Em outro texto, relacionei os princípios da análise do comportamento (pautada no behaviorismo) à fotografia, entendendo esta como um comportamento verbal. No entanto, é possível entender, da mesma maneira, o ato fotográfico em si, especialmente na relação entre o fotógrafo, que é o organismo que se comporta, com o seu ambiente.
Quando nos perguntam: “por que você fotografa?” ou “para quê você fotografa?”, é preciso, para dar uma resposta mais completa, evitar dizer: “porque gosto” ou “porque me faz bem”. É claro que essas razões alegadas fazem parte da experiência, mas dar-lhes valor causal para todo o processo é ignorar partes importantes dos motivos reais. Para que entendamos o ato fotográfico de forma completa, precisamos considerá-lo um conjunto definido de comportamentos e relacioná-lo ao ambiente buscando seus antecedentes e conseqüentes. Os antecedentes de um comportamento são os estímulos que o precedem e permitem que ele surja. Nós não saímos de pijama para trabalhar nem atendemos o celular quando estamos no cinema, pois o tempo todo estamos lendo o ambiente, que nos sinaliza quais comportamentos são mais adequados para cada situação. O comportamento adequado pode ser entendido como aquele que produz conseqüências benéficas para o indivíduo, seja por levar a uma situação agradável ou por evitar uma situação ruim. É importante entender, então, que um comportamento é determinado principalmente pelo que se segue a ele.
As perguntas deveriam ser, então, mais ou menos assim: “o que leva você a fotografar?” e “para que você fotografa?”. Se gostamos de fazer isso, é porque ele produziu conseqüências positivas no passado. Pode ter sido o elogio de amigos, um prêmio em um concurso, o pagamento de um cliente ou simplesmente a satisfação em olhar uma fotografia bem feita, talvez pendurada em um quadro na parede. O interessante, então, é que o ato fotográfico pode ser auto-suficiente, uma vez que olhar para uma boa fotografia produzida por si próprio já pode bastar para manter o comportamento ocorrendo.
No entanto, é comum que o que de fato mantenha o comportamento de fotografar dependa da interação com outras pessoas. Ganhar um concurso ou ser elogiado é algo que depende da avaliação de outras pessoas. Há, então, uma etapa intermediária para que o fotógrafo possa obter a sua conseqüência positiva, ou o seu reforço. O que ocorre quando a própria satisfação já não basta para manter o comportamento? O ato passa a ser moldado (o termo correto aqui é selecionado) pela aprovação alheia. E aí, importa o que é reforçador para outrem. Com isso, o fotógrafo pode passar a fotografar para os outros, e não mais para si mesmo, pois os elogios, um troféu ou o dinheiro de um cliente assumem um papel mais reforçador do que o proporcionado pelo prazer do ato fotográfico ou a contemplação de seu resultado.
É possível, ainda, que tracemos diversas cadeias comportamentais para obter a última conseqüência reforçadora, em que buscamos reforços intermediários. Se num sábado de manhã vamos a um parque para fotografar, a conseqüência reforçadora do comportamento de sair de casa é estar em um lugar em que boas fotos podem ser feitas. Ou seja, nos comportamentos a fim de criar a contingência em que o ato fotográfico é possível. Depois, realizamos uma série de outras ações, como nos posicionar, regular a câmera, enquadrar, esperar o momento certo, até que as condições para a “foto perfeita” estejam montadas. Faz-se a foto. Hoje, temos a conseqüência na hora, ao olhá-la no visor da máquina: se for boa, todo o comportamento é reforçado. Ainda podemos adicionar mais elementos a essa cadeia, como o tratamento posterior e a submissão da imagem para uma galeria online, um cliente ou um concurso, a fim de gerar mais conseqüências reforçadoras. O ato fotográfico, então, é um encadeamento de eventos que vão direcionando o comportamento, entremeado de estímulos antecedentes e conseqüentes a cada ação.
O fundamental é perceber, no entanto, como esse modelo é altamente flexível. No fim das contas, o que é reforçador na fotografia depende exclusivamente da história de vida de cada um, sendo, portanto, um assunto extremamente pessoal. Não é possível traçar um modelo generalista. É preciso olhar para cada experiência individual a fim de tentar determinar onde estão os nossos motivos. Para um pode estar no simples fato de regular a câmera, para outro pode estar em ver sua foto ampliada na parede de uma galeria. É por isso que a fotografia, como qualquer outra atividade humana, é extremamente plástica, se adequando ao que é importante para cada um. Pode-se dizer que cada “estilo” fotográfico é único, pois ninguém tem a mesma história de outra pessoa. Cada um de nós é um ser constituído constantemente ao longo de anos, dia após dia, e esse processo interfere na forma como fazemos qualquer coisa. A fotografia, sendo uma atividade criativa, expressa de maneira ainda mais autêntica aquilo que somos.
Da s?rie?Por que fotografar ?, do PICTURAPixel
“Por que voc? fotografa?” ? uma ?tima pergunta. Tanto que vejo mais valor nela do que nas poss?veis respostas que cada um possa buscar dentro de sua experi?ncia ?ntima e/ou compartilh?vel. Digo isso pois nas raras vezes que ouvi algu?m perguntando-a foi com segundas inten??es: a quest?o era de fato “por que raios voc? tem sempre que fotografar isso?”, ou “fotografar assim pra qu??”, tanto no sentido negativo “se voc? gosta mesmo ent?o aprenda e fa?a direito!” ou como pura ret?rica, demonstrando assombro e refor?ando mistifica??o sobre um trabalho de “inquestion?vel” qualidade. Essa ?ltima atitude presenciei recentemente durante a entrevista de um profissional com 4 d?cadas de fotografia em que a pergunta do entrevistador-f? (soube depois que ele havia editado um livro seu) era nesse sentido; no momento achei bastante pertinente a quest?o e fiquei at? ansioso, a pergunta foi exemplificada pelos elementos constantes (certos bichos, ambientes e sombras) no trabalho autoral e parecia provocativa e pedia um discurso articulado, disciplinado e consciente, mas infelizmente a pergunta s? tinha o prop?sito de real?ar a genialidade exuberante do entrevistado, pois nem houve tempo para a resposta (sem falar que o fot?grafo mal tentou esbo?ar id?ias que fizessem sentido). Restou dizer que n?o sabia fazer outra coisa ?nem de outro jeito.
Eu fotografo por que preciso de arte, ? uma compuls?o sem combust?vel pra propuls?o e nem ? auto-retro-alimentada, ? necessidade est?tica como alimento que sublima a sub-exist?ncia (esse ? um entendimento exterior do mecanismo), preciso descobrir, alumbrar a Fotografia que pra mim n?o est? nem na ferramenta nem no sujeito. Mas n?o tem objetivo pr?tico, evolutivo, progressista, especulativo, fa?o isso apenas com o trabalho dos outros quando sou inquirido, e nem de longe o ato ? moldado pelo entorno, suas car?ncias ou sobras, fotografo o que se descolou do sistema de objetos, s? descubro essas cenas quando tamb?m me descolo acidentalmente, ? coisa minha mas n?o ? pra mim nem pra ningu?m, a fotografia me faz ainda mais faminto, n?o me supre, nunca me satisfaz; n?o preciso de aceite, refor?o, recompensa, e n?o aceito que tentem incluir-me no passatempo da troca mercantil, n?o jogo pois n?o tenho cacife nem blefo porque n?o domino o que produzo pra us?-lo como moeda. Sei que ? imposs?vel aceitar essa anti-postura diante de tantas imposi??es ambientais e sociais tanto impostas como negociadas, mas ? como tolero em plano paralelo o existir.