Proibido fotografar

A proibição de fotografar, especialmente em locais públicos ou abertos ao público, como parques, shoppings, museus, shows, parece ser uma das coisas que mais incomoda os fotógrafos, especialmente os amadores entusiastas. É comum que haja reclamações de pessoas que são impedidas de fazer fotografias nesses locais, especialmente se estão com equipamento que sugere uso comercial das imagens, como câmeras DSLR.

Não pretendo aqui abordar o aspecto legal dessas proibições. Em relação a esse assunto, há o artigo “O que podemos fotografar legalmente?“, redigido por Paula Menezes e publicado no Portal Photos. Mas, só para resumir: você pode fotografar tudo que está em logradouro público; espaços privados (como lojas, shoppings, casas de show) dependem de autorização de quem administra. Mas a questão maior não é tirar fotos, e sim o uso que será feito delas, sendo que há discussão inclusive se imagens monumentos públicos podem ou não ser usados com fins comerciais. Tampouco pretendo discutir a importância da liberdade de imprensa e a possibilidade de fotografar manifestações, acontecimentos de interesse público, abusos de autoridade e situações do tipo.

Isto posto, o que me interessa é, na verdade, os aspectos psicológicos do fotógrafo amador no momento em que é proibido de fotografar, já que parece que muitos fotógrafos recebem esse impedimento como uma grande ofensa, como se o direito de fotografar fosse o artigo mais importante da constituição. Não é raro ver quem se vanglorie de ter fotografado num local em que há essa proibição, ou que conseguiu repelir o veto à fotografia com uma carteirada.

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Para entender esse processo, primeiro é preciso entender qual a função da fotografia para aquele que fotografa. O fotógrafo amador, especialmente quando está num local de interesse e decide fotografar, pode estar motivado por diversas razões: para mostrar que esteve ali; para dizer: eu vi e vivi isso; para levar consigo uma memória daquele local; para aplicar uma certa estética ou visão através da câmera a algo de interesse. Se olharmos bem, podemos reunir todos esses motivos e alguns outros possíveis em uma categoria: afirmação do eu.

Através da fotografia, eu me afirmo. Ela é um instrumento pelo qual eu posso garantir que vi, que fiz, que vivi, que passei por aquilo. Daí o costume que se tem de alimentar as redes sociais com selfies com locais, pessoas ou situações interessantes. Mas o entusiasta de fotografia vai além, ele quer mostrar que tem uma “visão” especial sobre um determinado tema, ou um equipamento avançado que, na sua perspectiva, lhe permite evidenciar a beleza de algo que não é visto pelos olhares comuns — especialmente os daqueles que tem um equipamento “inferior”.

Pois bem, está lá o fotógrafo entusiasta gozando do prazer de criar sua arte única, quando ele é advertido por um segurança, uma placa, um aviso sonoro. Com isso, ele é tolhido na sua possibilidade de afirmação egóica. Frustrado, ele pode se voltar contra o agente da proibição: muitas vezes é um funcionário — que é visto como ignorante, por não saber que ele não é um profissional — ou a administração do local, ou o governo. Outra possibilidade é a de tentar fotografar mesmo sem ter autorização, vangloriando-se depois do eu feito, já que nesse caso pôde afirmar-se não só pelo fazer fotográfico, mas também por ter se colocado acima das regras.

Seja qual for o comportamento gerado pela não-aceitação da proibição,  a reação exagerada denota a incapacidade de lidar com a frustração, de se relacionar com o belo sem o uso da fotografia e de simplesmente aproveitar o momento. É de se admirar que se priorize a fotografia a ponto de entrar em conflito ou claramente desrespeitar o outro, quando ela, para o amador, deveria ser uma atividade de lazer, de desenvolvimento pessoal, de criação. Quando se transforma a fotografia numa batalha guiada pelo próprio ego, talvez valha a pena considerar qual o sentido que ela tem.

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Imagem do cabeçalho: Juanma Marcos

Originalidade e cópia

A visão que temos da originalidade, da criatividade e do processo de criação artística de forma geral talvez seja um pouco idealizada. Pensamos que a criatividade é algo que brota de dentro de nós, que a originalidade se deve a uma genialidade em pensar o que nunca se pensou antes. E que o artista é essa pessoa que gera, do nada, uma série de obras incríveis. Encarar esses processos dessa forma acaba sendo um tiro no pé para quem quer criar, pois ele pode procurar nos lugares errados algo que simplesmente não está lá.

Sejamos honestos: nós não criamos. Nós copiamos, roubamos ideias, adaptamos conceitos que ouvimos dos outros. O cara “criativo” é aquele que consegue remixar tudo que absorveu e produzir uma mistura diferente, uma cópia mais elaborada. Nada é criado do zero. E não há nada de errado com isso. É assim que o processo criativo funciona, e quanto mais cedo entendermos isso, melhor podemos produzir.

Para escrever um texto, uso palavras que não criei, apenas aprendi. Escrevo na forma em que fui ensinado — sou grato a meus professores de português e redação, lá da época do colégio — e na forma que absorvi de tudo que já li até hoje. Para fazer uma foto, uso uma câmera, que não fui eu quem criei, fotografo um mundo, que também não fui eu que criei, utilizo regras e conceitos de outras pessoas sobre o que é bonito, o que é válido, o que é significativo. Uso receitas, regras e materiais externos para escrever e fotografar. Mesmo assim, gostamos de dizer que “criei uma história”, “criei uma foto”. O engraçado é que posso usar da mesma forma uma receita, feijão, cebola, alho e carne de porco, mas não digo que “criei” uma feijoada.

Não há nada exclusivamente meu naquilo que faço. O que eu chamo de “eu” nada mais é do que a soma e a mescla de todas essas influências que recebi. Quando recebo um elogio por um texto ou uma foto, meu ego se alegra e quer tomar para si o mérito, mas sei que quem deveria ser elogiado são meus professores, amigos, familiares e desconhecidos de quem roubei, mesclei e reproduzi a forma de fotografar ou de escrever. E, por sua vez, o mérito também não é deles, mas sim de quem os influenciou.

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Isso que dizer que, quando se quer fomentar o próprio processo criativo, quando se busca inspiração, não adianta muito ficar consigo mesmo, ruminando ideias até que saia algo que valha a pena. Faz muito mais sentido procurar algo que se gosta e tentar copiar. Ver exposições, livros, olhar para o trabalho de fotógrafos admirados, e tentar fazer igual. Se você copiar bem e bastante, de fontes diferentes, um dia terá uma produção significativa e que será vista como original, pois você produzirá um remix único de tudo aquilo que copiou. E aí, se alguém quiser copiar suas fotos, tome isso como um reconhecimento, e não como uma ofensa. Primeiro, porque 99% das fotos que são feitas são simplesmente ignoradas. Segundo, porque a sua foto não é de fato sua, você já a roubou antes de outros.

A nossa tendência é não gostar muito da ideia de que somos fruto das nossas influências. Gostamos de pensar que somos únicos, especiais, que a nossa criatividade é algo que possuímos, como se pudéssemos criar a criatividade por conta própria. Nosso ego não gosta de dividir os louros com os outros. Mas isso é uma mera ilusão. Tudo que “criamos”, criamos a partir do que já existe, nos apoiando no que foi feito antes. Cada um de nós coloca um pequeno tijolo numa parede gigantesca que é essa criação cultural humana. Nosso tijolo se apoia nos anteriores e servirá de apoio para os posteriores.

Cada texto que escrevemos, cada foto que fazemos, tem embutidos em si 10 mil anos de civilização.

Só a nossa soberba egocêntrica é capaz de nos fazer passar por cima disso para dizer que aquilo que crio é exclusivamente “meu”. É interessante tentar abandonar as nossas restrições egóicas e nos permitirmos copiar, nos apoiar conscientemente nas nossas influências e a enxergar a nossa própria produção como um trabalho coletivo, não algo que é exclusivamente nosso.

P.S.: A ideia desse post foi roubada motivada pelo livro “Steal Like an Artist”, de Austin Kleon, que me foi indicado pela Mariana Rebello.