Costumo frequentar fóruns e listas de discussão sobre fotografia. É comum que as pessoas acessem esses espaços para tirar dúvidas sobre qual câmera comprar. Mas é surpreendente que mesmo aqueles que fazem outros tipos de pergunta possam ter como resposta uma lista de compras. Duas situações recentes: uma usuária pergunta: “o que posso fazer para tirar melhores fotos num ambiente com pouca luz?”. A resposta, simples: “compre outra câmera”. Outra pessoa quer entender porque a abertura de sua lente zoom não é sempre a mesma. De alguma forma, essa dúvida singela leva alguém a responder: “compre outra lente”. Como assim?
Comprar se tornou a solução para tudo. Trocamos de câmera sem sequer aprender a extrair todo o potencial que cada modelo descartado nos oferece. Há fotógrafos da agência Magnum que usam compactas, mas a maior parte dos amadores tem conjuntos com câmeras que vão muito além de suas necessidades. Você pode argumentar: “a pessoa pode fazer o que quiser com o dinheiro dela, isso não tem nada a ver comigo”. Será? O fato é que esse padrão de consumo desenfreado afeta a vida de muitas pessoas, inclusive a minha e a sua. O uso de recursos naturais para produzir o que consumimos vai muito além do que o planeta dá conta, além de levar a impactos sociais que talvez você nem imagine. O seu smartphone tem relação direta com o massacre de pessoas no Congo, por exemplo.
No Brasil, reclamamos muito dos custos de câmeras, lentes e outros aparelhos eletrônicos. Atacamos o governo pelos impostos que julgamos abusivos e tomamos o crescimento econômico como algo inquestionavelmente positivo. No entanto, as coisas já são baratas demais, pois os custos sociais e ambientais não são cobrados de quem compra, e sim das populações que sofrem com a extração de materiais e o desmatamento. Na verdade, as coisas deveriam custar muito mais. Desta forma, pensaríamos mais antes de consumir, usaríamos menos recursos e descartaríamos muito menos lixo. E o governo talvez devesse aumentar os impostos para frear o consumo, e não diminui-los. É claro que isso não acontecerá porque o nosso sistema não tem alternativa a não ser consumir sempre mais, até que devore a si mesmo.
Mesmo com os preços dos nossos equipamentos e carros muito mais altos dos que, por exemplo, os dos americanos (que inveja deles!), não abandonamos a nossa sede de consumo. Felizmente podemos tomar dívidas e usar nossos cartões de crédito para comprar coisas de que não precisamos e que acabam com os recursos que serão necessários para a sobrevivência das próximas gerações. E, para pagar nossas dívidas, podemos sempre trabalhar mais. Abrir mão de férias, fins de semana, fazer hora extra. Para sustentar nossa fixação por coisas, vendemos a única coisa que de fato temos: o nosso tempo, que poderia ser gasto com nossas famílias e entes queridos, em atividades que não envolvam gastos.
Mas isso não é interessante para as corporações que, através da publicidade, convencem-nos de que vale a pena deixar de viver para ter. Com o esforço dos anúncios e do incentivo a um estilo de vida voraz parece absurda a ideia de optar por trabalhar menos, ganhar menos, crescer menos (enquanto país) e ter menos. Afinal de contas, ter se tornou quase uma medida universal na nossa sociedade. O seu sucesso é medido pelo quanto você tem. O seu amor é medido pelo valor do presente que você dá. Se no Natal você der um presente barato, ou pior, apenas um cartão ou um abraço para alguém com quem se relaciona, essa pessoa pode achar que você não gosta ou não se importa com ela. Mas dê algo caro e ela não terá dúvidas do seu sentimento.
De alguma forma, comprar se tornou uma grande resposta. A fotografia é um prato cheio para os consumistas – para alegria dos fabricantes de câmeras – pois há sempre novas necessidades a serem criadas e novos equipamentos a serem vendidos. Afinal de contas, tem sempre aquela foto perfeita que buscamos e nunca conseguimos. Mas espere! Com o novo modelo que faz 50 fotos por minuto, fotografa com luz negativa e detecta o sorriso de uma ave a um quilômetro de distância, você conseguirá obter a sua foto perfeita. Apesar do nosso entusiasmo inicial, lá no fundo percebemos que já ouvimos essa promessa antes, muitas vezes. E sabemos que ela não foi cumprida. Será que algum dia vamos acordar?
P.S.1: Antes que você pergunte, tenho a mesma Pentax K100D, de seis megapixels, desde 2007. E ainda assim, de tempos e tempos, me questiono se não foi uma compra desnecessária.
P.S.2: A ótima foto que ilustra esse post foi feita por Meliha Tunckanat com uma Olympus Trip 35 e filme Kodak Gold.