Fotografia é morte

A maioria absoluta das fotografias tem como intenção o registro de um determinado evento. Ainda que feita com um viés estetizante, buscando embelezar um determinado acontecimento, as fotografias feitas quotidianamente se pautam na magia fotográfica de eternizar, congelar, capturar, solidificar, que ainda está presente no imaginário da maior parte das pessoas. O “isto-foi” de Barthes, tão criticado, é ainda a pedra angular da fotografia na concepção geral.

Se tomarmos essa visão como premissa, podemos inferir que o desejo da pessoa que fotografa é, de fato, tornar um momento eterno. O fotógrafo que lança mão de sua câmera numa festa de aniversário, numa viagem ou numa reunião com os amigos deseja que aquele momento dure para sempre; e é a máquina fotográfica que lhe possibilitará isso, através de seu poder mágico.

Infelizmente, o congelamento do tempo oferecido pela câmera tem um inconveniente: ele só se concretiza numa folha de papel ou numa tela. Após o flash, o tempo real continua andando. Não importa o quanto se fotografa, quanto tempo o obturador fica aberto, quantas fotos são feitas em sequência: o relógio não para de andar.


Christian “Kit” Paul

E aí, as pessoas olham para as fotos, que podem ter sido feitas no dia, no ano ou no século anterior. Elas dizem: “eu era feliz”, “eu era jovem”, “eu era bonito”, o que significa, também que: “hoje, eu sou triste”, “hoje, estou velho”, “hoje, sou feio” – ao menos em comparação com o personagem da foto. A fotografia, o momento congelado no papel, torna-se, então, um lembrete constante de que o tempo passou e não voltará. Não é à toa que muitos autores associam a fotografia à morte.

Dizem que a fotografia imortaliza. Verdade. Mas o que ela imortaliza é aquilo que aparece no papel ou na tela. O que está fora do papel, o nosso mundo real, é mortalizado a cada disparo. A fotografia mata tudo aquilo em que toca, ao congelar um momento que já não é mais o mesmo logo no instante seguinte. Sempre seremos mais velhos do que aquele que aparece nas nossas próprias fotos.

Os álbuns guardam as imagens de um dia, um mês ou uma vida, mas não contêm em si as sensações que elas provocam: estas estão em nós e continuaram mudando junto com o mundo que permaneceu estático na foto. A fotografia escancara o nosso desejo de parar o tempo, de deter o avanço natural das coisas e, traiçoeira, torna mais evidente a nossa incapacidade de fazê-lo. Como se não bastasse, ainda ri, ao nos fazer suspirar frente a algo que não volta mais.

Sobre autoria

Temos uma tendência a venerar os inventores e seus esforços individuais. Sabemos quem inventou o avião, o telefone, o rádio, a fotografia. Ao pensar nessas pessoas, temos a impressão de que elas criaram, do nada, objetos revolucionários. Olhando de perto, no entanto, podemos perceber que não é bem assim. Por que foram os irmãos Wright e não Leonardo da Vinci que inventou o avião? Entre outros motivos, porque só no início do século passado havia tecnologia suficiente para possibilitar a construção de um aparelho que voasse, ainda que da Vinci dominasse os conceitos necessários para idealizar tal objeto. Quem possibilitou a existência dessa tecnologia? Diversos outros anônimos que aprimoraram técnicas e materiais, por exemplo.

A invenção, assim, não é obra de apenas uma ou duas pessoas. Qualquer tipo de invento é uma somatória de esforços que ocorre durante anos, décadas e, não raro, até séculos. Quando dizemos alguém inventou alguma coisa, estamos reconhecendo apenas aquele que realizou a última etapa do processo, sem olhar para todo o caminho percorrido.


Stephan Olsen

Se formos a fundo nessa concepção, veremos que qualquer tipo de criação humana cai no mesmo tipo de funcionamento. Mesmo as criações intelectuais consideradas artísticas. Quando escrevo um texto, produzo algo impregnado de todas as referências que já tive: da forma dos meus pais falarem, de todos os livros que li, das minhas aulas de gramática e redação, do que leio diariamente na internet, dos modelos que tive ao longo de toda a minha vida. Mesmo os assuntos sobre os quais me interesso têm a ver com aquilo que me foi apresentado por outras pessoas; não nasci com nada disso programado. Tudo o que fazemos é resultado de milhões de condições prévias que moldam o comportamento atual. Por mais que queiramos nos ver como seres únicos e especiais, não passamos do amálgama dos genes e ideias que vieram de outras pessoas.

Na fotografia não poderia ser diferente. Temos fotógrafos que admiramos, fotografias que nos inspiram, técnicas que aprendemos. Tudo isso foi criado por outras pessoas. E o que elas criaram foi influenciado por outras pessoas antes delas. Não há uma criação individual e totalmente autônoma, a partir do zero. Tomamos emprestado muito mais do que admitimos, ou sequer percebemos. Copiamos uns aos outros, querendo ou não.


José Pedro Costa

Qual é, então, o mérito do autor? Se ele apenas reorganiza ideias e conceitos pré-existentes, geralmente adicionando pouco ao que já foi construído, pode ele querer dominar aquilo que produziu? Seria o mesmo que eu tomar um muro em construção, adicionar um tijolo e dizer que o muro é meu. Pode-se argumentar que quem escreve, cria ou produz arte coloca seu tempo e esforço naquela produção. É uma posição válida e acho que isso justifica a existência do crédito (fui eu quem colocou este tijolo). Mas não acho que isso é suficiente para justificar a posse sobre todo o muro, ou seja, o conteúdo.

Uma das formas que encontrei para lidar com essa questão foi liberar todos os meus textos e fotos sob Creative Commons. Mas mesmo essa minha atitude pode ser analisada em função das influências que tive: sendo um acadêmico que desenvolve atividades em universidade pública, é de praxe entender que o que produzo deve voltar, de forma irrestrita, para quem o financiou. Da mesma forma, como entendo que tudo o que escrevo sobre fotografia não é mais do que uma reorganização de outras ideias, não vejo sentido em querer assumir, sobre os artigos, uma ideia de posse. O mesmo vale para a minha fotografia. Por mais que tenha uma relação de afeição com algumas de minhas produções, nunca consegui senti-las como absolutamente minhas. Quando olho para minhas fotos, vejo conceitos elaborados por outra pessoa; técnicas aprendidas com outras pessoas; outros fotógrafos tomados como modelo. Tomar posse da minha própria produção como algo autônomo e independente seria injusto com todos eles.

Sendo assim, talvez seja mais útil, para o autor, em vez de vangloriar seus feitos individuais e buscar a originalidade, entender melhor quais são as suas referências e influências. Se enxergarmos a nós mesmos – assim como nossos trabalhos – como resultado de milhões de condições prévias, não há outro caminho para nos entendermos e àquilo que fazemos a não ser identificar essas condições. E aí, pode ser que o sentimento de posse com o que produzimos caia por terra e faça mais sentido devolvermos livremente para os outros tudo aquilo que inevitavelmente pegamos.

Fotografia antisséptica

Enquanto navegava pelo blog El patio del Diablo, indicado pelo meu amigo Daniel Cobucci, certa inquietação em relação à fotografia ia se formando, conforme se passavam as páginas dessa antologia de grandes fotógrafos. Foto após foto, percebia que havia ali uma certa atmosfera comum, independentemente dos assuntos e estilos diversificados de cada autor referenciado. A maior parte dos trabalhos apresentados situa-se temporalmente em meados do século passado. Será essa atmosfera que permeava os trabalhos uma característica existente na luz do passado? Eram os estilos na verdade homogêneos, apesar de parecerem distintos?

Busquei uma referência atual no site do YPU. Lá encontra-se a mesma força nas imagens, a abordagem semelhante que dá ao banal uma fúria estética capaz de transformar a percepção que se tem do mundo. Mas ainda falta a tal atmosfera, a incerteza das fotos antigas. Detesto responder essas questões tão abertas, mas a diferença entre o velho e o novo é tão gritante que uma explicação se explicita.

Surge Flusser alertando, incessantemente, que o programa está embutido no aparelho. Operamos o aparelho dentro de uma gama limitada de possibilidades que já vêm pré-estabelecidas. E qual a grande diferença entre os aparelhos do século passado e os desse. Com relutância, a resposta se deixa admitir: o filme.

A fotografia com filme é meio suja, mais incerta, menos corrigível… Talvez sejam esses elementos que criam toda a atmosfera que se vê nas imagens antigas. Há certa crueza nas fotos, grãos aparentes, cores irreais (mas sedutoras). Fotografias analógicas têm textura, enquanto as digitais são lisas.

Uma vez que o programa está embutido no aparelho, podemos apenas escolher entre as possibilidades que nos são oferecidas. Entretanto, o rumo adotado pela indústria, independentemente de marca ou modelo de câmera, é apenas um: o da antissepsia. Antisséptico “se refere se refere a tudo o que for utilizado no sentido de degradar ou inibir a proliferação de micro-organismos” (Wikipedia). Na fotografia, esses micro-organismos são os grãos, a textura. A fotografia digital tem horror a isso. O objetivo dos engenheiros é projetar câmeras que gerem imagens cada vez mais limpas, lisas, livres de quaisquer irregularidades. Objetiva-se imagens cada vez mais nítidas e livres de imperfeições. O vilão da fotografia digital, o ruído, característico do ISO alto, é desagradável, já que é uma interferência na imagem, enquanto o grão do filme, mesmo que aparente, é o constituinte da imagem formada pela câmera.

A indústria, então, propões uma direção única para os equipamentos fotográficos. Relaciona-se qualidade com uma pretensa reprodução “fiel” da realidade, sem interferências, criando uma ilusão cada vez mais perfeita, em que se oculta cada vez mais sua criação dentro da caixa-preta que é o equipamento. Uma tendência que segue muito bem o paradigma da fotografia publicitária, em que a antissepsia é fundamental. Mas, espere um pouco, as pessoas não querem fazer propaganda com suas câmeras e fotografias. Ou querem?

As 20 questões irrespondíveis sobre fotografia

Fotografia é arte?

O que torna uma foto boa?

A fotografia representa a realidade?

Fotografia de uma obra de arte é arte?

A fotografia diz a verdade?

Existe uma maneira correta de se fotografar?

Uma fotografia vale mais do que mil palavras?

Fotos devem ser nítidas?

A fotografia atesta a existência de um evento?

Fotografias podem ser melhoradas? Continue lendo “As 20 questões irrespondíveis sobre fotografia”

Perplexidade

É da nossa natureza buscar respostas. Quando fazemos perguntas, queremos soluções, definições, regras. Qual a melhor câmera? Como fazer esse tipo de foto? Que tipo de fotógrafo eu sou? Do que gosto mais? Qual o jeito certo de tratar uma imagem? Quando encontramos respostas para as nossas perguntas, anotamo-nas com satisfação no nosso livro mental de regras e dogmas e seguimos em frente, consultando-as sempre que necessário e raramente as alterando.

Ter o nosso livro de regras conforta. Sentimos que as coisas são estáveis, estabelecidas e seguras. Sabemos o que queremos, para onde vamos e o que nos agrada. É claro que ter clareza sobre o que fazemos pode ser muito útil, especialmente quando trabalhamos com fotografia e precisamos ser eficientes no cumprimento das demandas do dia a dia. Ainda assim, não podemos deixar de considerar o outro lado da nossa busca por respostas definitivas.

A desvantagem mais óbvia de estabelecer uma forma rígida de ver e fazer a fotografia é que isso mina a criatividade. Criar envolve, necessariamente, a experimentação, a tentativa e o erro, a utilização de métodos alternativos. Quando pensamos invariavelmente que “retratos devem ter fundo desfocado”, “paisagens devem ser nítidas”, “cores devem ser reais”, restringimos enormemente as possibilidades que a fotografia oferece. Considerando, ainda, que com o digital a experimentação não custa nada, não tentar o diferente praticamente não faz sentido. Temos dificuldade em experimentar porque se abalarmos nossas regras, abalaremos nossa concepção de mundo, o que nos gera desconforto. Nossa tendência é permanecer naquilo que acreditamos ser seguro.

A partir disso, podemos ir um pouco mais fundo e questionar a nossa própria maneira de questionar. Por que precisamos necessariamente de respostas? Por que buscamos sempre a afirmativa? Talvez a alternativa mais relevante para mudar e nos permitir ser mais criativos seja justamente conseguirmos ficar mais confortáveis com a incerteza. Até porque, se pensarmos bem, apenas criamos ilusões de certeza e estabilidade. As coisas mudam o tempo todo e o controle que exercemos é ínfimo, quando não é nulo.


Konstantin Merenkov

Então, podemos experimentar nos contentar com as questões, sem perseguir e nos prender em respostas definitivas.

– Qual a melhor maneira de fazer tal foto?
– Existem infinitas maneiras e nenhuma é melhor.

– Qual a melhor câmera?
– Qualquer câmera é boa.

– De que tipo de fotografia eu gosto?
– Hoje é uma, amanhã será outra.

– O que torna uma foto boa?
– Não há boas fotos. Nem fotos ruins.

Acredito que a fotografia depende do espanto com o mundo, com a perplexidade. Nosso olhar para as coisas é uma grande pergunta. A resposta que acreditamos encontrar é, na verdade, uma limitação. Fotografar é uma forma de lidarmos com essa questão, com essa perplexidade, com o encanto que as coisas nos provocam. Não precisamos definir nada. Podemos apenas contemplar e transformar nossas perguntas em imagens, abrindo mão das palavras.

Fotografia: o que é importante?

Como acontece com a maior parte dos assuntos, discute-se muito sobre aspectos da fotografia que não são importantes. Foca-se em questões que influenciam muito pouco os resultados e o significado da fotografia para cada pessoa que a tem como paixão ou modo de vida. A partir dos tópicos criados em uma comunidade de discussão de fotografia, elaborei uma pequenas lista de coisas “desimportantes” para nos ajudar a pensar o que fazemos com o pouco tempo que nos é dado e que usamos nessa atividade que para nós é tão especial, seguida por uma lista do que é, para mim, o mais relevante.

O que não importa:

1. Se você usa digital ou filme

2. Quantos megapixels tem sua câmera

3. A camera que você não tem Continue lendo “Fotografia: o que é importante?”

Menos é mais

Num mundo em que há tantas imagens sendo produzidas a cada instante, pode-se perguntar: o que fazer para se destacar? A resposta a essa pergunta dependerá da sua área de atuação. Caso você seja um profissional, é preciso encarar a fotografia como um produto e aplicar a lógica do marketing a essa atividade. Caso sua aspiração seja ser um artista, o que contará é sua rede de contatos e a sua persistência para emplacar seus trabalhos. Se você for um amador, você não precisa se preocupar com isso.

O que há de comum entre as três possibilidades? Nos dias atuais, a qualidade da fotografia produzida é um mero detalhe dentro de outros fatores que são determinantes do sucesso profissional e artístico. No mercado de serviços fotográficos, a forma de promover o seu trabalho provavelmente terá mais impacto do que boas fotos, já que com equipamentos cada vez mais avançados e recursos automáticos mais eficientes, a variação de qualidade técnica acaba sendo mínima. No mercado artístico, há tempos em que as características das obras em si já não importam muito, dando lugar a pontos como o quanto você aparece e quem você conhece. Não que ser um bom fotógrafo seja totalmente irrelevante: ajuda, mas não é o essencial.

Quando se é um amador, não adianta tentar lutar contra a avalanche de imagens sendo produzidas e publicadas a cada segundo. Mesmo que se consiga algum destaque, ele durará menos de quinze minutos – talvez quinze segundos – de modo que talvez seja mais útil pensar a fotografia como tendo uma função extremamente pessoal. Como já comentei antes, buscar esse tipo de reconhecimento pode ser extremamente nocivo para seu trabalho fotográfico, pois a tendência é transformá-lo naquilo que os outros querem ver. E, no fim, você nunca estará satisfeito.

Se você conseguir abrir mão da necessidade por esse tipo de aprovação, pode fazer algumas coisas para tornar sua fotografia mais significativa, ainda que apenas para você. Uma delas é reduzir. Se as pessoas produzem milhões de fotos por segundo, cada uma delas vale pouquíssimo em termos de significado e mesmo como produto de um processo artístico ou de comunicação. Se você produzir menos, suas fotos valerão mais – não em termos de valor econômico, mas de valor em termos de significado. Reduzir, então, quer dizer diminuir o número de fotos, de câmeras, lentes, acessórios, impressões e publicações das imagens na web. Algumas coisas que podem ser feitas dentro dessa proposta:

1. Tirar menos fotos. Se você conseguir controlar o seu dedo e planejar mais antes de cada clique (talvez imaginar que você está fotografando com filme ajude), não só você terá chance de estudar o melhor ângulo, o melhor momento, a melhor luz, mas também terá mais chance de viver a situação sem colocar a câmera entre você e o mundo a cada instante. Um bom fotógrafo conhece aquilo que fotografa, e isso toma tempo.

2. Restringir o equipamento. Esqueça tripés, flashes, filtros ou qualquer outro acessório. Uma câmera, uma lente e um cartão de memória (ou um rolo de filme) são suficientes para fotografar. Carregar muitas lentes e acessórios fazem com que você se preocupe mais com eles do que com o que será fotografado. O resultado geralmente são fotos tecnicamente corretas mas sem graça, em que fica evidente a distância entre o fotógrafo e o assunto. Não foque seu pensamento naquilo que você poderia fazer se estivesse com a lente X, e sim como o que está sendo fotografado é interessante e de que maneira você vai querer transpor esse assunto em uma fotografia.

3. Tratar cada foto individualmente. Resista à tentação de usar uma action ou um preset nos programas de edição de imagem e aplicá-los a todas as fotos. Em vez disso, selecione as fotos que mais agradaram e realize o pós-processamento uma por uma. Ao gastar tempo com cada uma delas, em vez de inseri-las numa linha de produção automatizada, você estará aumentando o seu valor. Além disso, terá muito mais flexibilidade e poderá dar a cada foto o que ela precisa em termos de tratamento.

4. Publicar menos. Mesmo que você tenha feito uma foto fantástica, que o faça ter vontade de mostrar imediatamente para todo mundo, considere as alternativas. Ainda que sua foto atraia uma série de elogios e comentários, em 30 segundos outra imagem fantástica aparecerá, fazendo com que todo mundo esqueça a sua. Isso poderá diminuir o valor da sua fotografia, ou pior, fará com que você também a esqueça, ao impulsioná-lo(a) a fazer uma nova foto fantástica que renderá mais 30 segundos de fama. Ou seja, ao invés de contribuir com a torrente de imagens, você pode considerar suas fotos como pequenos tesouros que você mostra apenas para poucas pessoas que saberão apreciá-lo.

Se você gosta de fotografia, provavelmente passará o mesmo tempo no processo fotográfico, mesmo que faça o que foi sugerido na lista acima. Desta forma, em vez de gastar poucos segundos com cada imagem, passará a concentrar-se nela por um grande período de tempo, desde o planejamento até a publicação. Isso não apenas resultará em fotos mais trabalhadas, mas também fará com que cada uma assuma um significado maior. Suas fotos se tornarão mais relevantes, mesmo que seja só para você.

Reduzir a quantidade não fará com que as pessoas prestem mais atenção em você – esqueça isso – mas com que você consiga valorizar mais cada foto e selecionar melhor os assuntos que valem um clique, o arquivo que vale um pós-processamento, a foto que vale uma publicação ou a imagem que vale uma impressão. No fim, pelo menos você poderá ter uma seleção do seu melhor, resgatando a qualidade da fotografia, especialmente no que se refere ao significado, que está tão em baixa nos dias de hoje.

Fotos de futurowoman

A fotografia como tarefa

Já havia comentado, no texto sobre fotografia e entretenimento, como a fotografia poderia ser vista como uma atividade produtiva, que aplacaria a necessidade de estarmos sempre fazendo alguma coisa, mesmo nas horas livres. Esses dias, relendo o Sobre Fotografia, da Susan Sontag, encontrei uma passagem em que ela fala sobre o mesmo assunto, em meio a uma análise mais complexa sobre o ato fotográfico feito por amadores.

“Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranquilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.” (p.20)

Esse trecho aponta que ficamos tão marcados ao modo de vida do trabalho que temos dificuldade em viver de outra forma, mesmo fora do expediente. A fotografia, para o amador, mais do que um prazer, pode ser uma tarefa. Como tarefa, tem normas a serem seguidas, rotinas de execução, precisam ter começo, meio e fim. No entanto, quando se está trabalhando, esses aspectos são naturais pois a tarefa deve ser cumprida de uma determinada forma, a fim de que seu objetivo seja atingido. Só que não há objetivos na fotografia amadora. Sendo assim, não faz sentido atribuir a ela aspectos de tarefa a ser cumprida.


Andre Guerette

A consequência imediata dessa visão é que a fotografia amadora acaba sendo encarada de forma desnecessariamente séria, já que está impregnada de “deveres”. A fotografia tem que ser nítida, tem que ser feita no momento certo, tem que ser bem composta, tem que ter uma mensagem, tem que ser fantástica. Assim como no trabalho temos uma série de metas a serem alcançadas, atribuímos à fotografia uma série de qualidades que devem ser atingidas. Do contrário, a fotografia não é boa. A questão é que uma atividade feita por lazer ou amor não tem que ter metas, não tem que passar por nenhum tipo de controle de qualidade. A fotografia pode ser simplesmente um testemunho da relação que temos com aquilo que nos cerca. A qualidade desse testemunho não tem a ver com uma série de critérios técnicos, e sim ao significado que o autor atribui à imagem.

A foto não é uma peça resultante de uma linha de produção, que precisa ser feita sempre da mesma maneira e obedecer a uma série de normas no processo e no resultado: ela é maleável e pode ser produzida como se bem entende. Ainda bem. Pois, ao entender isso, podemos nos ater ao que realmente importa ao fotografar, que é mostrar o nosso mundo, e talvez ainda ter um pouco de diversão no processo. Você pode fazer da sua fotografia aquilo que desejar. Não há nenhum chefe que vai vir conferir se ela foi bem feita. Submeter suas fotografias a um crivo externo – especialmente de pessoas desconhecidas – é pedir pra encontrar vários chefes e transformar sua fotografia em trabalho. Isso não combina com os possíveis papéis da fotografia amadora: ser um lazer ou uma forma de expressão pessoal.

A fotografia amadora não tem que ser nada. Ela pode ser qualquer coisa. Mas você tem autonomia total para decidir isso, sem se basear em nenhum tipo de norma. Sobretudo, ela não tem que ser uma tarefa. Você provavelmente já trabalha o suficiente e não precisa transformar seu lazer, sua criatividade ou sua arte em trabalho. Aprenda a relaxar.

Referência:
Sontag, S. (1977). Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.

Fotografia: processo e resultado

Fazer uma fotografia é um processo que se inicia com a concepção, por parte do autor, de um tema de interesse ou uma ideia visual – se fôssemos ser mais estritos, poderíamos dizer que o processo começa muito antes, mas para simplificar, vamos assumir esse ponto como o momento de partida. O processo se desenvolve através do contato do fotógrafo com o tema ou a situação que será o objeto da fotografia, a escolha de aspectos compositivos, os ajustes do equipamento, o clique da máquina, a edição da fotografia via software ou laboratório, a produção da cópia (impressa ou na tela) e a publicação, que a coloca em contato com os observadores.

Quando vemos uma fotografia, só vemos o resultado. Podemos inferir algumas etapas do processo, como a lente utilizada, a hora em que a foto foi feita ou o quanto o fotógrafo esteve próximo ou distante do assunto. Mas, como o que é de fato visto é o resultado, o ponto no qual convergem todas as escolhas das etapas anteriores, é a partir dele que a foto será julgada. Não importa se o fotógrafo ficou horas esperando uma determinada luz, se na hora do clique o assunto de mexeu: se a foto não corresponde às expectativas do observador, o processo não serve como desculpa.

Quando se é um fotógrafo profissional, não há como escapar: seu trabalho será julgado por esse resultado, que deve agradar ao cliente. Os aspectos do processo são irrelevantes, basta que eles levem à produção daquilo que é esperado. Não é à toa que muitos se preocupam com a confiabilidade dos equipamentos e dos locais, já que o cliente não quer saber se o cartão deu problema ou se a luz não era boa: o resultado precisa ser produzido não importa o que aconteça.


Bárbara, por Arthur Miranda

No entanto, quando se é um fotógrafo amador, o foco não precisa, necessariamente, estar no resultado. Muitas vezes as pessoas fotografam por causa do processo: pelo prazer de se envolver com um determinado assunto, por buscar uma boa luz, por tratar as imagens e até pela mera manipulação do equipamento. O amador pode escolher se vai se dedicar ou não ao resultado que cumpre as expectativas do observador ou se a fotografia tem sua “utilidade” no processo em si.

Ao entender a fotografia dessa forma, compreende-se porque muitas pessoas ainda usam filme, câmeras manuais ou revelam suas próprias fotos em casa. Pode haver uma diferença no resultado, mas ela não é tão grande a ponto de justificar o esforço que se tem quando compara-se com o sistema digital. O cerne da questão é que o processo é muito mais importante. Muitos fotógrafos consagrados gostavam de se trancar no laboratório por horas. O processo, nesses casos, se tornou mais importante do que o resultado. E aí está a diversão de ser um fotógrafo amador. Não há expectativas a cumprir, não há certo ou errado: pode-se fazer tudo do jeito que bem entender.

Fazer fotografias pode ser muito mais do que produzir imagens. Pode ser uma forma de relacionar-se com o mundo, de contemplar aquilo que está a nossa volta. Pode ser também uma espécie de retiro consigo mesmo, ao editar, tratar, imprimir as fotos no fim de um dia. Não é à toa que muitas pessoas veem a fotografia como uma forma de desconectar-se da rotina e do estresse. No entanto, para que seja possível aproveitar a fotografia enquanto processo, é preciso, ao menos até um certo ponto, abdicar dela enquanto resultado.

Não se preocupe em melhorar sua fotografia

Praticamente todas as pessoas que começam a fotografar mais seriamente querem melhorar as suas fotografias. É muito comum nas listas de discussões ver tópicos como “quero tirar fotos melhores”, “qual o melhor equipamento?”,  “qual a melhor técnica para essa situação?”. Parece que é uma qualidade quase inerente do ser humano que uma atividade precise ser feita da melhor maneira possível. Dificilmente questionamos isso. Parece ilógico fazer algo sem querer fazer o melhor. Mas será que há lógica por trás dessa premissa?

É claro que quando se é um profissional, fazer o seu melhor é uma questão de sobrevivência. Mas quando se é amador, isso não é necessário. Pode-se fotografar como se bem entende. Vejo que o desejo de fazer o melhor do amador está ligado à visão da fotografia como forma de expressão. Poder melhorar, nesse caso, significa dar vazão à intenção fotográfica sem obstáculos técnicos. Isso é compreensível, mas isso não é necessariamente fazer fotografias melhores, e sim fazer fotografias que correspondam à intenção do fotógrafo. Se eu sugerir a abolição dessa preocupação em fazer fotos melhores, posso ser tachado de preguiçoso e de não incentivar a ânsia natural do ser humano pelo desenvolvimento. Então, em vez disso, podemos olhar para algumas possíveis armadilhas em que a vontade de melhorar as fotos pode nos fazer cair.


Michael Donovan

1. Comprar equipamentos excessivos ou desnecessários. A primeira coisa que você vai ouvir quando disser que quer melhorar suas fotos é que você precisa de uma câmera melhor. Não importa qual é a sua câmera, ela nunca será a ideal. E aí a tendência é trocar de equipamento na esperança de que o aprimoramento venha automaticamente junto com a nova máquina – ou a nova lente, o novo tripé. No entanto, a menos que você vá fazer um tipo muito específico de fotos, faz muito mais diferença saber usar o equipamento que você tem do que trocá-lo.

2. Virar um obcecado pela técnica. A segunda coisa que você vai ouvir é que para melhorar suas fotos você deve fazer um curso ou comprar um livro. Aumentar o seu nível de conhecimento parece – e é – uma sugestão lógica e benéfica. O grande problema é que 80% dos cursos e 90% dos livros vão focar em duas coisas básicas: transformar você em um aprendiz de engenheiro que sabe tudo sobre câmeras fotográficas e criar a impressão de que fotografar é simplesmente acertar a exposição. Você saberá tudo sobre máquinas, lentes, abertura, velocidade e ISO. Mas aprenderá pouco sobre a parte difícil da fotografia: a composição, os conceitos, como criar uma imagem significativa visual e textualmente.

3. Fazer uma fotografia padronizada. Quando se fala em fazer melhores fotografias, inevitavelmente se cai na questão do que é uma fotografia boa ou ruim. E aí, você corre o risco de cair numa série de padrões e clichês que são tidos como exemplos de boa fotografia para a maior parte das pessoas. Isso pode levar você a inibir sua criatividade, sua capacidade de experimentação e de expressar a sua visão através da fotografia – que era o motivo pelo qual você quis ser melhor, em primeiro lugar.


Marina Rocha

4. Tornar-se competitivo. A ânsia de querer ser melhor pode nos levar a atitudes mais competitivas, como buscar a validação através de concursos ou ser excessivamente crítico em relação aos outros. Num mundo em que há milhões de fotografias feitas a cada instante, ser competitivo é dar um tiro no pé. Ganhar um prêmio ou falar mal de uma foto não faz da nossa fotografia melhor. Ela continua sendo um testemunho pessoal, uma declaração de existência e de visão, um texto visual com a nossa caligrafia. Se formos olhar a fundo, talvez a tal boa fotografia simplesmente não exista. Há a fotografia, e pronto.

5. Depender demais da aprovação externa. Ok, você comprou uma câmera nova, fez um curso, aprendeu a fazer todo o tipo de clichê. Mas e aí, como saber se está indo bem ou não, se está na direção certa? Você precisará de alguma referência, que geralmente significa apreciação e aplauso dos outros. Sem perceber, você pode acabar fazendo fotografias em função dessa aprovação, e não daquilo que importa pra você. E aprovação é como uma droga: você sempre quer mais, ela nunca parece suficiente, o que pode levá-lo a uma descaracterização total da sua fotografia. Talvez seja necessário, para se preservar disso, aceitar que nem sempre será possível ter uma referência segura indicando o caminho certo. A incerteza faz parte do caminho solitário do fotógrafo – assim como o de qualquer artista.

Considerando esses aspectos, talvez seja útil, em vez de pensar em melhorar a sua fotografia, pensar no que você quer que ela seja. O que você quer dizer, mostrar, registrar, o que for. Ao entender melhor o significado da fotografia para você, haverá menos riscos de cair nessas armadilhas criadas pelo desejo genérico do melhor.