Quando alguém diz que está iniciando na fotografia e gostaria de saber como começar, sempre pergunta se deve comprar uma câmera analógica ou tenta juntar mais dinheiro para adquirir uma máquina digital. A resposta, geralmente, é que a digital proporcionará um aprendizado mais rápido. Por outro lado, a maior parte dos cursos de fotografia ainda empresta ou recomenda câmeras mecânicas como a Pentax K1000 para seus alunos.
Com uma câmera digital que tenha possibilidade de ajustar manualmente foco, abertura e tempo de exposição, ainda que não seja uma reflex, um iniciante poderá executar rapidamente os exercícios mais básicos da técnica fotográfica. Esses exercícios envolvem principalmente a determinação de uma exposição “correta” e alguns efeitos provocados pela variação desses fatores (como congelar ou borrar o movimento, aumentar ou diminuir o desfoque das áreas fora de foco etc.). É indiscutível que, ao fornecer o resultado imediato, o sistema digital permite a assimilação desses conceitos de forma muito rápida. Uma outra vantagem é que as fotos digitais contêm dados relativos aos ajustes realizados, possibilitando a conferência e associação com o resultado visto na foto. Se, para o mesmo fim, fosse utilizada uma câmera analógica, seria preciso anotar os dados a cada foto, terminar o filme, mandar revelar e só então ter o resultado. Quantas pessoas que você conhece se disporiam a fazer isso hoje?
Outro argumento em favor das digitais é que o filme envolve gastos, ao contrário da digital, que não teria custo por foto. Esse argumento, ao meu ver, tem um certo risco, pois a pessoa pode simplesmente desistir da fotografia, e terá um equipamento caro em mãos para passar pra frente (já desvalorizado). Uma analogia: quando uma criança quer aprender a andar de bicicleta, não compramos para ela um modelo de liga leve com 35 marchas e tudo o que tem direito. Compramos uma simples e, se ela aprender e realmente gostar, aí sim ela pode passar para algo melhor. Em fotografia isso seria: “compre uma Zenit por R$ 100, gaste mais uns R$ 100 em filmes e revelação e veja como se sente”. Se a pessoa gostar, ótimo, se não gostar, uma Zenit parada no armário não dói tanto assim.
Um outro ponto, este dos mais aficcionados por tecnologia, diz que não vale a pena aprender com um equipamento ultrapassado e que a tendência é que o filme deixe de existir em breve. As vendas de câmeras digitais aumentam, laboratórios fecham etc. O problema é que muitas vezes a forma de ver o mundo da classe média é de olhar para o próprio umbigo e generalizar, sem perceber a coisa como um todo. Um dia desses estava num ônibus e entrou uma senhora, com seus trinta ou quarenta anos. De uma sacola, ela tirou um carnê das Casas Bahia e uma caixa com uma câmera fotográfica. Analógica, compacta, que deve ter custado menos de R$ 90. Toda feliz, mostrava o equipamento para sua amiga. Essa senhora vai usar muitos filmes, e sabe-se lá quando vai ter uma câmera digital. Segundo o IBGE, mais de 80% dos domícilios brasileiros não têm computador, e 55% da população sequer usou um em toda a vida. Embora seja uma estatística triste, mostra que esse é o mercado potencial da fotografia analógica no Brasil. E pode-se imaginar que, por conta disso, as caixinhas amarelas e verdes continuarão penduradas ao lado das registradoras nos supermecados por um bom tempo. A tão falada revolução digital não chegou ainda para 4/5 dos brasileiros.
Estava pensando nessa questão toda e percebi mais um detalhe. Quando se entra em galerias online como o PBase e o Fickr, a qualidade das fotos — desconsiderando a questão da qualidade da imagem e pensando em conteúdo, composição etc — daqueles que fotografam com filme (ainda que também usem a digital) parece muito maior, em termos gerais. Sempre que queremos achamos exemplos do contrário, mas, generalizando, essa foi a minha impressão. Perguntei ao Ivan o que ele achava, e veio a resposta:
Provavelmente porque quem fotografa com filme hoje tem um nível médio superior ao de quem fotografa com digital, e mais ainda, é alguém capaz de seguir um caminho menos fácil, isso tudo revelando uma personalidade mais capaz de lidar com a fotografia para além da operatividade e dos modelões. Não é que o filme faça pensar melhor, isso ele não faz, aliás, é o contrário, a digital é que faz pensar melhor devido ao feedback. É que os que buscam o filme já pensam melhor –risos. Já são pessoas mais articuladas, etc. Por exemplo, imagine as pessoas que fazem Cianotipia. Elas já partem de um nível de exigência de resultado muito acima do cara do pôr-do-sol, então é claro que o nível médio da Cianotipia é ótimo.
Considerei a resposta do Ivan bastante coerente e assino embaixo. Contudo, a questão do aprendizado não foi consensual entre nós. O que acho é que uma câmera digital é realmente fantástica para o aprendizado técnico de como fazer uma fotografia. Mas o filme traz um refinamento na relação com a fotografia que acrescenta muito ao fotógrafo que “já sabe fotografar”. Alguns elementos contribuem para isso, como a espera, tensa, pela revelação. Sabe-se que o momento já foi e, até termos o filme processado em mãos, não sabemos se de fato conseguimos o que pretendíamos. Lidar com a foto como um objeto físico (em vez de vê-la no monitor) é outra forma de aprendizado, pois entendemos que não dá pra controlar tudo. E o mais importante para mim é a imaginação. Quando usamos filme, só podemos imaginar como a foto vai sair. A fotografia não é uma cópia da realidade, e todas as variáveis que interferem no resultado precisam ser imaginadas na hora do clique. Se temos um rolo de filme preto e branco, precisamos modificar aquilo que vemos através do prisma. Da mesma forma que com um cromo, realçando as cores do mundo. Todos os ajustes que fazemos na câmera precisam ser antevistos. Essa é uma das maravilhas da fotografia, e o refinamento que essa experiência traz dificilmente é atingida através de outros meios.
E, embora, sim, a digital seja fantástica para o aprendizado, invariavelmente os amantes de fotografia buscam também o filme, seja pela qualidade visual do resultado, seja por essa experiência quase mística de imaginação e espera.
Foto: the other Martin Taylor