Fotografia: processo e resultado

Fazer uma fotografia é um processo que se inicia com a concepção, por parte do autor, de um tema de interesse ou uma ideia visual – se fôssemos ser mais estritos, poderíamos dizer que o processo começa muito antes, mas para simplificar, vamos assumir esse ponto como o momento de partida. O processo se desenvolve através do contato do fotógrafo com o tema ou a situação que será o objeto da fotografia, a escolha de aspectos compositivos, os ajustes do equipamento, o clique da máquina, a edição da fotografia via software ou laboratório, a produção da cópia (impressa ou na tela) e a publicação, que a coloca em contato com os observadores.

Quando vemos uma fotografia, só vemos o resultado. Podemos inferir algumas etapas do processo, como a lente utilizada, a hora em que a foto foi feita ou o quanto o fotógrafo esteve próximo ou distante do assunto. Mas, como o que é de fato visto é o resultado, o ponto no qual convergem todas as escolhas das etapas anteriores, é a partir dele que a foto será julgada. Não importa se o fotógrafo ficou horas esperando uma determinada luz, se na hora do clique o assunto de mexeu: se a foto não corresponde às expectativas do observador, o processo não serve como desculpa.

Quando se é um fotógrafo profissional, não há como escapar: seu trabalho será julgado por esse resultado, que deve agradar ao cliente. Os aspectos do processo são irrelevantes, basta que eles levem à produção daquilo que é esperado. Não é à toa que muitos se preocupam com a confiabilidade dos equipamentos e dos locais, já que o cliente não quer saber se o cartão deu problema ou se a luz não era boa: o resultado precisa ser produzido não importa o que aconteça.


Bárbara, por Arthur Miranda

No entanto, quando se é um fotógrafo amador, o foco não precisa, necessariamente, estar no resultado. Muitas vezes as pessoas fotografam por causa do processo: pelo prazer de se envolver com um determinado assunto, por buscar uma boa luz, por tratar as imagens e até pela mera manipulação do equipamento. O amador pode escolher se vai se dedicar ou não ao resultado que cumpre as expectativas do observador ou se a fotografia tem sua “utilidade” no processo em si.

Ao entender a fotografia dessa forma, compreende-se porque muitas pessoas ainda usam filme, câmeras manuais ou revelam suas próprias fotos em casa. Pode haver uma diferença no resultado, mas ela não é tão grande a ponto de justificar o esforço que se tem quando compara-se com o sistema digital. O cerne da questão é que o processo é muito mais importante. Muitos fotógrafos consagrados gostavam de se trancar no laboratório por horas. O processo, nesses casos, se tornou mais importante do que o resultado. E aí está a diversão de ser um fotógrafo amador. Não há expectativas a cumprir, não há certo ou errado: pode-se fazer tudo do jeito que bem entender.

Fazer fotografias pode ser muito mais do que produzir imagens. Pode ser uma forma de relacionar-se com o mundo, de contemplar aquilo que está a nossa volta. Pode ser também uma espécie de retiro consigo mesmo, ao editar, tratar, imprimir as fotos no fim de um dia. Não é à toa que muitas pessoas veem a fotografia como uma forma de desconectar-se da rotina e do estresse. No entanto, para que seja possível aproveitar a fotografia enquanto processo, é preciso, ao menos até um certo ponto, abdicar dela enquanto resultado.

Não apague suas fotos (ou, pelo menos, espere um pouco)

Geralmente, quando fotografo usando filme preto e branco, peço apenas a revelação dos negativos, os quais escaneio em casa. Nesta última semana, no entanto, queria fazer algumas ampliações e queria acelerar o processo. Pedi, então, que o laboratorista fizesse folhas de contato para cada um dos filmes revelados. Pois bem, recebi os filmes e vasculhei rapidamente os contatos para escolher as ampliações. Para quem não sabe, no processo manual, os contatos são feitos colocando-se as tiras de negativos sobre uma folha de papel fotográfico, mais ou menos do tamanho de um A4. Ilumina-se a folha, que depois é revelada. No processo automático dos laboratórios comuns os negativos são escaneados e o “contato” é montado pelo software da máquina. Depois, no entanto, olhei as folhas com mais calma, o que me levou a algumas reflexões.

Primeiro, a constatação, que não tem nenhuma novidade, de como o filme é inexoravelmente cruel com os nossos erros. O contato mostra todas as fotos ml expostas, mal concebidas ou que simplesmente deram errado, por qualquer motivo. E, uma vez que na fotografia analógica não há o botão delete, o erro fica marcado para sempre. Mas há um aspecto muito interessante na observação de uma folha de contato, que é poder observar o seu raciocínio fotográfico – do qual os erros fazem parte – de forma completa. As tentativas, as alternativas, aquilo em que insistimos ou o que simplesmente desistimos de fazer. Como na fotografia, especialmente entre os iniciantes, há um mito de que você precisa acertar sempre, olhar para o processo que leva aos acertos pode ser útil para o aprendizado.

E aí, há muita controvérsia em relação ao que é melhor para se aprender, começar a fotografar com filme ou digital. Muitas escolas de fotografia ainda pedem que os alunos usem câmeras mecânicas. A contra-argumentação dos que defendem o aprendizado digital afirma, com propriedade, que ver o resultado imediato permite entender muito mais rapidamente o efeito das técnicas. E, de fato, isso parece difícil de rebater quando se fala do aprendizado técnico, mas quando se pensa no processo fotográfico mais amplo, envolvendo inclusive questões de estilo, a fotografia digital permite um hábito que pode ser prejudicial, apesar de parecer inocente: nós tendemos a apagar imediatamente as fotos que não ficam boas, perdendo, assim, a chance de vislumbrar o nosso raciocínio fotográfico por inteiro e dificultando o entendimento do processo. É claro que, caso se concorde com essa ideia, a questão é facilmente resolvível simplesmente não apagando as fotos.


Gustavo Gomes

Há uma tendência em se achar que o erro é uma falha no processo de aprendizado. Bem, isso é um erro. Os erros são tão ou mais importantes do que os acertos. É importante variar as formas de se tentar chegar em um determinado resultado. Isso leva à criatividade, à flexibilidade e, inevitavelmente os erros farão parte desse tipo de conduta. O indivíduo que não erra é provavelmente muito menos criativo e flexível do que aquele que erra.

Quando falo em aprendizado, não me refiro apenas ao aprendizado que leva a saber fotografar de forma tecnicamente correta, coisa que conseguimos com poucas semanas de treino. Aprendemos o tempo todo, a vida toda, em qualquer coisa que fazemos. Quando estamos tentando desenvolver um estilo pessoal, ou engajados num ensaio fotográfico, estamos aprendendo, acertando e errando o tempo todo. Isso nunca acaba. E me passou pela cabeça que talvez seja interessante ter o hábito de olhar para nossas folhas de contato. Mesmo que se fotografe com câmeras digitais, significa simplesmente olhar a série toda na tela do computador antes de descartar as que não interessa. Usar os erros para estudo pode permitir uma melhor compreensão do nosso raciocínio fotográfico, das nossas intenções e tentativas. Ficar com as fotos ruins na câmera e no computador por alguns instantes antes de mandá-las para a lixeira não nos matará – provavelmente.