Já havia comentado, no texto sobre fotografia e entretenimento, como a fotografia poderia ser vista como uma atividade produtiva, que aplacaria a necessidade de estarmos sempre fazendo alguma coisa, mesmo nas horas livres. Esses dias, relendo o Sobre Fotografia, da Susan Sontag, encontrei uma passagem em que ela fala sobre o mesmo assunto, em meio a uma análise mais complexa sobre o ato fotográfico feito por amadores.
“Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranquilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.” (p.20)
Esse trecho aponta que ficamos tão marcados ao modo de vida do trabalho que temos dificuldade em viver de outra forma, mesmo fora do expediente. A fotografia, para o amador, mais do que um prazer, pode ser uma tarefa. Como tarefa, tem normas a serem seguidas, rotinas de execução, precisam ter começo, meio e fim. No entanto, quando se está trabalhando, esses aspectos são naturais pois a tarefa deve ser cumprida de uma determinada forma, a fim de que seu objetivo seja atingido. Só que não há objetivos na fotografia amadora. Sendo assim, não faz sentido atribuir a ela aspectos de tarefa a ser cumprida.
A consequência imediata dessa visão é que a fotografia amadora acaba sendo encarada de forma desnecessariamente séria, já que está impregnada de “deveres”. A fotografia tem que ser nítida, tem que ser feita no momento certo, tem que ser bem composta, tem que ter uma mensagem, tem que ser fantástica. Assim como no trabalho temos uma série de metas a serem alcançadas, atribuímos à fotografia uma série de qualidades que devem ser atingidas. Do contrário, a fotografia não é boa. A questão é que uma atividade feita por lazer ou amor não tem que ter metas, não tem que passar por nenhum tipo de controle de qualidade. A fotografia pode ser simplesmente um testemunho da relação que temos com aquilo que nos cerca. A qualidade desse testemunho não tem a ver com uma série de critérios técnicos, e sim ao significado que o autor atribui à imagem.
A foto não é uma peça resultante de uma linha de produção, que precisa ser feita sempre da mesma maneira e obedecer a uma série de normas no processo e no resultado: ela é maleável e pode ser produzida como se bem entende. Ainda bem. Pois, ao entender isso, podemos nos ater ao que realmente importa ao fotografar, que é mostrar o nosso mundo, e talvez ainda ter um pouco de diversão no processo. Você pode fazer da sua fotografia aquilo que desejar. Não há nenhum chefe que vai vir conferir se ela foi bem feita. Submeter suas fotografias a um crivo externo – especialmente de pessoas desconhecidas – é pedir pra encontrar vários chefes e transformar sua fotografia em trabalho. Isso não combina com os possíveis papéis da fotografia amadora: ser um lazer ou uma forma de expressão pessoal.
A fotografia amadora não tem que ser nada. Ela pode ser qualquer coisa. Mas você tem autonomia total para decidir isso, sem se basear em nenhum tipo de norma. Sobretudo, ela não tem que ser uma tarefa. Você provavelmente já trabalha o suficiente e não precisa transformar seu lazer, sua criatividade ou sua arte em trabalho. Aprenda a relaxar.
Referência:
Sontag, S. (1977). Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.