A fotografia pode ser empregada de acordo com diversas motivações. Posso fotografar para criar uma lembrança através de uma imagem mais realista de um momento. Posso fotografar para contar uma história. Posso fotografar para expressar algo. A maior parte de nós, entretanto, fotografa pela estética da fotografia. Nossa preocupação é produzir uma imagem que seja considerada bela, que atraia o olhar do observador e que seja considerada por ele agradável, deslumbrante, impactante. Mesmo quando nossa motivação principal é a narrativa ou o registro, a preocupação estética está lá, sendo que as “melhores” fotografias são aquelas que conseguem aliar a narrativa ou o registro à estética.
Sendo assim, a câmera acaba sendo usada como uma ferramente estetizante e, portanto, objetificadora. Ela transforma o que quer que ela veja como um objeto que só pode ser julgado, apreciado ou desprezado a partir da sua aparência. Especialmente quando a fotografia não é acompanhada de texto.
Quando vejo uma foto que destaca as rugas no rosto de uma pessoa idosa, uma modelo numa pose sensual, um morador de rua ou mesmo um retrato cotidiano, tenho apenas uma imagem estática, criada através das idiossincrasias da câmera. Não ouço, não sinto cheiros, não sei a história: tenho apenas uma imagem e, se quiser fazer qualquer julgamento, só poderei fazer a partir daquilo que vejo no recorte criado pela máquina fotográfica.
Não é à toa que pessoas que não se consideram fotogênicas geralmente encaram isso como um grande problema. “Não saio bem em fotos”, diz a pessoa, o que significa que ela tem uma desvantagem justamente na plataforma que mais utilizamos para julgar uns aos outros. Ou, pelo menos, a que utilizamos para fazer o nosso primeiro julgamento. Nas redes sociais, nos aplicativos que promovem encontros sexuais e românticos e até mesmo no seu crachá, a fotografia está lá como a referência pela qual você receberá seu primeiro — e muitas vezes único — julgamento daqueles que não te conhecem.
Nós podemos até nos incomodar com essa imposição da imagem e da aparência como o critério de julgamento mais importante que nos fazemos, mas no fim das contas acabamos nos rendendo à objetificação da câmera. Procuramos saber quais são os nossos melhores ângulos, descartamos imediatamente as fotos em que não saímos bem, produzimo-nos para aparecer numa foto, especialmente se a sua finalidade for ser a foto de perfil de alguma rede social. No fim das contas, não questionamos a objetificação da imagem, aceitamos ser objetos. O que acabamos fazendo é tentar ser objetos agradáveis e desejáveis. Isso não se dá só no momento da fotografia, mas na relação que temos com o próprio corpo: na forma de nos vestir, nas dietas, na academia de ginástica, na maquiagem e assim por diante.
Não restringimos esse processo apenas a nós mesmos. Quando nos aprofundamos na fotografia, nosso objetivo é conseguir traduzir o que vemos em objetos estéticos admirados e desejados. No caso da fotografia profissional, eles precisam ser desejados o suficiente para que outros queiram pagar por ele. Na fotografia amadora, nos contentamos com um pouco de admiração alheia. Por isso, pego o retrato de uma pessoa idosa e intensifico as suas rugas na edição da imagem — que invariavelmente será em preto e branco. Não me importa o nome da pessoa, a sua história, seu estado de espírito. O que me importa é transformar sua imagem num objeto estético que vai garantir apreço das pessoas cuja admiração eu busco. Em outras palavras, minha preocupação não é com a pessoa fotografada, e sim com meu ego.
Numa era dominada pela imagem fotográfica, conhecer os seus segredos é algo muito sedutor. Aprender a fotografar é visto como aprender a desvendar a forma da câmera ver o mundo, pois assim posso produzir melhor os objetos estéticos que me garantirão apreço, respeito ou dinheiro. A maior parte dos livros que ensinam fotografia enfatizam justamente isso, a operação da câmera. Mas falam pouco sobre outros aspectos de criação da imagem. E nenhum fala da relação que se tem com aquilo que se fotografa. Falo aqui de uma relação verdadeira, e não de “direção de modelos”, por exemplo, em que se usa uma relação artificial para conseguir o mesmo objeto estético de sempre. Pois só através de uma relação genuína com o outro, em que a câmera é secundária, eu poderei fazer uma fotografia mais pessoal e significativa, e menos objetificadora.
Imagem do cabeçalho: Marco Calabrese