Fotografia e entretenimento

Uma crise financeira como que o mundo enfrentou desde 2008 afeta praticamente todo tipo de atividade econômica existente. No entanto, há alguns tipos de indústria que não são tão vulneráveis às crises. Uma delas é a do entretenimento. Na sociedade atual, as pessoas precisam entreter-se todo o tempo, especialmente em tempos difíceis. Não importa o que aconteça, sempre nos mantemos assistindo à TV, indo ao cinema, a bares, baladas, restaurantes, jogando videogames e ouvindo música. A cultura do entretenimento está cada vez mais forte e esse crescimento parece indissociado do modo de vida moderno.

Pode-se encarar esse fenômeno a partir de diversos pontos de vista.  No aspecto psicológico, é possível especular que o ritmo de trabalho, especialmente nos centros urbanos, é pouco natural, incompatível com a forma para a qual o nosso organismo foi desenhado evolutivamente. O entretenimento é uma válvula de escape para o estresse da rotina de trabalho, trânsito e contas para pagar. A função básica do lazer, nesse aspecto, é permitir o desligamento das atividades cotidianas, possibilitando um certo nível de recuperação para encarar novamente a rotina.


“Blue” Aldaman

Mas por que não podemos simplesmente descansar, no nosso tempo livre? Por que precisamos fazer alguma coisa? Experimente dizer que você vai tirar um mês de férias e não vai viajar. Que vai passar seu fim de semana dormindo, ou no máximo lendo um livro. Que você não vai sair porque prefere relaxar um pouco. Na maior parte das vezes você será mal visto. Na nossa sociedade, que valoriza de forma insana a produtividade, não fazer nada é proibido. Por isso, mesmo nas horas vagas, você precisa continuar em atividade. Precisamos sentir que estamos usando cada precioso segundo da nossa breve existência num fazer memorável. Parar, não fazer, descansar, é tudo perda de tempo, segundo o que é imposto.

E por que nos dizem que é tão ruim não fazer nada? Porque se não fazemos nada, não consumimos, e o nosso mundo gira pelo consumo. Quanto do seu salário você gasta com TV a cabo, cinema, restaurantes, revistas (pois hoje em dia notícia também é entretenimento), jogos, viagens etc.? Trabalhamos, em parte, para pagar o entretenimento que propicia o alívio do estresse causado pelo próprio trabalho. É um dos paradoxos da vida moderna.


Brian Long

Um dia, estava conversando com uma amiga sobre concursos públicos e conhecidos nossos que recebiam bons rendimentos, mas tinham empregos muito aquém das suas capacidades, o que levava a uma insatisfação que não era amenizada pelo alto salário. Comentei que achava difícil passar a semana fazendo algo de que não gosto. Ela replicou dizendo que eu teria mais dinheiro e os fins de semana para aproveitar a vida. Respondi falando que não via sentido em passar 5/7 da minha vida em função dos outros 2/7. Seria melhor ter menos dinheiro e me sentir bem todos os dias.

Mas e a fotografia, onde entra nisso? Não é difícil imaginar sua capacidade de entreter. Não vamos focar, no entanto, no seu papel de entreter quem a vê; olhemos, em vez disso, para aqueles que fotografam não profissionalmente. Para os amadores, a fotografia é o entretenimento perfeito. É muito comum ver relatos de que fotografar ajuda a relaxar e a desestressar. Ou seja, ela cumpre muito bem o papel psicológico do entretenimento. Além disso, é uma atividade, um hobby que pode ser visto como produtivo, útil, valorizado socialmente. Ao sair para fotografar no fim de semana, estamos fazendo alguma coisa, e isso é fundamental dentro dos modelos de como devemos agir. Por último, a fotografia estimula, e muito, o consumo: compram-se câmeras, lentes, acessórios, impressões, equipamento de informática, cursos, livros. Não poderia ser melhor.

Não é à toa que a fotografia é a vedete do admirável mundo novo. Ela assume tantas funções que se conformam perfeitamente com o sistema econômico e o modo de vida ao qual estamos submetidos que se torna até difícil dizer o que vem antes. O entretenimento é apenas mais uma delas.

8 comentários em “Fotografia e entretenimento”

  1. Quando eu era empregado, gostava de tirar pelo menos uns 15 dias de férias no inverno. Pelo menos aqui no sul, ficar um pouco mais na cama é bem agradável. De resto eu ia para a praia e sem câmera (nem tinha). Ver tv, dormir depois do almoço, uma cervejinha com os amigos e tantas outras coisas não produtivas. Pessoalmente não entendo o avanço tecnológico. Antigamente se dizia que ele deixaria mais tempo livre para o homem descançar e se relacionar. Hoje vejo gente que fica 99% do tempo com alguma porcaria eletrônica pois não estar conectado parece ser sinônimo de estar morto.

    Quanto ao hobby eu penso que, no momento em que temos o hobby como trabalho, ele deixa de ser hobby ou, pelo menos, perde um pouco do encanto. É bem provável que dentro de um hobby, existem tarefas que gostamos e outras não, fato pelo qual acho que ele perde um pouco do encanto. Mas mesmo assim é muito melhor do que fazer algo que não gostamos.

  2. “Um dia, estava conversando com uma amiga sobre concursos públicos e conhecidos nossos que recebiam bons rendimentos, mas tinham empregos muito aquém das suas capacidades, o que levava a uma insatisfação que não era amenizada pelo alto salário. Comentei que achava difícil passar a semana fazendo algo de que não gosto. Ela replicou dizendo que eu teria mais dinheiro e os fins de semana para aproveitar a vida. Respondi falando que não via sentido em passar 5/7 da minha vida em função dos outros 2/7. Seria melhor ter menos dinheiro e me sentir bem todos os dias.”

    Déjà vu… já tive essa conversa antes. Com mais de uma pessoa. Quase nas mesmas palavras.

    No mais, excelente texto, como sói acontecer.

    Guaracy, também já pensei sobre o hobby “perder o encanto”, mas prefiro fazer o caminho inverso. Escolher uma carreira onde o lado chato é o mais tolerável pra você. Assim, o lado prazeiroso compensa bastante!

  3. Rodrigo, acho é que desaprendemos a não fazer nada. Eu já me vi desesperada dentro de casa porque estaria ‘desperdiçando’ meu fim-de-semana trancada lá, mesmo não fazendo nem um ano que a compramos e decoramos do nosso jeito, pra ser um lugar agradável – onde mal paramos.

    Só agora que estou tentando me reencontrar, rever algumas coisas, é que redescobri o prazer de estar em casa, simplesmente por estar. Colocar uma cadeira na sacada, observar a paisagem, ler, enfim. Me dei conta disso ao observar que estava saindo para viajar, às vezes, sem a menor vontade, sem o menor ânimo, apenas para ‘fazer alguma coisa’. É claro que adoro viajar, e justamente por isso alguma coisa estava errada, muito errada…

  4. É muito fácil o hobby perder o encanto ao virar trabalho porque aquela atividade, que é prazerosa porque a fazemos quando queremos, apenas para nós, adquire outro caráter, com horários e obrigações. Por isso muita gente que vai da fotografia amadora para a profissional se arrepende.

    Lilian, acho que sua análise é muito boa. De fato, desaprendemos a não fazer nada. Hoje, mesmo as crianças estão ocupadas o tempo todo, por vezes têm mais compromissos em suas agendas do que os adultos. Será que isso é saudável?

  5. Sou do tipo que quando é sábado e amanhece chovendo acho fantástico porque não dá mesmo para fazer nada.

    Discordo um ponco de sua abordagem para o lazer contemporâneo, tomando-o como válvula de escape para as pressões do sistema produtivo devido ao fato de aparentemente lazer e produção serem opostos. Fico com a derivação da visão do Herbert Marcuse, expressada na A Ideologia da Sociedade Industrial: o lazer contemporâneo nada mais é do que a continuidade do sitema de produção, que toma tanto o tempo remunerado quando o chamado tempo livre, pois no chamado tempo livre o indivíduo é igualmente aliciado e posto a ser útil, consumindo sem parar produtos de lazer. O binômio produção-lazer mantém a roda girando, porque esse lazer é caro o suficiente para manter a pessoa dependente de certo grau de empenho na produção, grau esse bem superior a meramente atender suas reais necessidades.

    O Sistema de Lazer contemporâneo impõe essa ojeriza ao tempo livre, ou seja impõe uma ojeriza à real liberdade individual.

  6. Ivan,

    Obrigado pelo comentário. Não vejo minha posição como discrepante da que você citou, muito pelo contrário, a minha visão é justamente de que o indivíduo “é posto a ser útil”, especialmente através do consumo, como argumentei no texto. Quando falo da oposição entre tempo produtivo e tempo livre, refiro-me a concepção que existe no senso comum, inatento para essa questão de continuação das atividades. As pessoas acreditam que o tempo é livre, mas, como vemos, não é bem assim.

    Um abraço.

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