Sempre que vejo tentativas de explicação de obras de arte ou, mais especificamente, de fotografias, tenho a sensação de que algo não se encaixa ou falta, como se a transposição do visual para o verbal não fosse algo totalmente viável. Deparei-me, esses dias, com um ensaio da Susan Sontag, intitulado “Contra a Interpretação”, em que há o seguinte trecho:
“In most modern instances, interpretation amounts to the philistine refusal to leave the work of art alone. Real art has the capacity to make us nervous. By reducing the work of art to its content and then interpreting that, one tames the work of art. Interpretation makes art manageable, comformable.”
A tradução seria mais ou menos essa: “Na maioria das instâncias modernas, a interpretação equivale à recusa filistina de deixar a arte por conta própria. A arte real tem a capacidade de nos deixar nervosos. Ao reduzir a obra de arte ao seu conteúdo e interpretá-lo, a obra é domada. A interpretação torna a arte manejável, submissa.”
Na fotografia, uma das formas de se reduzir a obra é através da análise técnica, como já descrevi em “O Anteparo Técnico“. No entanto, não é a única forma. Uma outra forma bastante comum é tentar ler o que o autor quis dizer, como se houvesse todo um discurso subliminar em cada fotografia, e esse discurso seria mais importante do que aquilo que é mostrado claramente.
Temos uma tradição dualista que nos leva a pensar que tudo sempre tem uma razão, um motivo ou um conteúdo oculto. Mas na realidade, na maior parte das vezes as coisas são simplesmente o que são, e a busca por esses conteúdos, como diz Sontag em seu texto, é o “elogio que a mediocridade faz ao gênio”. Tanto que muitas formas de arte, como a pintura abstrata, fogem intencionalmente da possibilidade de interpretação – e, por isso, causam ainda mais incômodo.
Tomemos como exemplo a foto que ilustra esse artigo, de Chad Treolar, intitulada “Electrified”. É uma imagem incômoda. No entanto, o autor adiciona uma legenda explicativa ao postá-la, dizendo que é “uma tentativa de visualizar o conceito de que nossos corpos são carregados eletricamente que são essas cargas que, em última instância, dirigem nossos pensamentos”. Tivesse o autor deixado a imagem falar por si só, ela teria muito mais força do que com a sua própria interpretação.
Isso nos leva a pensar em como criticar fotografias. O primeiro passo é aceitar a foto, e não imaginar outra que poderia ter sido feita – mas não foi. O segundo é evitar excessivamente a interpretação, procurando significados ou intenções ocultas pelo autor. Não há forma de arte mais direta que a fotografia; procurar algo por trás é ir contra a própria natureza da obra. Seguindo esse preceito, a análise direta, através da descrição, da leitura atenta é um caminho interessante, reconhecendo não apenas o que a foto é como aquilo que ela suscita em nós como observadores.
Isso é difícil, pois o fato é que temos grande dificuldade em aceitar as coisas como elas são. Em contemplar sem entender, sem traduzir racionalmente aquilo que nos encanta, nos assombra ou nos incomoda. Talvez abrir mão desse expediente seja um primeiro passo para experimentar a arte tal qual ela é, sem tentar domá-la, ou aplacar o próprio incômodo frente aquilo que não pode ser circunscrito por palavras.
Referência: Sontag, S. (1964). Against interpretation. http://www.coldbacon.com/writing/sontag-againstinterpretation.html