A eloquência das séries

Nós, fotógrafos amadores ou profissionais, temos uma relação quase de fetiche com a foto perfeita. Usualmente, nossos esforços são voltados para conseguir essa imagem idealizada, seja qual for a nossa forma de fotografar. Pensamos na melhor luz, no melhor equipamento, no momento crucial, no tratamento adequado. Não é à toa: as boas fotografias têm um poder meio mágico de, em apenas um quadro, condensar uma mensagem, uma impressão ou uma cena marcante.

Além disso, temos os nossos modelos: associamos os nomes de grandes fotógrafos a uma ou outra imagem mais conhecida, como se elas pudessem representar toda a obra do artista. É possível que isso tenha se originado na pintura, em que cada quadro é visto isoladamente, ainda que o pintor tenha um mesmo tema nos seus trabalhos. Com isso, tendemos a nos lançar, muitas vezes empenhando um grande esforço, na busca dessa imagem idealizada, aquela foto que nos trará orgulho e irá para a parede, num lugar de destaque.

No entanto, convenhamos, a fotografia é uma prática imensamente mais fácil e rápida do que a pintura. Dificilmente passaremos dias, semanas ou até meses trabalhando numa única foto. Ao contrário, podemos obter uma fotografia em uma ínfima fração de segundo. Podemos, ainda, tirar várias fotos em poucos segundos. Será que essa característica não indica que um caminho mais promissor seja justamente o de criar bons conjuntos de fotografias?

Uma série é um grupo de fotografias que se comunicam e se complementam, seja por serem do mesmo tema, assunto ou por apresentarem uma execução técnica semelhante. Com isso, o processo de criação é totalmente diferente de quando se procura a foto única. O fotógrafo se perguntará: qual será o tema?, quantas fotos terá a série?, como elas dialogarão entre si?, como elas serão apresentadas? Na série, o valor de cada uma das fotos está na sua contribuição para o conjunto, como a peça de um quebra-cabeça. Isso faz com que busquemos menos uma foto perfeita e mais uma parte perfeita tendo em vista o todo.

Séries, obviamente, podem comunicar mais do que apenas uma foto. Mas o segredo para sua força está na coesão. É importante que as imagens tenham relação estreita entre si, seja pelo conteúdo como pela forma. O observador, em vez de se concentrar em apenas uma foto, circulará pelas partes da série, buscando apreender um sentido geral. Esse sentido vem justamente daquilo que une as fotos.

A série seguinte, cujo autor se apresenta com o apelido Sigma.DP2.Kiss.X3, tem como eixo a descrição de um ambiente. Aspectos técnicos, como a luz, as cores e o foco curto ajudam na coesão.

Já o conjunto seguinte, de Mr. Wood, se apoia na técnica não ortodoxa que permeia as fotos. A temática rural, ou seja, o conteúdo, é o elemento secundário por trás da coesão da série.

Satisfação não garantida

Temos grandes expectativas em relação à vida. Esperamos e lutamos para ter momentos de grande felicidade, êxtase, euforia. Abominamos o tédio, a monotonia, o ordinário. Queremos o especial sempre. Durante a semana, queremos que o fim de semana chegue. Durante o ano, queremos que cheguem as férias. Quando estamos em casa, desejamos o momento em que poderemos viajar. Se estamos sozinhos, torcemos pela hora em que estaremos com outros. No trânsito, ansiamos pelo momento em que chegaremos. Ficamos ansiosos à espera da nossa vez.

Certos autores na psicologia defendem que vivemos em constante falta. Há sempre uma coisa que poderia ser melhor, uma situação que poderia ser diferente, um incômodo que poderia não existir. A falta gera desejo, movimento, nos impele à ação, na tentativa de suprir essa carência. E aí vamos atrás de dinheiro, de pessoas, de lugares, de experiências. Às vezes, chegamos bem perto dessa satisfação. Conseguimos o que queremos e, por alguns instantes, temos paz. Mas ser humano não é fácil: a satisfação é sempre temporária. Por mais que tentemos nos agarrar, a paz escapa por entre nossos dedos e nos colocamos em movimento de novo. Para piorar, parece que os prazeres que experimentamos nunca são iguais à primeira vez, em que ele é desconhecido e inesperado. Passamos por uma situação boa, mas ao buscá-la novamente, ela não é mais tão completa. Há sempre um quê de frustração. Para conseguir o mesmo patamar de bem estar, precisamos de mais e mais, enquanto a tendência da repetição é ter menos. Não é à toa que alguns psicanalistas tinham uma visão bastante pessimista sobre a existência humana: as nossas únicas opções são a insatisfação ou a resignação.


Toni Palau 

A fotografia, enquanto atividade humana, não está livre desse paradigma. A busca pela satisfação, pelo melhor possível, pela completude pode afetá-la em vários níveis, como na forma como lidamos com os equipamentos ou no ato fotográfico em si. O marketing de qualquer empresa, incluindo fabricantes de câmeras, sabem explorar isso muito bem. Para ter a melhor foto, precisamos da melhor câmera. Mas isso não existe. Mesmo que você compre a Leica ou a Hasselblad top de linha, a satisfação durará, no máximo, até o lançamento do próximo modelo top de linha que deixará a sua câmera obsoleta. E nunca os fabricantes lançarão um modelo completo, pelo simples motivo que, se o fizerem, não venderão mais câmeras.

Independentemente do equipamento fotográfico, também fazemos o possível pela melhor imagem. Viajamos grandes distâncias, esperamos pela melhor luz, ajustamos minuciosamente a configuração de um estúdio, procuramos as paisagens mais fotogênicas. Tudo pela fotografia perfeita. E, às vezes, conseguimos uma dessas, que acreditamos ser o ápice da nossa prática. Colocamos a foto na parede, recebemos elogios, postamos na internet e pipocam duzentos “curtiu”. E o que fazemos em seguida? Vamos procurar outra atividade? Damo-nos por satisfeitos? Não, passamos a pensar em repetir o feito, na próxima foto perfeita. Queremos trezentos “curtiu”, porque de repente duzentos já não parecem suficientes. E continuamos num ciclo sem fim. É esse mecanismo que faz a humanidade caminhar, sendo tão bem explorado pela lógica capitalista.

Há uma alternativa? Boa pergunta. Devemos desistir, nos resignar, parar? Talvez. A única coisa mais certa em relação ao que fazer com isso é ter consciência que a “foto perfeita” é inalcançável, pelas limitações da fotografia e pela nossa própria natureza insatisfeita. Teremos, no máximo, alguns momentos de glória que não perdurarão. Parece uma perspectiva pessimista, mas que também pode ser libertadora. Se a perfeição é inatingível, então podemos abrir mão de certas coisas: não precisamos mais do equipamento mais caro, da luz totalmente ideal, da paisagem mais estonteante. Podemos dar mais atenção e valor ao simples, ao ordinário, ao monótono. Afinal de contas, 99% da vida são feitos disso.