O termo fotografia autoral – ou fotografia de autor – é usado com frequência para descrever as fotografias que são fruto de um projeto pessoal de um profissional consagrado, ou ainda para referir-se à fotografia que é vista como arte, em oposição à fotografia documental ou utilitária.
Mas o que é a fotografia autoral? Quais são seus limites e delimitações, quais são as suas características essenciais? Não há uma definição rígida sobre isso – se houvesse, não seria necessário escrever um artigo sobre o tema – de forma que podemos especular um pouco sobre as qualidades que colocam a obra nessa categoria diferenciada. Obviamente, esse texto refere-se apenas à minha opinião, uma vez que o tema é tão subjetivo.
Se formos ser literais, todas as fotografias são autorais, uma vez que sempre há um autor. É preciso, então, de alguma forma de classificação. Que critério pode ser estabelecido como decisivo para classificar uma fotografia como autoral? Podemos pensar em algumas possibilidades: estética, originalidade, validação externa, transgressão da relação entre operador e aparelho.
Estética: não é necessário entrarmos nos aspectos complexos de como analisar visualmente uma fotografia. Para o nosso interesse, podemos pensar numa foto bem resolvida esteticamente, em termos gerais. O que constatamos, no entanto, é que a maior parte das fotografias utilitárias, como as publicitárias, encaixam-se nesse critério. Em contrapartida, veremos que muitas fotografias autorais não têm o mesmo apelo visual, por vezes em detrimento de um conceito ou uma impressão. Concluímos, então, que a estética não é um fator definidor – e nem mesmo necessário – para a fotografia autoral.
Originalidade: é comum a ideia de que a arte deve ser inovadora. Isso pode ter sido verdade até meados do século passado. De lá para cá, as características da obra perderam importância na determinação da sua validade enquanto arte. Na fotografia, a tendência contemporânea tem pouco de inovação e mais de um olhar sobre a vida atual, pouco romantizada e quase antisséptica. Ou seja, a fotografia autoral não requer a reinvenção da roda.
Validação externa: poderíamos ser extremamente pragmáticos e pensar na fotografia autoral como aquela que é tachada como arte nas galerias e museus. Embora grande parte da fotografia, especialmente nas galerias, encaixe-se nessa classificação, muitas vezes vemos trabalhos documentais, que foram feitos com objetivos específicos, como os jornalísticos, adquirirem valor artístico por outros aspectos, como o histórico ou o social, o que nos leva a descartar esse critério como determinante.
Transgressão: Flusser, em Filosofia da Caixa Preta, coloca o fotógrafo como um operador da câmera, um funcionário que atua de acordo com um programa pré-estabelecido. Para ele, quando alguém fotografa normalmente, está apenas confirmando esse programa. A fotografia criativa deveria ser a experimental, ou seja, a que quebra o domínio do aparelho através de modificações na câmera ou na ilusão de realidade montada por ela. Embora muito da fotografia autoral tenha um caráter experimental, o que vemos é que isso não é uma condição sine qua non para que sejam produzidos trabalhos relevantes.
Podemos perceber, então, que qualquer critério rígido que busque classificar a fotografia autoral não dá conta de englobar todos esses tipos de trabalho. Não é a minha intenção propor uma solução pra isso, mas podemos pensar em alguns caminhos. Uma das questões é que, se estamos falando de um autor, então esse autor deve estar na foto. Não basta apertar o botão. Antes que se pense em questões técnicas, não estou falando de como fotografar, ou de usar o modo manual, nada disso. Refiro-me a desenvolver uma linguagem pessoal coesa, consistente, expressiva, que revele, através das imagens, o autor por trás delas.
Da mesma forma que reconhecemos um determinado escritor ou um músico pelo seu estilo, pela forma, o mesmo se aplica ao autor fotográfico. Fotógrafos consagrados conseguem imprimir sua linguagem independentemente da função da foto, seja ela experimental, documental ou utilitária. Portanto, a fotografia autoral tem uma característica abstrata que permeia a produção, mas que é sólida o suficiente para lhe dar unidade e coerência. Sendo assim, qualquer um pode tornar a sua fotografia autoral. No entanto, isso não está no referente, nem na câmera: o autor precisa encontrar a si mesmo.