Automatismos e pós-processamento: por que não?

A questão do método na fotografia é sempre um assunto polêmico. Como cada pessoa que fotografa tem uma maneira de fazê-lo, sempre há discussões sobre qual seria a melhor maneira de operar a câmera, editar fotos, passá-las para o papel etc. Ainda assim, por ser uma atividade técnica, a fotografia acaba tendo alguns dogmas relativos à forma como fotógrafos competentes trabalham. Um dos principais deles refere-se a obter a exposição correta para suas fotos.

Na verdade, se você fizer um curso de fotografia ou ler um livro sobre técnica fotográfica, provavelmente uma das primeiras coisas que você aprenderá será como regular a entrada de luz na câmera de modo que a foto fique bem exposta, ou seja, nem escura nem clara demais. Algumas pessoas irão além e dirão que a regulagem manual do obturador e do diafragma é a única forma de fotografar “de verdade”, já que se fica no controle total da operação da máquina.

Não é raro ver que quem defende esse ponto de vista acaba confundindo saber fotografar com saber expor corretamente o filme ou o sensor à luz. É dito que se você consegue fotografar no modo M, você sabe fotografar. Reduz-se, então, toda uma atividade criativa a apenas um aspecto técnico. Embora eu já tenha valorizado essa idéia e me esforçado para aprender a fotografar no modo manual (e já até usei câmeras sem fotômetro, montei tabelas de exposição) sinto necessário fazer um contraponto valorizando outros aspectos fundamentais para a boa fotografia: a escolha do assunto, a abordagem, o conceito, a composição. Nenhum desses fatores está relacionado à operação do equipamento fotográfico, mas são freqüentemente negligenciados em favor de aspectos técnicos muito menos importantes.

Portanto, a minha proposta neste texto é a seguinte: por que não deixar a câmera cuidar dos aspectos técnicos, para que possamos nos concentrar em outros problemas mais relevantes? Para exemplificar esse ponto de vista, usarei justamente o tema da exposição. Pois bem, a exposição correta é aquela que leva a uma imagem equilibrada, com o máximo de texturas em todos os tons e o mínimo de perdas com áreas escuras demais ou estouros. Atualmente, na maior parte das câmeras digitais médias ou avançadas, temos também o recurso do RAW, um formato de arquivo que permite mais flexibilidade de processamento em um editor de imagens.

Sempre que fotografo, procuro produzir um arquivo com o máximo de informações possíveis, para que eu tenha um bom leque de possibilidades ao editar a foto. Portanto, quero uma imagem bem exposta, com o máximo de texturas e detalhes. Sempre fotografei no modo manual analisando a luz da cena e procurando esse equilíbrio. Acontece que em um determinado momento percebi que aquilo que eu procurava com modo M e medição spot era justamente o mesmo que eu obteria se colocasse a câmera no modo automático (P, Av ou Tv) utilizando a medição total (ou matricial, matrix). Com a diferença — favorecendo a câmera — de que a máquina no automático erra muito menos do que eu. Com isso, pareceu-me sem sentido preocupar-me com um aspecto técnico do qual a câmera poderia se encarregar sozinha enquanto eu poderia focar em questões formais, estéticas e de conteúdo muito mais importantes para a minha fotografia.

Além disso, com o arquivo RAW, existe uma grande flexibilidade de ajustes que podem ser feitos depois que a foto foi feita, inclusive a exposição. Percebi então que posso decidir sobre a exposição no momento em que mexo na foto, e não na hora em que estou com a câmera, o que coloca esse quesito técnico no seu devido lugar, dentro da minha hierarquia.

Vejamos a foto abaixo, feita no Pavilhão da Bienal: uma foto relativamente equilibrada, com o mínimo de perdas em sombras e luzes. É a foto que vem do modo automático da câmera.

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Suponhamos, agora, que eu queira uma foto subexposta para conseguir um ar mais sombrio e maior variação nas áreas claras. Tenho duas opções: subexpor no momento em que faço a foto ou pegar o meu arquivo RAW equilibrado e convertê-lo tirando um ponto e meio de exposição. O resultado da segunda opção:

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Se, por outro lado, quero uma foto superexposta para obter uma luz mais impactante e detalhes nas sombras, tenho novamente duas opções: fotografar corrigindo a exposição ou pegar o mesmo RAW equilibrado e convertê-lo adicionando um ponto e meio de luminosidade. O resultado através de uma conversão diferente do RAW:

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Ou seja, a partir de um arquivo exposto de forma automática temos várias opções de luminosidade no pós-processamento. Agora, quando optamos por subexpor ou sobreexpor no momento em que fazemos a foto, há uma limitação nas possibilidades do pós-processamento que não ocorre quando fazemos a foto no modo automático.

Diversos argumentos podem ser colocados contra esse procedimento: o bom fotógrafo sabe o que quer no momento da captura, o bom fotógrafo consegue a foto perfeita direto na câmera, edição de fotos dá trabalho e consome tempo etc. Qualquer um desses argumentos pode fazer sentido dependendo da forma como você enxerga a fotografia. No entanto, pra mim, nenhum deles é suficiente.

A minha conclusão é a de que, se é possível fotografar de um modo em que eu tenha que pensar menos em aspectos técnicos como o controle da exposição e mais em questões não-relativas à operação da câmera, ótimo. E se, ao mesmo tempo, o arquivo resultante dessa prática me dá mais opções criativas no pós-processamento, não consigo ver um bom motivo para não proceder dessa maneira.

No entanto, como coloquei no começo, o método fotográfico é sempre polêmico, pois cada um tem seus dogmas. E geralmente não é útil tentar impor a sua maneira de fotografar aos outros, mas pode ser útil tentar entender porque o nosso fazer fotográfico segue por um caminho e não pelo outro, até mesmo para verificar se os nossos dogmas nos ajudam ou atrapalham a chegar aonde queremos.

9 comentários em “Automatismos e pós-processamento: por que não?”

  1. concordo com essa opinião! fotografo quase sempre no modo automático, justamente para poder me concentrar nas decisões criativas da foto. só utilizo o M (ou o Av e Tv) quando desejo usar uma determinada abertura (profundidade de campo) ou velocidade (efeitos borrados ou congelados): no mais é como vc disse, a máquina pensa a técnica – a gente pensa o olho!

  2. Interessante, mesmo.
    Depois que comecei a me envolver com lomografia, fiquei muito exposto a pontos de vista restritos. Apesar de eu não gostar, particularmente, de imagens quase que inteiramente criadas por Photoshop, acho que sim, o pós-processamento pode ser um aliado incrível, principalmente para salvar uma boa foto que poderia estar perdida por algum erro do fotógrafo.
    O problema que vejo, entretanto, é que, cada vez mais, a fotografia está sendo substituída pela edição, e as empresas hoje em dia não procuram mais bons fotógrafos. Qualquer um pode ajustar a câmera no modo A e apertar o botãozinho. O que eles querem, hoje, é um bom manipulador de imagens.

  3. Muito bom, Rodrigo, que bom que você chegou a esta conclusão.

    Acho que cada um tem seu método e ele vai sendo aprimorado conforme o tempo e intimidade com a câmera e com o processo. O meu envolve também fotografia automática, RAW e também algumas decisões técnicas feitas na hora (por exemplo, vendo um fundo muito claro e querendo fotografar um primeiro plano mais escuro já compenso a leitura da câmera, e quando há muita diferença de luz no quadro sempre foco e mantenho a exposição no local que quero bem exposto). O modo manual está fora do meu processo porque eu errava muito com ele ao esquecer de reajustar os valores cada vez que a situação de luz mudava.

  4. Olá Rodrigo,
    Parabéns pelo excelente artigo, quebrar tabus é uma das tarefas mais difíceis que o Homem tem a realizar. Creio, contudo, que para o aprendizado fotografar em P, Av ou Tv é muito bom, ou seja, se o aprendiz começar a comparar como a máquina realizou a foto por ele tirada e sempre tê-las em mente, estas informações automatizadas pela câmera lhes servirão para um estágio mais avançado, qual seja o de aprender a fotografar no modo M.

    Esta prática que eu estou desenvolvendo, cheguei esta conclusão por mim mesmo, pois comecei a gostar mais das fotos da minha Sony W50 do que que minha DSLR Canon 400D, pois creio que comparando as fotos, o aprendiz acaba entendendo muito mais o método da arte de fotografar.

    Abraços

    Ricardo

  5. Obrigado a todos que comentaram. O que é possível perceber, e essa é uma das questões do artigo, é que o método é algo extremamente pessoal. Portanto, afirmações como: “é melhor fotografar no modo M” não podem ser universalizadas. Eu tenho usado o automático pois ele me dá justamente o que eu busco quando fotografo de forma manual. O importante é que a fotografia final não vai ser melhor ou pior por conta do método empregado. O método diz respeito ao autor; a quem vê a foto, diz respeito o resultado.

  6. Rodrigo, mto bom seu artigo. Fotografando só no modo manual, algumas vezes perco boas fotos por cometer erros no ajute de exposição. Seu artigo mexeu com minhas “estruturas fotográficas”. Vou me permitir “ousar” fotografar usando as configurações da própria câmera. Considero o fotógrafo um artista e como tal, deve vivenciar/experimentar todas as possibilidades em prol de sua arte.
    Abraços

  7. Oi, Rose

    Obrigado pelo comentário. Falo um pouco sobre isso novamente no artigo que publiquei hoje, sobre as escolhas que baseiam a criação na fotografia. A operação da câmera é apenas um aspecto do processo fotográfico, e provavelmente é um dos menos importantes. Portanto, vale a pena se preocupar menos com ela se isso significa desenvolver mais os outros fatores, especialmente se você encara sua produção como arte.

    Um abraço.

  8. todo mundo que reclama de um ajuste na fotografia esquece que antes cada filme possui uma curva de cores e contrastes propria, e que o digital é flat nesse sentido. Também esquecem de quem mandava revelar puxando ponto, mandava fazer dodge e burn na revelação….

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