Perplexidade

É da nossa natureza buscar respostas. Quando fazemos perguntas, queremos soluções, definições, regras. Qual a melhor câmera? Como fazer esse tipo de foto? Que tipo de fotógrafo eu sou? Do que gosto mais? Qual o jeito certo de tratar uma imagem? Quando encontramos respostas para as nossas perguntas, anotamo-nas com satisfação no nosso livro mental de regras e dogmas e seguimos em frente, consultando-as sempre que necessário e raramente as alterando.

Ter o nosso livro de regras conforta. Sentimos que as coisas são estáveis, estabelecidas e seguras. Sabemos o que queremos, para onde vamos e o que nos agrada. É claro que ter clareza sobre o que fazemos pode ser muito útil, especialmente quando trabalhamos com fotografia e precisamos ser eficientes no cumprimento das demandas do dia a dia. Ainda assim, não podemos deixar de considerar o outro lado da nossa busca por respostas definitivas.

A desvantagem mais óbvia de estabelecer uma forma rígida de ver e fazer a fotografia é que isso mina a criatividade. Criar envolve, necessariamente, a experimentação, a tentativa e o erro, a utilização de métodos alternativos. Quando pensamos invariavelmente que “retratos devem ter fundo desfocado”, “paisagens devem ser nítidas”, “cores devem ser reais”, restringimos enormemente as possibilidades que a fotografia oferece. Considerando, ainda, que com o digital a experimentação não custa nada, não tentar o diferente praticamente não faz sentido. Temos dificuldade em experimentar porque se abalarmos nossas regras, abalaremos nossa concepção de mundo, o que nos gera desconforto. Nossa tendência é permanecer naquilo que acreditamos ser seguro.

A partir disso, podemos ir um pouco mais fundo e questionar a nossa própria maneira de questionar. Por que precisamos necessariamente de respostas? Por que buscamos sempre a afirmativa? Talvez a alternativa mais relevante para mudar e nos permitir ser mais criativos seja justamente conseguirmos ficar mais confortáveis com a incerteza. Até porque, se pensarmos bem, apenas criamos ilusões de certeza e estabilidade. As coisas mudam o tempo todo e o controle que exercemos é ínfimo, quando não é nulo.


Konstantin Merenkov

Então, podemos experimentar nos contentar com as questões, sem perseguir e nos prender em respostas definitivas.

– Qual a melhor maneira de fazer tal foto?
– Existem infinitas maneiras e nenhuma é melhor.

– Qual a melhor câmera?
– Qualquer câmera é boa.

– De que tipo de fotografia eu gosto?
– Hoje é uma, amanhã será outra.

– O que torna uma foto boa?
– Não há boas fotos. Nem fotos ruins.

Acredito que a fotografia depende do espanto com o mundo, com a perplexidade. Nosso olhar para as coisas é uma grande pergunta. A resposta que acreditamos encontrar é, na verdade, uma limitação. Fotografar é uma forma de lidarmos com essa questão, com essa perplexidade, com o encanto que as coisas nos provocam. Não precisamos definir nada. Podemos apenas contemplar e transformar nossas perguntas em imagens, abrindo mão das palavras.

Fotografia: o que é importante?

Como acontece com a maior parte dos assuntos, discute-se muito sobre aspectos da fotografia que não são importantes. Foca-se em questões que influenciam muito pouco os resultados e o significado da fotografia para cada pessoa que a tem como paixão ou modo de vida. A partir dos tópicos criados em uma comunidade de discussão de fotografia, elaborei uma pequenas lista de coisas “desimportantes” para nos ajudar a pensar o que fazemos com o pouco tempo que nos é dado e que usamos nessa atividade que para nós é tão especial, seguida por uma lista do que é, para mim, o mais relevante.

O que não importa:

1. Se você usa digital ou filme

2. Quantos megapixels tem sua câmera

3. A camera que você não tem Continue lendo “Fotografia: o que é importante?”

Menos é mais

Num mundo em que há tantas imagens sendo produzidas a cada instante, pode-se perguntar: o que fazer para se destacar? A resposta a essa pergunta dependerá da sua área de atuação. Caso você seja um profissional, é preciso encarar a fotografia como um produto e aplicar a lógica do marketing a essa atividade. Caso sua aspiração seja ser um artista, o que contará é sua rede de contatos e a sua persistência para emplacar seus trabalhos. Se você for um amador, você não precisa se preocupar com isso.

O que há de comum entre as três possibilidades? Nos dias atuais, a qualidade da fotografia produzida é um mero detalhe dentro de outros fatores que são determinantes do sucesso profissional e artístico. No mercado de serviços fotográficos, a forma de promover o seu trabalho provavelmente terá mais impacto do que boas fotos, já que com equipamentos cada vez mais avançados e recursos automáticos mais eficientes, a variação de qualidade técnica acaba sendo mínima. No mercado artístico, há tempos em que as características das obras em si já não importam muito, dando lugar a pontos como o quanto você aparece e quem você conhece. Não que ser um bom fotógrafo seja totalmente irrelevante: ajuda, mas não é o essencial.

Quando se é um amador, não adianta tentar lutar contra a avalanche de imagens sendo produzidas e publicadas a cada segundo. Mesmo que se consiga algum destaque, ele durará menos de quinze minutos – talvez quinze segundos – de modo que talvez seja mais útil pensar a fotografia como tendo uma função extremamente pessoal. Como já comentei antes, buscar esse tipo de reconhecimento pode ser extremamente nocivo para seu trabalho fotográfico, pois a tendência é transformá-lo naquilo que os outros querem ver. E, no fim, você nunca estará satisfeito.

Se você conseguir abrir mão da necessidade por esse tipo de aprovação, pode fazer algumas coisas para tornar sua fotografia mais significativa, ainda que apenas para você. Uma delas é reduzir. Se as pessoas produzem milhões de fotos por segundo, cada uma delas vale pouquíssimo em termos de significado e mesmo como produto de um processo artístico ou de comunicação. Se você produzir menos, suas fotos valerão mais – não em termos de valor econômico, mas de valor em termos de significado. Reduzir, então, quer dizer diminuir o número de fotos, de câmeras, lentes, acessórios, impressões e publicações das imagens na web. Algumas coisas que podem ser feitas dentro dessa proposta:

1. Tirar menos fotos. Se você conseguir controlar o seu dedo e planejar mais antes de cada clique (talvez imaginar que você está fotografando com filme ajude), não só você terá chance de estudar o melhor ângulo, o melhor momento, a melhor luz, mas também terá mais chance de viver a situação sem colocar a câmera entre você e o mundo a cada instante. Um bom fotógrafo conhece aquilo que fotografa, e isso toma tempo.

2. Restringir o equipamento. Esqueça tripés, flashes, filtros ou qualquer outro acessório. Uma câmera, uma lente e um cartão de memória (ou um rolo de filme) são suficientes para fotografar. Carregar muitas lentes e acessórios fazem com que você se preocupe mais com eles do que com o que será fotografado. O resultado geralmente são fotos tecnicamente corretas mas sem graça, em que fica evidente a distância entre o fotógrafo e o assunto. Não foque seu pensamento naquilo que você poderia fazer se estivesse com a lente X, e sim como o que está sendo fotografado é interessante e de que maneira você vai querer transpor esse assunto em uma fotografia.

3. Tratar cada foto individualmente. Resista à tentação de usar uma action ou um preset nos programas de edição de imagem e aplicá-los a todas as fotos. Em vez disso, selecione as fotos que mais agradaram e realize o pós-processamento uma por uma. Ao gastar tempo com cada uma delas, em vez de inseri-las numa linha de produção automatizada, você estará aumentando o seu valor. Além disso, terá muito mais flexibilidade e poderá dar a cada foto o que ela precisa em termos de tratamento.

4. Publicar menos. Mesmo que você tenha feito uma foto fantástica, que o faça ter vontade de mostrar imediatamente para todo mundo, considere as alternativas. Ainda que sua foto atraia uma série de elogios e comentários, em 30 segundos outra imagem fantástica aparecerá, fazendo com que todo mundo esqueça a sua. Isso poderá diminuir o valor da sua fotografia, ou pior, fará com que você também a esqueça, ao impulsioná-lo(a) a fazer uma nova foto fantástica que renderá mais 30 segundos de fama. Ou seja, ao invés de contribuir com a torrente de imagens, você pode considerar suas fotos como pequenos tesouros que você mostra apenas para poucas pessoas que saberão apreciá-lo.

Se você gosta de fotografia, provavelmente passará o mesmo tempo no processo fotográfico, mesmo que faça o que foi sugerido na lista acima. Desta forma, em vez de gastar poucos segundos com cada imagem, passará a concentrar-se nela por um grande período de tempo, desde o planejamento até a publicação. Isso não apenas resultará em fotos mais trabalhadas, mas também fará com que cada uma assuma um significado maior. Suas fotos se tornarão mais relevantes, mesmo que seja só para você.

Reduzir a quantidade não fará com que as pessoas prestem mais atenção em você – esqueça isso – mas com que você consiga valorizar mais cada foto e selecionar melhor os assuntos que valem um clique, o arquivo que vale um pós-processamento, a foto que vale uma publicação ou a imagem que vale uma impressão. No fim, pelo menos você poderá ter uma seleção do seu melhor, resgatando a qualidade da fotografia, especialmente no que se refere ao significado, que está tão em baixa nos dias de hoje.

Fotos de futurowoman

A fotografia como tarefa

Já havia comentado, no texto sobre fotografia e entretenimento, como a fotografia poderia ser vista como uma atividade produtiva, que aplacaria a necessidade de estarmos sempre fazendo alguma coisa, mesmo nas horas livres. Esses dias, relendo o Sobre Fotografia, da Susan Sontag, encontrei uma passagem em que ela fala sobre o mesmo assunto, em meio a uma análise mais complexa sobre o ato fotográfico feito por amadores.

“Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranquilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.” (p.20)

Esse trecho aponta que ficamos tão marcados ao modo de vida do trabalho que temos dificuldade em viver de outra forma, mesmo fora do expediente. A fotografia, para o amador, mais do que um prazer, pode ser uma tarefa. Como tarefa, tem normas a serem seguidas, rotinas de execução, precisam ter começo, meio e fim. No entanto, quando se está trabalhando, esses aspectos são naturais pois a tarefa deve ser cumprida de uma determinada forma, a fim de que seu objetivo seja atingido. Só que não há objetivos na fotografia amadora. Sendo assim, não faz sentido atribuir a ela aspectos de tarefa a ser cumprida.


Andre Guerette

A consequência imediata dessa visão é que a fotografia amadora acaba sendo encarada de forma desnecessariamente séria, já que está impregnada de “deveres”. A fotografia tem que ser nítida, tem que ser feita no momento certo, tem que ser bem composta, tem que ter uma mensagem, tem que ser fantástica. Assim como no trabalho temos uma série de metas a serem alcançadas, atribuímos à fotografia uma série de qualidades que devem ser atingidas. Do contrário, a fotografia não é boa. A questão é que uma atividade feita por lazer ou amor não tem que ter metas, não tem que passar por nenhum tipo de controle de qualidade. A fotografia pode ser simplesmente um testemunho da relação que temos com aquilo que nos cerca. A qualidade desse testemunho não tem a ver com uma série de critérios técnicos, e sim ao significado que o autor atribui à imagem.

A foto não é uma peça resultante de uma linha de produção, que precisa ser feita sempre da mesma maneira e obedecer a uma série de normas no processo e no resultado: ela é maleável e pode ser produzida como se bem entende. Ainda bem. Pois, ao entender isso, podemos nos ater ao que realmente importa ao fotografar, que é mostrar o nosso mundo, e talvez ainda ter um pouco de diversão no processo. Você pode fazer da sua fotografia aquilo que desejar. Não há nenhum chefe que vai vir conferir se ela foi bem feita. Submeter suas fotografias a um crivo externo – especialmente de pessoas desconhecidas – é pedir pra encontrar vários chefes e transformar sua fotografia em trabalho. Isso não combina com os possíveis papéis da fotografia amadora: ser um lazer ou uma forma de expressão pessoal.

A fotografia amadora não tem que ser nada. Ela pode ser qualquer coisa. Mas você tem autonomia total para decidir isso, sem se basear em nenhum tipo de norma. Sobretudo, ela não tem que ser uma tarefa. Você provavelmente já trabalha o suficiente e não precisa transformar seu lazer, sua criatividade ou sua arte em trabalho. Aprenda a relaxar.

Referência:
Sontag, S. (1977). Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.

Fotografia: processo e resultado

Fazer uma fotografia é um processo que se inicia com a concepção, por parte do autor, de um tema de interesse ou uma ideia visual – se fôssemos ser mais estritos, poderíamos dizer que o processo começa muito antes, mas para simplificar, vamos assumir esse ponto como o momento de partida. O processo se desenvolve através do contato do fotógrafo com o tema ou a situação que será o objeto da fotografia, a escolha de aspectos compositivos, os ajustes do equipamento, o clique da máquina, a edição da fotografia via software ou laboratório, a produção da cópia (impressa ou na tela) e a publicação, que a coloca em contato com os observadores.

Quando vemos uma fotografia, só vemos o resultado. Podemos inferir algumas etapas do processo, como a lente utilizada, a hora em que a foto foi feita ou o quanto o fotógrafo esteve próximo ou distante do assunto. Mas, como o que é de fato visto é o resultado, o ponto no qual convergem todas as escolhas das etapas anteriores, é a partir dele que a foto será julgada. Não importa se o fotógrafo ficou horas esperando uma determinada luz, se na hora do clique o assunto de mexeu: se a foto não corresponde às expectativas do observador, o processo não serve como desculpa.

Quando se é um fotógrafo profissional, não há como escapar: seu trabalho será julgado por esse resultado, que deve agradar ao cliente. Os aspectos do processo são irrelevantes, basta que eles levem à produção daquilo que é esperado. Não é à toa que muitos se preocupam com a confiabilidade dos equipamentos e dos locais, já que o cliente não quer saber se o cartão deu problema ou se a luz não era boa: o resultado precisa ser produzido não importa o que aconteça.


Bárbara, por Arthur Miranda

No entanto, quando se é um fotógrafo amador, o foco não precisa, necessariamente, estar no resultado. Muitas vezes as pessoas fotografam por causa do processo: pelo prazer de se envolver com um determinado assunto, por buscar uma boa luz, por tratar as imagens e até pela mera manipulação do equipamento. O amador pode escolher se vai se dedicar ou não ao resultado que cumpre as expectativas do observador ou se a fotografia tem sua “utilidade” no processo em si.

Ao entender a fotografia dessa forma, compreende-se porque muitas pessoas ainda usam filme, câmeras manuais ou revelam suas próprias fotos em casa. Pode haver uma diferença no resultado, mas ela não é tão grande a ponto de justificar o esforço que se tem quando compara-se com o sistema digital. O cerne da questão é que o processo é muito mais importante. Muitos fotógrafos consagrados gostavam de se trancar no laboratório por horas. O processo, nesses casos, se tornou mais importante do que o resultado. E aí está a diversão de ser um fotógrafo amador. Não há expectativas a cumprir, não há certo ou errado: pode-se fazer tudo do jeito que bem entender.

Fazer fotografias pode ser muito mais do que produzir imagens. Pode ser uma forma de relacionar-se com o mundo, de contemplar aquilo que está a nossa volta. Pode ser também uma espécie de retiro consigo mesmo, ao editar, tratar, imprimir as fotos no fim de um dia. Não é à toa que muitas pessoas veem a fotografia como uma forma de desconectar-se da rotina e do estresse. No entanto, para que seja possível aproveitar a fotografia enquanto processo, é preciso, ao menos até um certo ponto, abdicar dela enquanto resultado.

Não se preocupe em melhorar sua fotografia

Praticamente todas as pessoas que começam a fotografar mais seriamente querem melhorar as suas fotografias. É muito comum nas listas de discussões ver tópicos como “quero tirar fotos melhores”, “qual o melhor equipamento?”,  “qual a melhor técnica para essa situação?”. Parece que é uma qualidade quase inerente do ser humano que uma atividade precise ser feita da melhor maneira possível. Dificilmente questionamos isso. Parece ilógico fazer algo sem querer fazer o melhor. Mas será que há lógica por trás dessa premissa?

É claro que quando se é um profissional, fazer o seu melhor é uma questão de sobrevivência. Mas quando se é amador, isso não é necessário. Pode-se fotografar como se bem entende. Vejo que o desejo de fazer o melhor do amador está ligado à visão da fotografia como forma de expressão. Poder melhorar, nesse caso, significa dar vazão à intenção fotográfica sem obstáculos técnicos. Isso é compreensível, mas isso não é necessariamente fazer fotografias melhores, e sim fazer fotografias que correspondam à intenção do fotógrafo. Se eu sugerir a abolição dessa preocupação em fazer fotos melhores, posso ser tachado de preguiçoso e de não incentivar a ânsia natural do ser humano pelo desenvolvimento. Então, em vez disso, podemos olhar para algumas possíveis armadilhas em que a vontade de melhorar as fotos pode nos fazer cair.


Michael Donovan

1. Comprar equipamentos excessivos ou desnecessários. A primeira coisa que você vai ouvir quando disser que quer melhorar suas fotos é que você precisa de uma câmera melhor. Não importa qual é a sua câmera, ela nunca será a ideal. E aí a tendência é trocar de equipamento na esperança de que o aprimoramento venha automaticamente junto com a nova máquina – ou a nova lente, o novo tripé. No entanto, a menos que você vá fazer um tipo muito específico de fotos, faz muito mais diferença saber usar o equipamento que você tem do que trocá-lo.

2. Virar um obcecado pela técnica. A segunda coisa que você vai ouvir é que para melhorar suas fotos você deve fazer um curso ou comprar um livro. Aumentar o seu nível de conhecimento parece – e é – uma sugestão lógica e benéfica. O grande problema é que 80% dos cursos e 90% dos livros vão focar em duas coisas básicas: transformar você em um aprendiz de engenheiro que sabe tudo sobre câmeras fotográficas e criar a impressão de que fotografar é simplesmente acertar a exposição. Você saberá tudo sobre máquinas, lentes, abertura, velocidade e ISO. Mas aprenderá pouco sobre a parte difícil da fotografia: a composição, os conceitos, como criar uma imagem significativa visual e textualmente.

3. Fazer uma fotografia padronizada. Quando se fala em fazer melhores fotografias, inevitavelmente se cai na questão do que é uma fotografia boa ou ruim. E aí, você corre o risco de cair numa série de padrões e clichês que são tidos como exemplos de boa fotografia para a maior parte das pessoas. Isso pode levar você a inibir sua criatividade, sua capacidade de experimentação e de expressar a sua visão através da fotografia – que era o motivo pelo qual você quis ser melhor, em primeiro lugar.


Marina Rocha

4. Tornar-se competitivo. A ânsia de querer ser melhor pode nos levar a atitudes mais competitivas, como buscar a validação através de concursos ou ser excessivamente crítico em relação aos outros. Num mundo em que há milhões de fotografias feitas a cada instante, ser competitivo é dar um tiro no pé. Ganhar um prêmio ou falar mal de uma foto não faz da nossa fotografia melhor. Ela continua sendo um testemunho pessoal, uma declaração de existência e de visão, um texto visual com a nossa caligrafia. Se formos olhar a fundo, talvez a tal boa fotografia simplesmente não exista. Há a fotografia, e pronto.

5. Depender demais da aprovação externa. Ok, você comprou uma câmera nova, fez um curso, aprendeu a fazer todo o tipo de clichê. Mas e aí, como saber se está indo bem ou não, se está na direção certa? Você precisará de alguma referência, que geralmente significa apreciação e aplauso dos outros. Sem perceber, você pode acabar fazendo fotografias em função dessa aprovação, e não daquilo que importa pra você. E aprovação é como uma droga: você sempre quer mais, ela nunca parece suficiente, o que pode levá-lo a uma descaracterização total da sua fotografia. Talvez seja necessário, para se preservar disso, aceitar que nem sempre será possível ter uma referência segura indicando o caminho certo. A incerteza faz parte do caminho solitário do fotógrafo – assim como o de qualquer artista.

Considerando esses aspectos, talvez seja útil, em vez de pensar em melhorar a sua fotografia, pensar no que você quer que ela seja. O que você quer dizer, mostrar, registrar, o que for. Ao entender melhor o significado da fotografia para você, haverá menos riscos de cair nessas armadilhas criadas pelo desejo genérico do melhor.

Vida online e vida offline

Em seu “Sobre Fotografia”, Susan Sontag aponta algumas funções contundentes da fotografia. Uma delas é o uso da câmera como uma espécie de escudo ou arma, especialmente nas situações em que a realidade é exótica ou incômoda. Como turistas, ao entrar em um novo ambiente, colocamos a câmera na frente do rosto e vemos o mundo através dela. Como a câmera tende a embelezar tudo, a visão do diferente torna-se mais fácil de ser digerida. Nossa visão se tornou fotográfica e a nossa referência de mundo se transformou naquilo que vemos nas fotos, mas do que com os próprios olhos.

Se considerarmos a expansão das redes sociais e a facilidade de compartilhar fotografias digitais, veremos que muitos aspectos da nossa vida necessitam de validação através desses instrumentos. Anunciamos no Twitter o que estamos fazendo, pensando, onde estamos e pra onde iremos. Compartilhamos nossas fotos de viagem e dos momentos significativos quase imediatamente através do Facebook, Flickr, fóruns ou, para os menos “atualizados” tecnologicamente, por e-mail. É quase como se não existíssemos se não estivermos na web; e se algo não foi anunciado nas redes sociais, não aconteceu.

Por que será que não compartilhamos os maus momentos da mesma forma? As redes sociais estão repletas de fotos de pessoas sorridentes, extasiadas, em alegria constante. Não vejo fotos de ninguém entristecido, chorando, com raiva. Parece que de repente os problemas do mundo acabaram. Finalmente chegou o dia em que a humanidade é totalmente feliz. Podemos parar o que estamos fazendo para viver nessa maravilhosa utopia. As mágoas e a feiura continuam existindo, mas apenas numa realidade paralela: no mundo offline.


Zephyrance Lou

Parece-me, na verdade, que a massificação das comunicações e da vida em geral faz com que busquemos constantemente afirmar que somos diferentes e especiais. Quanto mais temos contato com um contingente maior e maior de pessoas, mesmo que virtualmente, mais necessitamos reforçar a nossa individualidade. E aí, como se estivéssemos numa grande competição, precisamos dizer: “veja como seu feliz, como sou bonito/a, como sou bem sucedido/a”. Através de fotografias, obviamente. Não é à toa que as pessoas querem melhores câmeras e aprender a fotografar melhor. A fotografia precisa ser a melhor possível para sustentar esse exercício de afirmação e busca de identidade. Queremos fazer fotografias que pareçam com aquelas que vemos nas propagandas – em parte porque queremos mostrar que temos uma vida que parece com a que se tem nas propagandas.

O que acontece, então, é que se passa a viver em função de mostrar. A fotografia, então, se interpõe nos momentos, impedindo-nos de experimentá-los plenamente. Em vez de mergulharmos nas viagens, nas baladas, nos passeios e até mesmo num momento tranquilo em casa, fotografamos tudo o tempo todo. Perdemo-nos na necessidade de validar tudo por meio da câmera e, pior, perdemos a chance de simplesmente viver de verdade. Não acho que seja tão comum as pessoas substituírem a vida real pela virtual, como se fala muito – acho que isso só acontece em casos extremos – mas o que acho plausível é que a vida online passe a controlar muitos aspectos da vida offline.

Você já considerou fazer uma viagem e não tirar nenhuma fotografia? Já pensou em não contar pra ninguém depois de ter ido a uma festa fenomenal? Em ter tirado uma fotografia fantástica e apenas imprimir para você mesmo, em vez de compartilhar no Flickr? Talvez eu esteja exagerando um pouco, mas se você acha que essas coisas são impensáveis, talvez seja um sinal para considerar se você faz o que faz pelas coisas em si ou pela função que essas atividades têm para outras pessoas. Em outras palavras: para qual vida você vive? A online ou a offline?

Sobre julgamento e fotografia

O ser humano é um julgador por natureza. Ao longo de um mero dia, somos estimulados por um grande número de imagens, sons, odores, textos, ideias. Para que não nos paralisemos frente a tudo isso, processamos de forma extremamente rápida os estímulos de interesse ou não. Além disso, tendemos a classificar os estímulos de acordo com categorias aprendidas durante a vida, como “agradável/desagradável”, “bonito/feio”, “útil/inútil”. Esse processamento foi essencial para a sobrevivência da nossa espécie, uma vez que guia as nossas ações em meio a qualquer tipo de ambiente de forma rápida e objetiva.

Sendo assim, quando nos deparamos com uma situação, uma pessoa ou uma ideia nova, quase instantaneamente já realizamos um julgamento, para que tenhamos base para nosso comportamento. Em geral, utilizamos as nossas experiências anteriores e encontramos – consciente ou inconscientemente – similaridades entre o atual e o passado para basear nossa avaliação. Em frações de segundo temos toda a nova estimulação comparada com um arcabouço de vivências anteriores e categorizada, nos dando condições de reagir adequadamente. Esse processo é natural – e, em muitos casos, necessário. Imagine um dos nossos ancestrais se deparando com um animal desconhecido no meio da savana africana: ele precisava saber rapidamente se havia algum tipo de ameaça ou de utilidade para poder agir de acordo.


James Blann

Há, no entanto, algumas questões que podemos fazer em relação a esse processo, considerando os dias atuais. A partir do momento em que temos consciência de como funcionamos, podemos nos observar funcionando e optar por maneiras diferentes de ser – o que alguns autores chamarão de real liberdade. Vejo três pontos fundamentais.

1. Situações novas são novas. Embora tenhamos um repertório gigantesco de experiências anteriores nas quais nos baseamos, na verdade estamos sempre agindo em função dessas experiências, e não do presente. Isso pode nem sempre funcionar, já que a situação atual é sempre única, por mais parecida que seja com aquilo que já experimentamos.

2. A categorização é falha. Embora seja útil para um julgamento rápido, geralmente a categorização que fazemos é muito simplória. Em frente a um objeto, tendemos a classificá-lo de acordo com proposições dicotômicas, como bonito ou feio, útil ou inútil. O problema é que esse tipo de classificação é muito restrita, levando-nos a avaliar as situações de forma muito rasa.

3. O julgamento em si. Julgamos para poder agir, mas nem todas as situações demandam ação, ou reação. Talvez existam momentos em que seja possível prescindir do julgamento.


Diego Valencia

Essa forma de funcionar é essencial porque não podemos passar o dia refletindo sobre cada estímulo que encontramos. No entanto, há alguma situações em que vale a pena frear esse sistema automático e buscar uma compreensão diferente. Uma delas é ao ver fotografias. Estar em frente a uma fotografia não é uma situação que demanda nenhum tipo de ação específica. Por isso, podemos nos dar ao luxo de julgar de forma diferente, ou até mesmo não julgar. Considerando os três pontos anteriores:

1. Fotografias novas são sempre novas. Se funcionamos de forma automática, tendemos a comparar a fotografia que estamos vendo no momento com fotografias parecidas que já vimos anteriormente. A nossa reação será, então, similar a que já tivemos. Desta forma, faremos sempre o mesmo julgamento, sem dar chance à nova fotografia de evocar novas ideias e concepções. Considerando que vemos centenas de imagens a cada dia, podemos perder a sensibilidade, respondendo de maneira robotizada a estímulos que poderiam nos levar a uma percepção ou experiência diferenciadas.

2.Categorias não dão conta das imagens. Transpor imagens em palavras já é uma empreitada difícil, pois as palavras são naturalmente limitantes. Embora a fotografia também tenha suas limitações, elas são de ordem totalmente diversa. Se, além de tentarmos descrever a imagem com palavras, o fazemos buscando encaixá-la em categorias, teremos nos afastado ainda mais da experiência visual que é a essência da foto. Dizer que uma foto é um retrato nos leva longe da possibilidade de tomar contato com a face da pessoa que foi fotografada.

3. Talvez não seja necessário julgar. Além dos problemas específicos do julgamento citados em textos anteriores, como O Anteparo Técnico e um comentário sobre um texto contra a interpretação da Susan Sontag, o julgamento de forma geral talvez não seja necessário. Podemos simplesmente observar a foto, aceitá-la como ela é e não emitir nenhum tipo de comentário, nem mesmo interno. Assim, é possível de fato ver. Uma alternativa possível é simplesmente observar as sensações e impressões que a foto provoca em nós, sem a preocupação de transformar isso numa ideia ou explicação. Em outras palavras, experienciar a foto em vez de julgá-la.

Este último ponto pode, talvez, ser transposto a outros aspectos da vida além da fotografia. Não é necessário, sempre, ter um julgamento rápido e simplificado para tudo, até porque não é preciso reagir a tudo a todo momento. Há situações que podem ser simplesmente vivenciadas, aceitas como elas são, sem julgamentos, análises ou classificações.

Sete dicas para fazer boas fotos com qualquer câmera

Quando começamos a fotografar mais seriamente, somos tentados a pensar que a qualidade das nossas fotografias está relacionada ao tipo de equipamento que usamos. Nos preocupamos com câmeras, lentes, tripés e outras bugigangas e não raro nos sentimos frustrados porque o dinheiro gasto não se reverte em fotos melhores. Isso acontece porque apenas uma pequena parte da qualidade das fotos tem a ver com o equipamento. Existem algumas condições muito específicas nas quais a câmera usada fará uma diferença significativa. No entanto, na maior parte do tempo, os resultados serão semelhantes independentemente do equipamento.

O que faz a diferença, então? Boas fotografias não são fotografias perfeitas tecnicamente. As boas fotografias podem ser agradáveis esteticamente, com conteúdo impactante ou eloquentes em suas mensagens. E isso tem a ver com a sensibilidade e criatividade do fotógrafo. Podemos listar algumas possibilidades de aprimorar as fotos que podem ser exploradas com qualquer tipo de câmera. Para ilustrar os pontos, escolhi fotos que não tem nenhum aspecto técnico especial, poderiam ser feitas com qualquer máquina sem grandes diferenças; seu diferencial está na exploração de aspectos que pouco têm a ver com o equipamento.


Derrick Tyson

1. Entenda a luz. A luz é o elemento fundamental de qualquer fotografia. Toda câmera é capaz de captá-la e transformá-la numa imagem bidimensional. Portanto, é útil entender a luminosidade e como ela altera cores, texturas, sombras e formas. Um bem exercício é posicionar um objeto qualquer, como um vaso, e fotografá-lo em diferentes condições de luminosidade, como, por exemplo, deixá-lo sob iluminação natural e fazer fotografias em diversas horas do dia.


Rie Lee

2. Explore o assunto. O que fotografar é a primeira pergunta que todo fotógrafo se faz. Não adianta ter a câmera mais moderna e arrojada do mercado, se vai se fotografar apenas as flores do jardim de casa. Se enxergamos a fotografia como um mero registro, as possibilidades são limitadas. Fotografar é como escrever, e o tema de um texto é mais importante do que a forma como se escreve. Então, o fotógrafo pode ir mais longe se perguntando “o que eu gostaria de contar hoje?”. Certamente você tem ao seu redor coisas muito interessantes a serem transformadas em relatos visuais.


Caesar Sebastian

3. Fortaleça a composição. Ao fotografar, temos uma moldura quadricular na qual podemos organizar, da maneira que quisermos, elementos do mundo que nos cerca. Dependendo de como realizamos essa organização, a mensagem visual pode variar muito. Faça experiências alterando objetos de plano, a posição em que aparecem no quadro, alterando a perspectiva. Perceba como essas mudanças alteram a percepção que temos da cena.


Adam Barlow

4. Use as cores. Ou não. Veja se, para o objetivo da sua fotografia, faz sentido usar as cores ou fotografar em preto e branco. As cores podem ser protagonistas de uma imagem, e podemos construi-la justamente para que isso aconteça. Mas quando queremos dar destaque para formas, texturas e jogos de luz e sombra, pode fazer mais sentido deixá-las de lado. A escolha é sua.


Okinawa Soba

5. Organize as formas. Uma vez que a fotografia é um plano, tudo que está contido nela são formas bidimensionais. Um treino interessante é transformar mentalmente os objetos que vemos no mundo tridimensional nas formas planas em que eles se convertem nas fotografias. Essas formas podem ser arranjadas de maneira a criar contrastes, equilíbrio ou desequilíbrio, harmonia ou incômodo.


Seyed Mostafa Zamani

6. Elabore mensagens. A fotografia é uma forma de comunicação poderosa, uma linguagem visual com a qual praticamente todas as pessoas estão habituadas. Portanto, ela também pode ser usada para expressar diretamente certos conceitos e ideias, muitas vezes com menos limitações do que a linguagem falada ou escrita. Montar mensagens visuais através da fotografia pode ser interessante. No entanto, é desafiador conseguir unir isso à uma estética que não deixem o conceito raso ou banal demais.


Natasha Mileshina

7. Crie. A fotografia não precisa ser só um mero registro. Ela pode ser uma atividade de expressão e satisfação pessoal. A liberdade é total, você pode fotografar o que quiser, como quiser. Portanto, pense em tudo que você quiser dizer, em tudo que quiser mostrar. Sua fotografia é o seu mundo: não haverá nenhuma outra igual. Faça dela a sua cara, sem se prender a padrões estéticos, normas ou regras. Daqui a 20 anos, um horizonte torto ou um pouco de ruído não terão a menor importância; o que importará é o que a sua fotografia diz.

Publicidade: podem os fotógrafos lavar as mãos?

Não é difícil perceber que o preço que a sociedade de consumo cobra pelo conforto e pela tecnologia é alto demais. Podemos encarar essa questão de acordo com diversos pontos de vista. Em relação à ecologia, vemos que, embora os alertas em relação ao meio ambiente já estivessem sendo dados há muito tempo, só mais recentemente começamos a sentir as consequências. Há também um ponto de vista social, no qual argumenta-se que o modelo econômico baseado no consumo como é hoje acentua as diferenças entre as camadas da população. Do ponto de vista ideológico, afirma-se que o sistema capitalista, que tem o consumo como seu motor, impede que a democracia ou a igualdade sejam plenas.

Todos esses pontos de vista são válidos. No entanto, eu, como psicólogo, interesso-me por como os mecanismos da sociedade de consumo afetam a vida dos indivíduos e o seu bem estar. Hoje, não somos vistos como cidadãos, ou como indivíduos, e sim como consumidores. Se nos compararmos com as pessoas de dez, vinte ou cinquenta anos atrás, percebemos facilmente que consumimos muito mais. Os itens de consumo duram cada vez menos e são substituídos cada vez mais rapidamente. Isso é facilmente perceptível olhando para o intervalo entre os lançamentos entre câmeras dos principais fabricantes. As primeiras Nikon F ficaram em produção por 10 anos. Agora, vejamos quantos modelos são lançados em apenas um ano. A questão é: somos mais felizes do que a dez, vinte ou cinquenta anos?


Candice Wouters

Não somos, porque toda a questão do consumo depende disso. Se fôssemos mais felizes, consumiríamos menos, o que não pode acontecer. E qual o fator determinante para que não estejamos satisfeitos, tendo tanto conforto e tecnologia à disposição. Não quero ser reducionista, mas acredito que um dos fatores fundamentais é a publicidade. Basicamente, a publicidade, para atingir seus objetivos, precisa nos imbuir de uma sensação de falta, falta essa que só será suprida com um produto. Ou seja, os anúncios implicam o tempo todo no fato de que não podemos ser felizes, nem satisfeitos – a menos que consumamos. No entanto, se o consumo realmente fosse suficiente para nossa satisfação, não precisaríamos continuar consumindo tanto, e teríamos mais satisfação. Acontece que é muito difícil nos satisfazermos com posses materiais, inclusive porque a própria publicidade nos diz que o que acabamos de comprar já não é mais suficiente.

Quem trabalha com publicidade geralmente tem alguns argumentos contra essa percepção. Diz-se, por exemplo, que o marketing e os anúncios apenas refletem aquilo que o consumidor quer e que não se criam necessidades, apenas descobrem-se. No entanto, o que vemos na prática é diferente. As pessoas chegam a extremos para perseguir um padrão alardeado pela mídia que é simplesmente inatingível. Vejo também nos pacientes que atendo a angústia por não conseguir se encaixar em certos modelos midiáticos. Podemos perceber que a publicidade não está apenas nos anúncios, mas nas novelas, filmes, revistas e programas de TV em geral, constantemente criando modelos que as pessoas tendem a seguir. E não só as pessoas que não os atingem que sofrem. Nos raros casos em que as pessoas conseguem, por um momento, sentir-se dentro do padrão, isso também causa angústia e ansiedade tremendos, pois é dificílimo manter esse nível irreal de exigência. Basta ver quantas modelos são acometidas por transtornos alimentares. Então, quando os publicitários dão de ombros e negam ter todo esse poder sobre as pessoas, penso que é uma tremenda hipocrisia. Se não tivessem, não seriam gastos milhões e milhões em publicidade. Campanhas de marketing não raro custam mais caro do que os custos de produção de certos produtos: pagamos mais pelo anúncio do que pelo item em si.


Alex Glickman

Como esses modelos são basicamente visuais, a fotografia tem um papel importante. É através dela que se criam as ilusões dos produtos e vidas ideais que geram o consumo. No entanto, por que, ao fazer uma foto publicitária, não basta ir até o supermercado mais próximo e fotografar o produto? Por que é necessário ter estúdios com esquemas complexos de luz, flashes, lentes e câmeras caríssimas, pós-produção etc? Porque o produto real, que está na prateleira do supermercado, não é suficiente. É preciso ir além, criando uma imagem perfeita, ultrarreal, cuja função é eliciar o desejo e salientar a sensação de falta no observador.

Pode o fotógrafo lavar as mãos em relação à sua contribuição para esse sistema? É claro, ele irá argumentar que não foi ele que determinou que as coisas sejam como são, e que está apenas fazendo o seu trabalho. Ou, ainda, que se ele não fizer, outro fará. É claro que eu não tenho o direito de julgar a forma como as pessoas ganham suas vidas, ainda mais quando se trata de um trabalho honesto. Muitas vezes nem temos clareza das dimensões que a nossa atividade profissional pode atingir numa perspectiva mais ampla. Não obstante, acredito que existam algumas pessoas que têm uma visão crítica sobre o estado de coisas, sobre o modelo social em que vivemos. Que percebem, ainda, que podemos mudar muito pouco do sistema através do voto, já que os candidatos viáveis são aqueles comprometidos com o poder econômico e que a máquina governamental é desenhada para se limitar a escolhas menores. Para essas pessoas, talvez valha a pena refletir se adianta reclamar do governo ou culpar os outros. Uma das alternativas se dá através da análise do próprio meio de vida, considerando como ele afeta as pessoas e a si mesmo. E aí, se você for um fotógrafo publicitário e ao mesmo tempo alguém preocupado com as outras pessoas e com a sociedade de forma geral, talvez valha a pena parar para pensar. Você pode ter mais poder nas mãos do que imagina. O que você vai fazer com isso?

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P.S.2: Esse artigo foi inspirado no texto free of advertising, do blog mnmlist (em inglês).