Nós e a tecnologia: uma faca de dois gumes

Em “O Caminho para Wigan Pier”, escrito nos anos 30, George Orwell profetiza: “no futuro, faremos ginástica para exercitar músculos que nunca usaremos”. Era o presságio de que a tecnologia serviria cada vez mais para facilitar a nossa vida e que a contrapartida é uma fragilização do ser humano. Embora Orwell faça o comentário em termos físicos, não é demais pensar que o mesmo se aplica em termos intelectuais.

Somos uma geração mimada pelas facilidades da tecnologia. Em termos comportamentais, o indicativo mais evidente desse processo é que nos tornamos extremamente intolerantes à frustração. Tolerância à frustração é um termo psicológico que descreve o quanto conseguimos lidar com o fato das coisas não serem como queremos. Se por um lado é maravilhoso que a tecnologia nos permita fazer coisas cada vez mais rápida e facilmente, por outro a tendência é que nos tornemos cada vez mais dependentes da tecnologia e impacientes frente às mínimas dificuldades.

O principal trunfo da fotografia digital foi permitir que as fotos pudessem ser visualizadas instantaneamente. As primeiras câmeras a se tornarem populares, as Kodak Brownies, precisavam ser enviadas de volta à fabrica para retirada do filme, revelação das fotos e recolocação de um negativo novo. Com o filme 35mm, o processo de revelação se tornou mais ágil, mas ainda era feito manualmente. Com os minilabs, as fotos finalmente passaram a ficar prontas rapidamente: em uma hora. Mas ainda assim, a tendência de aceleração continuou e hoje podemos ver as fotos antes mesmo de serem batidas, nos LCDs das câmeras compactas e celulares. Quando a Polaroid decidiu parar de fabricar suas câmeras e filmes instantâneos, um de seus executivos de marketing disse: “a Polaroid não vendia câmeras, vendia a possibilidade de ver as fotos na hora, que foi apropriada pelo sistema digital”.


moominsean

Isso faz com que tenhamos uma atitude em relação à fotografia – e, de certa forma, com a vida de forma geral – imediatista e perfeccionista. Não admitimos atrasos, erros, imperfeições. Queremos tudo, para agora, do jeito que esperamos. Até certo tempo, vivíamos muito bem com limitações que hoje seriam intoleráveis. Tínhamos que esperar três anos para assistir um filme na televisão depois de lançado no cinema. Lidávamos bem com o fato de não conseguirmos falar imediatamente com alguém no telefone. Não achávamos estranho ter que colocar manualmente a agulha sobre o disco de vinil para ouvir música. Planejávamos nossa semana de forma a não precisar fazer compras no domingo, quando estava tudo fechado. E achávamos que ter nossas fotos reveladas em uma hora era incrivelmente rápido. Prestávamos, também, menos atenção em se as fotos estavam com as cores equilibradas, cortes adequados, granulação…

Há quem argumente que a facilidades tecnológicas libertam o homem de tarefas menos importantes, deixando mais espaço para o desenvolvimento intelectual. Parece fazer sentido, mas será que esse desenvolvimento está acompanhando a tecnologia? Estamos, na média, nos tornando mais competentes intelectualmente ou apenas uma massa preguiçosa e impaciente?


Leanne Surfleet

Não quero dar a entender que “os velhos tempos é que eram bons”. Pelo contrário, havia coisas muito chata. Como, por exemplo, ter que comprar fichas telefônicas e usar orelhões. Não era possível optar pelo combustível que usaríamos nos carros nem conversar com parentes do outro lado do mundo sem gastar quase nada. O avanço tecnológico pode ser bom ou ruim, dependendo do uso que cada um faz dele. Acredito que se usamos as facilidades da tecnologia para melhorar a nossa vida e a nós mesmos, não há como dizer que isso é algo negativo. Mas se, por outro lado, nos deixamos acostumar com as facilidades e nos tornamos irriquietos, ansiosos e intolerantes com as menores dificuldades, algo está fora do lugar.

No caso da fotografia, o sistema digital propicia oportunidades que eram apenas sonhadas pelos fotógrafos que nos precederam. Podemos ter imediatamente o resultado de qualquer experiência. Podemos fazer um número virtualmente ilimitado de fotos sem nos preocupar com custos de filmes e revelação. Podemos aprender como controlar a câmera rapidamente. Com isso, a fotografia se tornou ainda mais fácil. Aproveitando essas possibilidades, qualquer um pode ser tornar um grande fotógrafo. Esse, pra mim, é um dos aspectos mais virtuosos do digital: a fotografia “séria” deixou de ser uma atividade elitizada, limitada por conta dos custos e dificuldades técnicas. A excelência está nos dedos de qualquer um – desde que haja dedicação e esforço.