Como escolher uma câmera

Câmeras fotográficas estão se tornando um produto de nicho. Como hoje todo mundo fotografa com os celulares, que têm câmeras cada vez melhores, a fabricação e venda de equipamentos exclusivamente fotográficos está caindo. É possível que, em breve, apenas profissionais e apenas amadores muito entusiasmados continuem comprando câmeras.

Enquanto esse dia não chega, ainda existe a preocupação sobre como escolher uma câmera. A nossa forma de tentar, a partir do nosso pensamento cartesiano, é fazer uma lista de opções e comparar números. Megapixels, velocidade, abertura da lente, tamanho da tela, peso, número de botões e tudo o mais. Também incluímos os termos criados pelos departamentos de marketing para falar de especificações que prometem grande resultados.

O problema é que prestar atenção demais no equipamento atrapalha a boa fotografia. Para fotografar bem, é preciso construir uma relação íntima e significativa com aquilo que estamos fotografando. Desenvolver um “ver” que que esteja conectado ao assunto, seja ele qual for. E aí, se a câmera entra no meio, essa relação se perde. A câmera precisa desaparecer.

Foto: Holy [K]
Foto: Holy [K]
Se você concorda com isso, entenderá, então, que os critérios para escolher uma câmera não devem ser números, tampouco o raciocínio de conseguir a melhor câmera pelo dinheiro que você tem. O critério será ter uma câmera que possa sumir enquanto você está fotografando. A partir disso, podemos pensar em três pontos práticos:

Escolha uma câmera que você não terá medo de usar

Se você tiver um equipamento muito caro e sofisticado, provavelmente se preocupará com quedas, quebras, assaltos. Isso pode deixar você tenso na hora de fotografar. Tenha um equipamento com o qual você não precise se preocupar, que não causará muito prejuízo ou falta caso você o perca ou ele se quebre. Assim você poderá fotografar onde quiser e poderá realmente usar sua câmera. Sua fotografia ficará mais livre.

Escolha uma câmera que você possa operar sem ter que pensar

A operação da câmera deve ser automática. Sempre existe um tempo de aprendizado, mas depois disso, se você precisar pensar no que vai fazer, ficar procurando opções em menus e uma miríade de botões, sua fotografia perderá espontaneidade e sua atenção não estará naquilo que importa.

Escolha uma câmera que não deixe você deslumbrado

É natural se animar com a câmera no início, mas se você fica deslumbrado com suas possibilidades, com sua qualidade, sua atenção também não estará no assunto. O equipamento é uma ferramenta, um meio, e não um fim. A menos que o seu propósito seja realmente apenas brincar com o equipamento.

Em suma, não escolha uma câmera da qual você se orgulhe, que chame sua atenção, que faça você querer ficar brincando com ela mesma. Escolha uma câmera que você possa esquecer.

 

Foto do topo: Toffee Maky

Você fotografa a si mesmo

A fotografia é uma espécie de truque. Quando fotografamos, revelamos aquilo que está na frente da lente, mas ocultamos o que está por trás da câmera. Desta forma, quem vê a foto pode se colocar no lugar de observador e enxergar a cena estabelecendo uma relação direta. As fotografias bem feitas — dentro desse espírito — são aquelas em que caímos nessa ilusão sem lembrar que havia alguém fotografando.

E o que está por trás da câmera que torna-se oculto? É o próprio fotógrafo (a menos que se esteja fazendo um autorretrato). O fotógrafo é um fantasma, que busca criar uma ligação direta entre aquilo que ele fotografa e quem vê suas fotos, montando essa relação de forma engenhosa, a fim de permanecer invisível. O trabalho de muitos fotógrafos é o de estabelecer sentidos e significados baseados nessa ilusão que a câmera fotográfica permite.

Alexey Murashko
Alexey Murashko

É possível que a fotografia seja tão atraente porque cria essa possibilidade do autor oculto, um contexto em que se pode falar de algo, se expressar, sem se implicar. Parece que na pintura ou na literatura a responsabilidade do autor estão muito mais presentes. Será que o fotógrafo pode realmente dizer algo sem estar lá, apenas mostrando de forma imparcial e objetiva — coisa que a câmera parece ser? Mesmo que ele deseje, isso não é possível. A relação pura entre a cena e o observador, entre o significado e seu intérprete, não resiste a uma análise um pouco mais demorada. O fotógrafo não pode se excluir do processo porque, por mais que tente, sempre acabará fotografando a si mesmo.

Primeiro porque ele só pode fotografar aquilo que vive. Ele precisar estar em algum lugar para fotografar. Depois, porque o aspecto mais importante da fotografia — o assunto, ou o que fotografar, é uma atitude que está totalmente nas mãos do fotógrafo. Não há equipamento ou automatismo que possa auxiliar nesse aspecto: é o fotógrafo que decidirá o que vai dentro ou fora do quadro. Por mais que se use uma grande angular, não se pode fotografar tudo, e a seleção entre o que é fotografável ou não — o corte — é uma exposição completa do seu autor.

Além disso, existem outros aspectos que, ao serem bem observados, desmontam a ilusão fotográfica e nos permitem enxergar o fotógrafo: como ele utiliza a câmera, o ângulo em que ele se coloca, como ele faz o pós-processamento de suas fotos. E, no final do processo, o próprio fato de publicar ou expor uma foto, seja em que meio for, mostra que aquela imagem, da forma em que é apresentada, corresponde ao que o fotógrafo considera bom para ser visto. A foto pronta e publicada evidencia seus critérios de qualidade e seu julgamento.

A fotografia pode, então, ter um aspecto sedutor ao parecer uma arte meio anônima, em que o fotógrafo pode ter a ilusão de se ocultar e apenas mostrar o que está a sua frente, sem se implicar. Mas essa é uma mera ilusão facilitada pela forma como a câmera funciona. O trabalho do fotógrafo pode até ser menor do que o envolvido em outras artes, mas basta olhar um pouco além do que a cena nos mostra para que possamos enxergá-lo. Afinal de contas, o que o fotógrafo faz é nos convidar para assumir o seu lugar, a sua posição e a sua visão dentro do mundo, num determinado momento. O que pode ser mais revelador do que isso?

Foto do cabeçalho: Johnny De Guzman

Câmeras viraram “gadgets”

Há dez anos, quando a fotografia digital começou a se tornar uma realidade para o mercado, as câmeras — e consequentemente as fotos produzidas por elas — ainda eram muito inferiores às de filme, no que se refere à qualidade. Lembro de usar, nessa época, durante a minha graduação, uma Sony Mavica que gravava imagens de 640×480 pixels em um disquete. Ainda tenho algumas fotos daquela época e vejo que são do nível de fotos de celulares de três ou quatro anos atrás.

Pois bem, a partir desse momento, a fotografia digital evoluiu rapidamente. Em cinco anos, já havia atingido um padrão de qualidade que permitia substituir o filme na maior parte das aplicações. Os fabricantes, durante esse período, concentraram-se principalmente em aumentar a resolução, que era a maior deficiência das câmeras digitais, mas também trabalharam no sentido de fornecer arquivos com mais latitude, menos ruído e diversos formatos.

Chegou-se, então, a um ponto em que as câmeras digitais chegaram num patamar que, para a grande maioria dos usuários, era satisfatório. Com uma câmera de 8 megapixels é possível fazer boas ampliações em quase todos os formatos mais utilizados, há um bom nível de captura de detalhes, cores e luzes, com toda a praticidade do digital. A partir daí, para o consumidor comum, não se justificaria mais o desenvolvimento em termos de aumento de resolução e melhora da qualidade de imagem (embora isso sempre seja justificável para aplicações profissionais ou para maníacos por equipamentos).

O que vemos, no momento, é justamente uma guinada no desenvolvimento dos equipamentos de uso amador. Não se fala mais em câmeras com mais resolução, mais qualidade ou melhor para fotos com pouca luz. Temos, em vez disso: câmeras que fotografam sozinhas (como a Sony Party Shot), que fazem panorâmicas automaticamente, que possuem visor frontal para que se possa tirar “autofotos” melhores, que filmam em alta definição, GPS, wi-fi, entre muitos outros “diferenciais” do mercado. Torna-se claro, então, que os fabricantes estão buscando agregar valor a seus produtos oferecendo recursos supérfluos, que pouco têm a ver com a fotografia em si.

O que se pode concluir ao observar esse movimento é que até pelas atitudes dos fabricantes, fica claro que você não precisa de uma nova câmera, a menos que você esteja pretendendo mudar de categoria (por exemplo, trocar uma compacta por uma reflex). Se não for o caso, a sua câmera digital, mesmo que tenha lá seus três ou quatro anos, já faz muito bem aquilo a que se propõe: tirar fotos. Câmeras mais novas oferecerão muito pouca diferença na qualidade das imagens, embora venham com uma série de recursos adicionais embutidos. Ou seja, elas valem a pena apenas se você é um louco por gadgets, mas não se justificam para alguém que queira apenas fotografar e aperfeiçoar a sua fotografia.

Câmera e linguagem: Olympus Trip 35

Todo equipamento tem uma determinada linguagem associada. Mais do que aspectos técnicos muito específicos, ela será determinada por que tipo de pessoa tem a câmera e qual o uso que é feito dela. A Olympus Trip 35 foi uma típica câmera “familiar” usada nas décadas de 70 e 80. Hoje, ela é bastante utilizada por quem gosta de fotografar em filme com muita simplicidade e relativa qualidade.

A Trip só tem um tipo de controle, que é o foco. Há quatro posições fixas, em que se estima a distância entre o sujeito e a câmera: 1m, 1,5m, 3m e infinito. Há um anel de seleção de abertura, mas que só é utilizado no modo flash, no qual o obturador funciona em 1/40. Do contrário, ele é fixo em 1/250.

Sendo uma câmera pequena, leve, silenciosa e de fácil manuseio, mas com lentes Zuiko (f2.8, 40mm) de boa qualidade, a Trip permite uma grande liberdade e fomenta o uso criativo; não é à toa que muitos adeptos da lomografia a utilizam.

Como imagens falam mais do que palavras, alguns bons exemplos extraídos do Flickr. Algumas têm resolução suficiente para que se possa avaliar as características da lente.

Carsten aus Bonn
Carsten aus Bonn
Arthur John Picton
Arthur John Picton
Ronn "Blue" Aldaman
Ronn “Blue” Aldaman
André Mielnik
André Mielnik

E o sinal dos tempos: essas belas fotos podem ser feitas com uma câmera que pode ser encontrada por valores que vão de 50 a 150 reais.

Link para download do manual em PDF: Manual Olympus Trip 35 (em inglês)