, que apenas o fez valer.”
Atualização (16/1/09): depoimento de Ignácio Aronovich (do Lost Art) no BrFoto:
“Postei uma mensagem na lista Fototech em 09/01 reproduzindo a nota na coluna da Monica Bergamo sobre o caso do Gal, que não pode imprimir o seu livro na Digipix.
Na semana seguinte li inúmeras mensagens e posts em listas e foruns de pessoas manifestando-se sobre o assunto.
O que mais me chamou a atenção é que *ninguem* ligou para a Digipix para ouvir o lado deles da história.
Liguei e conversei hoje com a Sandra Bizutti (11_ 3612-5730), da area comercial da Digipix.
Ela me explicou que:
-o pedido do Gal entrou dia 24/12, com prazo apertadissimo e não foi feito por ele, mas por uma assistente dele (livro Super A3)
-o livro foi barrado na produção, por conter genitália visível, o que vai contra os termos de uso da política da empresa.
Como o livro não ficou pronto, e não há havia prazo hábil para produzir outro, o Gal foi prejudicado.
De acordo com a Sandra, não há nada de subjetivo na política da Digipix: se genitália aparece, o livro não será impresso.
Perguntei se eu poderia publicar um fotolivro com fotos minhas de Florença, onde aparece uma imagem da escultura de Davi, de Michelangelo, onde genitália está visível. A Sandra alegou que eu estava comparando “alhos com bugalhos” e que trata-se da genitália humana, mas que a foto da escultura poderia ser impressa em fotolivro.
Sandra explicou, “arte tem nu, é natural, nada esta sendo questionado, o problema é pessoa juridica é uma opção da Digipix não aceitar publicar imagens de genitália visível, mas pode passar, se tiver uma ou duas fotos no meio, é possível que passe.”
Perguntei se eu poderia publicar um fotolivro com o trabalho “Second Skin” da minha esposa, Louise Chin, que fotografou modelos nuas em estudio e depois convidou 33 artistas para pintarem prints de seus corpos nus. Em algumas fotos os artistas cobriram parcialmente a genitália, em outros não, mas trata-se de um trabalho claramente não pornográfico e que foi exposto em galerias (SP e Italia) sem qualquer tipo de restrição de idade/acesso.
http://www.lost.art.br/2ndskin.htm
Sandra explicou que “se for algo coberto, que nao apareca, tudo bem”, perguntei se havia como consultar, a Digipix ANTES de entrar com os arquivos, e ela disse que “nunca alguem fez esse questionamento. é passivel de ser barrado, depende do conteúdo”.
Perguntei se ela poderia receber imagens para avaliação ANTES do pedido, para ver o livro seria aceito ou não, e ela me explicou que poderia verificar caso a caso se houvesse alguma dúvida, para evitar os problemas de prazo que ocorreram com o Gal.
Perguntei se ela poderia me indicar outro lugar para imprimir fotolivros com nudez/genitália visível e ela não soube me indicar.
A Sandra explicou que os termos de uso são claros, quem envia material aceita os termos, e que não entende porque tanta polêmica, que “seria como ir a um restaurante vegetariano e pedir carne, a regra é clara e vale para todos.” “Tem agencia que nao faz publicidade de cigarro e nao vai fazer e pronto, é a postura da empresa.”
Perguntei sobre a postura da Digipix em relação a quem usa MAC. A Sandra disse que em reuniões com fotógrafos sempre “é trucidada por não ter versão para MAC.”
Explicou que ainda estão tentando aperfeiçoar e melhorara o sistema para PC, que se existe um plano para atender quem usa MAC é para longo prazo, e que todo mundo que usa MAC consegue enviar os arquivos via PC. Perguntei se haviam instruções para quem usa MAC no site da Digipix e ela me disse que não.
Perguntei se havia algo no site explicando o ocorrido com o Gal e ela me disse que não, mas que existe uma resposta enviada via e-mail para o Gal e para a Folha de S. Paulo.
Sandra concluiu dizendo que “nao acho que um fato pontual possa manchar que fizemos em 5 anos.”
A descrição acima não é nada “oficial”, trata-se apenas de um relato meu após ver pessoas manifestarem-se há dias sobre algo ocorrido sem dar-se ao trabalho de checar a fonte.
Tentei falar com o Gal mas não consegui (acho que esta em NY), mas a versão dele (e-mail) já está disponível em inúmeras listas e foruns.
Da minha parte, NUNCA usei serviços da Digipix, porque uso MAC. Costumamos trabalhar com produtores gráficos que utilizamos regularmente para as nossas necessidade de impressão.
Se tiver alguma dúvida adicional, sugiro ligar para a Sandra.
abrazos,
ig”
Atualização: 21/1/09 – Resposta do Gal Oppido ao e-mail da Digipix
UM CIDADÃO INDEVIDO
É exatamente como me sinto, após a interdição de meu acesso a produto intelectual gráfico de minha autoria, portanto de minha responsabilidade, já pago e impresso pela empresa Digipix.
Desde as minhas primeiras experiências ligadas à expressão por imagens, através de desenhos e/ou fotografias, sempre foi claro que estas ferramentas me possibilitariam discutir inquietações latentes que poderiam ser socializadas no sentido de fornecer mais critérios de análise, e deste modo me instrumentalizando mais para a prática da vida.
O corpo nu para mim funciona como uma folha em branco, pois cada traço que pousa nesta folha instantaneamente ganha significado, o mesmo acontece com o corpo na sua solidão cósmica e material, quando a ele se agrega vestes, intervenções cirúrgicas, a força da gravidade e outros acessórios instalados mediante um número infinito de ações e imposições; sejam elas de ordem moral, religiosa, de proteção orgânica, de ostentação de valor e poder, etc.
O corpo revela a história de sua humanidade.
Estes ensaios ora censurados, alguns deles, fazem parte da Coleção MASP- Pirelli, dos acervos do MAM e do MIS, foram expostos na França, Holanda, Alemanha, Portugal, Angola, Cuba e Colômbia representando o Brasil em mostras coletivas, mereceram o Prêmio APCA de Melhor Fotografia em 1991, participaram de publicações internacionais sobre fotografia Latino-Americana, foram motivo de palestras em universidades, fundações de ensino e espaços culturais, são expostos por TV educativas e foram objeto no último dia 06 de dezembro de 2008, de palestra e material didático para professores de arte da rede pública estadual.
Sou professor na área de artes visuais desde março de 1973 e há oito anos ministro curso de linguagem e conteúdo em fotografia no MAM; neste último semestre decidimos documentar os trabalhos desenvolvidos em formato de livro impresso similar ao produto da empresa acima citada.
Meus alunos compartilharam imediatamente da idéia sugerida pelo mesmo motivo que me levou a encadernar os meus primeiros desenhos: possibilitar desta forma dividir coletivamente as experiências desenvolvidas.
O livro pós-barrado e que há três meses estamos preparando sua edição foi o suporte escolhido para expor meu trabalho junto a galerias da cidade de Nova York.
O material foi enviado dia 23 de dezembro de 2008 com garantia de entrega dentro do prazo, até dia 2 de dezembro de 2008.
Fui comunicado da censura e intenção da destruição do mesmo na tarde do dia 30 de dezembro de 2008 pelo fornecedor, impossilitando assim de dar prosseguimento ao meu projeto, uma vez que viajo hoje dia 3 de janeiro de 2009.
Fica a questão:
Jerôme Bosch, Leonardo da Vinci, Pablo Picasso, Gustav Klimt, Egon Schiele, Jeff Koons, Robert Mapplethorpe e meus alunos teriam livros impressos pela Digipix?
É possível uma empresa que lida com imagens ter conhecimento tão limitado a respeito do universo a qual está inserida? Pois no momento em que ela julga e condena, presume-se que hajam critérios elementares sobre o objeto e autor em questão. Afinal para tal decisão seria plausível um mínimo de ponderação e consulta pois me atinge moral e profissionalmente.”
Gal Oppido