Bons fotógrafos profissionais tendem a ter uma série de nomes consagrados que usam como modelos para o seu trabalho, geralmente dentro de sua área. Fotógrafos de moda, de casamento, publicitários costumam estudar o portfólio de quem tomam como norteadores. Procuram assimilar as técnicas, buscar os mesmos recursos e obter resultados semelhantes, aprimorando, assim a sua própria fotografia. Quando se é profissional e quando se trabalha numa área específica, é mais fácil ir atrás dessas referências, em sites, revistas especializadas, agências etc.
Já o fotógrafo amador não tem uma direção clara, já que ele pode simplesmente fazer de tudo. Então, em quem se espelhar, quem ter como modelo? Ao buscar a sua referência, o fotógrafo amador geralmente se depara com duas armadilhas que o levam a uma prática deficiente: se espelhar em profissionais cujo sentido do trabalho é totalmente distinto do seu ou se fechar em apenas uma vertente de possibilidades e nomes — e comumente as duas coisas acontecem juntas.
O amador pode, então, tomar emprestados aspectos da fotografia profissional que não fazem sentido na sua prática. Ele pode, por exemplo, não fazer pós-processamento em suas fotos por essa ser uma prática pregada por veículos jornalísticos. No entanto, há um sentido nessa exigência dentro do contexto profissional, que é preservar a credibilidade das informações. Para o amador, a menos que ele tenha algum tipo de blog investigativo, ou alguma outra justificativa, não faz sentido atuar assim. Ou seja, aquele que não fotografa profissionalmente deve adequar a sua prática às suas intenções e ao seu objetivo na fotografia em vez de apenar imitar preceitos que não lhe dizem respeito.
Ao longo da sua história, a fotografia deve ter tido centenas ou milhares de grandes fotógrafos. Pessoas que conseguiram mostrar um lado surpreendente do mundo, encantar com composições surreais, usar o processo fotográfico em prol da estética ou simplesmente retratar a poesia do cotidiano. No entanto, muitos amadores parecem ter um certo fetiche por três nomes: Henri Cartier-Bresson, Ansel Adams e Sebastião Salgado. Três ícones, sem dúvida, mas que ao se estabelecerem no imaginário do fotógrafo amador avançado como referências arquetípicas, ofuscam a significância de muitas outras referências importantes e que, se fossem consideradas, abriram horizontes para os amantes da fotografia.
Salgado e Bresson são, basicamente, fotojornalistas, ainda que suas fotografias tenham adquirido status de arte (coisa que provavelmente não tenha dominado suas preocupações). Ou seja, a sua prática é ir ao mundo e mostrá-lo como tal, como um observador não participante, que não interfere. Embora seus trabalhos sejam fantásticos, quantos amadores têm um subsídio financeiro para flanar por Paris? Quantos visitarão um terço dos lugares pelos quais Salgado passou? Para completar, quantos carregam Leicas a tiracolo? Então, qual é o sentido de fechar os olhos para outros referenciais que podem tanto mostrar outras possibilidades com a fotografia como envolver práticas mais condizentes com suas realidades?
Já Adams fotografava pela estética, levada a um extremo técnico de câmeras de grande formato e um sistema complexo de captura e revelação. E voltamos à pergunta, quantos amadores andam por aí com suas máquinas 4×5 e tem a sorte de ter acesso regular a um parque nacional como Yosemite?
É claro que é possível usar esses nomes como fontes de inspiração, mas ter fotógrafos com práticas tão distintas como única referência levará o amador a uma simples mímica, a um arremedo. Cada um precisa construir uma prática condizente com as suas possibilidades e, nesse caminho, buscar referenciais palpáveis, sejam eles grandes nomes ou não.
E aqui vão algumas ótimas fontes das quais pode se beber dos mais diversos tipos de fotografia. O grupo Young Photographers United reúne novos talentos de todas as partes do mundo. O site Fotografia Contemporânea reúne na página Fotografias de Autor ensaios para todos os gostos. No Brasil, temos grupos como o coletivo fotográfico Púnctum e o F/508, este último tendo revolucionado o fotoclubismo nacional. E viva a multiplicidade de possibilidades que a fotografia nos dá.
[…] This post was mentioned on Twitter by Daniela Ribeiro, Rodrigo F. Pereira. Rodrigo F. Pereira said: "Precisamos de novos modelos", artigo no Câmara Obscura: http://shar.es/ms8oU […]
Não posso concordar inteiramente com a visão não-artística do Bresson e do Salgado, que é negada pela simples contemplação de seus trabalhos, mas é também negada pela fala do próprio Bresson ao citar sua preocupação com a composição, sempre reiterada. Preocupação com composição é sobretudo uma preocupação estética. A fotografia de ambos é profundamente estética, então fico meio intranquilo com não classificálos como artistas, não importa aquilo dito por eles mesmos sobre si (muitas vezes a fala é para não abrir certas discussões indesejadas e desnecessárias).
No mais, concordo com você. A grande graça da fotografia amadora é tudo ser factível, não ser uma fotografia com uma moldura de requisitos.
Depois de ter tido a oportunidade de ter visto cópias de Bresson, afirmo sem ter medo de errar: seu trabalho atinge o ápice quando vemos cópias impressas. Na tela de um monitor sua arte não atinge todo potencial. Nunca vi cópias de Adams, além das que são impressas na trilogia (indispensável em qualquer estante), mas suspeito que ocorra o mesmo.
Então proponho a pergunta: é certo considerá-los como referências de mecânica construtiva do trabalho, ou modelos, mas é certo tê-los como referencia única, quando poucos amadores chegarão a ter cópias impressas, menos ainda as terão expostas?
referências, referências… recentemente, a revista PROFESIONAL PHOTOGRAPHER listou os 100 mais influentes fotógrafos de todos os tempos… uma listinha que não contemplava por exemplo: Atget. Grotesco não?! Pois é, há alguns anos, sem internet, eramos dependentes dos livros de fotografia e por tal razão, a difusão de referências se dava através da publicação dos grandes nomes da fotografia. Atualmente as referências estão pulverizadas em toda a rede, em todas as partes… o que sugere que cada um encontrará suas próprias referências ou se perderá na floresta. Câmara obscura tem conteúdo!
LINK DA LISTA http://www.professionalphotographer.co.uk/magazine/photographic-inspiration/100-most-influential-photographers-of-all-time
Eduardo; Sua questão é boa. Assim como você, cópias impressas foram para mim as coisas mais fortes que já vi em fotografia, com uma qualidade distinta de existência.
Contudo, é perfeitamente razoável que, dentro de uns 10 anos, de posse de telas de alta resolução em casa, tecnologia LED, a fotografia tenha uma existência para quase todos que seja somente na tela.
Aí haverá aquilo que já há: uma separação entre a produção para a tela e a produção para o papel, pois são, como já escrevi em um artigo, um Meio Frio (a tela) e um Meio Quente (o papel) -na conceituação herdada do Marshal McLuhan. E, assim nos ensinou ele também, O Meio é a Mensagem, então há conteúdos -no nosso caso, fotografias-, cuja vida é para o Meio Frio, e outras cuja vida só faz sentido em Meio Quente.
Uma outra questão, ainda, é se é própria essa demanda por modelos, embora sempre haja um modelo oculto se buscarmos muito, mas não necessariamente a obra de outro fotógrafo será esse modelo. Penso ser necessário em algum momento da trajetória de um fotógrafo ele ter como modelo a si mesmo. Embora admirando muitos fotógrafos, o que faço não os toma como modelos, pois nem de longe posso tentar fazer como eles, enquanto fazer como faço é algo do que não consigo escapar mesmo. Nesse sentido, podemos aprender com eles alguns truques, truques esses que tomarão outro sentido quando os utilizarmos.
A fala de Ivan de Almeida coloca uma questão certa e interessante, embora não o faça de forma direta: existe uma diferenciação entre modelo e referência. O modelo (e sim, sempre há um modelo oculto, que geralmente deriva das diversas referências sobre uma prática ou tema específico) é uma estrutura de trabalho, quer dizer, e aquilo que assumimos como fonte direta de uma estética e dos mecanismos a implementar para produzi-la, uma vez tendo acesso a seus próprios patrões de produção por primeira via.
E por isso resulta difícil para muitos amadores ter como modelo a um Bresson, um Doisneau, um Evans ou um Friedlander. Para nós estes grandes fotógrafos (o melhor falar “míticos fotógrafos”), terminam por ser uma referência visual, digitalizada, midiatizada e longínqua da fotografia.
As referências existiram sempre, mais diversas, imediatas e acessíveis que os modelos… e com certeza menos substanciais, na maioria dos casos.
E por isso que outro elemento (o conceito) a levar em conta e aquele da substancia ou essência das coisas… (mas agora, infelizmente, recebi uma ligação e devo me afastar deste diálogo, que encontro muito proveitoso e espero continuar numa outra oportunidade. E parabenizo ao Rodrigo, ao Ivan, à Câmara Obscura, e a todos os participantes neste diálogo, pela sua essencialidade).
Muito bom, Rodrigo. Fazia um tempo que não passava por aqui, e achei os últimos artigos muito sensatos e pertinentes, como sempre. Belo trabalho, abraço.