Os dez maiores clichês fotográficos

Ironicamente, “cliché”, palavra francesa, também significa foto, ou clique. Nesse caso, são aqueles 10 tipos de foto que a grande maioria dos fotógrafos já fez e alguns, incansáveis, repetem e repetem.

10. Noturnas de longa exposição
Quem terá sido o primeiro a fotografar o desenho das luzes do carros pelas ruas? Se tivesse patenteado a idéia, seria o homem mais rico do mundo, hoje.

9. Splash
Não entendo essa onda de caçar baldes e potes das cores mas medonhas possíveis, encher de água e jogar alguma coisa dentro, para fotografar o espirro. Quando feita com flash, então, é uma obra-prima, especialmente se o recipiente for de plástico, bem reflexivo.

8. Nu
“Bom, agora que tenho uma câmera digital, posso tirar fotos da minha esposa (ou o que for) nua, já que antes não podia pois tinha vergonha de mandar revelar.” O problema é que a maior parte dos iniciantes faz isso sem entender de como conseguir uma boa luz e como conduzir uma sessão de fotos desse tipo. Corre-se o risco do resultado ser bastante parecido com as fotos de um site de acompanhantes.

7. Passarinho no fio
“Adoro fotografar pássaros, mas moro na cidade. Não tem jeito, o único lugar onde consigo fotografá-los é no fio do poste em frente de casa. Mas veja bem, existe uma poética toda nisso tudo, a natureza tentando florescer em meio à selva de pedra…”

6. Inseto
“Agora que comprei um kit de lentes close-up que me permite ver até os ácaros andando em cima da mesa, preciso usá-lo. Nada melhor do que procurar uma mosca por aí para mostrar todos os detalhes desse lindo espécime.”

5. Flor
Flores são ótimas para se fotografar. São coloridas, bonitas, e o melhor de tudo, não se mexem! Elas ficam lá quietinhas esperando chegarmos com a câmera. Calculo que, em média, cada flor do planeta já deve ter sido fotografada 45,6 vezes.

4. Bebê
Crianças em geral entram nessa categoria. Crianças correndo atrás de pombas, garotinhas amassando ursinhos e o maior de todos, o bebê rechonchudo cegado pelo flash que o pai orgulhoso dispara na cara dele. Todos fotografam seus filhos, nada de errado com isso. Mas é preciso diferenciar a foto de registro de uma foto com um conteúdo diferenciado, mais elaborado.

3. Pobre em PB
“Se o Sebastião Salgado pode, por que eu não posso? Pobre é que não falta por aí. Vamos capturar o sofrimento do homem, denunciar as condições precárias da vida dessas pessoas. De preferência um mendigo, de longe. Afinal de contas, eu que não vou chegar perto dele com minha câmera de R$ 3000, não é? Vai que é um bandido safado…”

2. Por-do-sol
Seja atrás das montanhas ou atrás da silhueta dos prédios, nada mais fotografável que o sol dando adeus a mais um dia. Se o por do sol é urbano, quanto mais poluída a cidade, melhor. Mais acentuado vai ser o tom avermelhado que a luz adquire, que fica fantástico na foto.

1. Auto-retrato no espelho
Está aí uma seara por qual os grandes e os pequenos se aventuram. Todo fotógrafo já apontou a câmera para o espelho para captar sua própria imagem. Existe até uma discussão muito séria sobre isso. A diferença entre os grandes e os não tão grandes assim é que os primeiros inserem esse tipo de foto dentro de sua própria lógica, no contexto de sua obra e sua linguagem. Já os outros… Bom, os outros, assim que compram uma câmera nova, fazem esse retrato no espelho sujo do armariozinho do banheiro, aparecendo o assento do vaso, a escova de dentes gasta e aquele azulejo lindo de 1940, tudo iluminado pela luz marrom típica do recinto. E é claro, a câmera ocupa mais espaço do que o próprio fotógrafo, que faz questão que a marca da mesma seja bem visível. Afinal de contas, meu equipamento me define enquanto fotógrafo.

Bom, agora deixando de lado o sarcasmo. Não tenho a intenção aqui de criticar quem faz esses tipos de fotos, até porque eu mesmo já devo ter feito quase todos dessa lista. O ponto aqui é mostrar que eles servem como exercícios válidos, mas que dificilmente serão um fim em si mesmos.

As noturnas e o splash são ótimos para se entender o tempo de exposição. As fotos de flores, dos animais e do por do sol são úteis para se treinar como compor uma foto e produzir resultados bons esteticamente. Fotografar pessoas é provavelmente uma das atividades mais relevantes e até prazerosas para um fotógrafo; é preciso começar por alguém. Ou seja, a lista toda é bastante relevante na formação do fotógrafo.

A questão, aqui, é reconhecer exercícios como exercícios e saber utilizar o conteúdo que se adquire com essa práticas para um propósito mais amplo, mais criativo, menos estereotipado. Pode-se ficar nesses primeiros passos ou utilizá-los para ir muito mais além.

Nada impede, também, que se faça uma série de fotos “clichés”, até como exploração de uma linguagem. Mas nesse caso é preciso que haja uma certa coerência, um certo sentido, alguma exploração, lembrando que linguagem envolve estrutura e comunicação.

Para ilustrar, deixo uma célebre amostra de auto-retrato no espelho: Authorization, de Michael Snow (1969)

http://cybermuse.gallery.ca/cybermuse/servlet/imageserver?src=WI77852&ext=x.jpg

Foto por-do-sol: Suat Gursozlu

Publicado originalmente no Multiply.

11 comentários em “Os dez maiores clichês fotográficos”

  1. Vou correndo apagar todos os meus avatares: foram feitos no espelho do banheiro…

    Muito bom esse texto.

    Vendo fotos por a?, vagueando pelo flicr, multiply, etc… ? clara a recorr?ncia desses assuntos, pelo tema como resultado final. Fico me perguntando ? falta de criatividade? Ou o que?

    Chego a conclus?o, ou penso que n?o ? poss?vel classificar como falta de uma vis?o criativa.

    O que falta ? o carater comtemplativo – avaliar uma situa??o ou objeto e os diversos aspectos que resultam em uma foto. Percebo que na maioria das vezes s?o situa??es mal exploradas. Uma que o objeto ou sitiua??o ? captada com profundidade, ? poss?vel propor uma vis?o alternativa consistente.

    Sei l?, a causa pode ser o carater imediatista das digitais ou do mundo em geral, mas dificilmente se percebe as alternativas: olhar para o lado oposto ao por de sol, por exemplo.

    Bom, j? cometi algumas fotos de por-de-sol, cometi dezenas de fotos florais e centenas de fotos de bichos de estima??o…. mas a intui??o diz, se h? tempo e condi??o para a contempla??o, antes de come?ar a baixar o dedo no shutter release, a abordagem e os resultados s?o sempre melhores.

  2. Rodrigo,

    Este texto, assim como os outros, est? excelente … e muito hil?rio. Me revi, em cenas mentais, executando uma por uma ao mesmo tempo em que as lia. Hoje j? deixei de lado algumas delas, enquanto n?o houver um motivo, uma raz?o ou um momento que justifique a foto, dificilmente apontarei minha c?mera para elas novamente. Mas sim, como aprendizado digo: viva o clich?!!

  3. Cara…. adorei seu site…. descobri ele através do site do Marcio Eugenio……..
    Não consegui para de ler…… rsrsrs
    Bem adorei esse artigo e vi que já fiz milhares de fotos “cliché”.
    Acontece, principalmente no começo que a pessoa que experimentar, testar ….. e só clicando para descobri o caminho ……Dá uma passada no meu blog e veja minhas fotos noturnas rs…. não são de carros…

    bjão
    Ana Faria

  4. Háháhá…já fiz todas!!!
    A do p&b, fiz também…mas não me agradou.
    Fotos “miserê” é ser um fotógrafo pedante demais.

    Adorei mais este artigo, só estou no segundo…vou continuar!!
    abs

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