A fotografia, ao contrário de outras artes ou formas de expressão cujas obras podem ser criadas do zero, é basicamente um resultado de escolhas. Entretanto, parece que essas escolhas são de alguma forma obscuras e passam desapercebidas por quem vê fotografias e faz fotografias, levando a uma concepção errada do trabalho do fotógrafo, ora subvalorizando, ora supervalorizando o método e o fotógrafo.
Por vezes, atribuímos muito poder ao fotógrafo. Isso é especialmente comum entre outros fotógrafos. Ao não compreender exatamente o que faz foto ser boa ou pela necessidade de tornar o ato fotográfico simples em algo complexo, mas com pouca clareza sobre essa complexidade, é comum que se veja mais do que de fato foi feito. Fala-se em boas composições como se o fotógrafo tivesse montado uma paisagem a partir da sua cabeça. Fala-se de boas cores quando isso é um atributo do que é fotografado, e não mérito de quem fez a foto. Ou critica-se algo que existe na cena, como se o fotógrafo pudesse, com a força do pensamento, remover uma árvore, uma cara feia ou um olho fechado.
Por outro lado, geralmente as pessoas com pouco contato com a fotografia tendem a subvalorizar a atuação de quem faz as fotos. Atribuem à câmera ou à cena em si a beleza de uma foto, inconscientes do método empregado para conseguir uma boa foto, como a operação adequada da câmera, compreensão da luz e da técnica necessárias para se obter um determinado resultado.
O fato é que, para entender a fotografia é preciso saber do que ela é feita, e basicamente ela é feita de escolhas. Essas escolhas, por sua vez, são divididas em dois grandes grupos: as que são feitas antes e as que são feitas depois que a foto é tirada. Ironicamente, o que as pessoas tendem a valorizar mais é o momento mágico, em que o obturador é disparado, quando na verdade ele é o ponto mais inócuo desse processo, já que não se faz absolutamente nada a não ser esperar durante essa fração de segundo. O que vai determinar o resultado é a soma de tudo que foi feito ate ali e o que será feito a partir da captura.
Algumas escolhas que o fotógrafo tem antes do momento da captura:
- Assunto: é fundamental decidir o que será fotografado, qual é o conteúdo básico da foto.
- Equipamento: o tipo de câmera, de lente ou de filme influenciará diretamente o resultado final.
- Luz: não existe luz ruim, mas é preciso entender como cada tipo de luz funciona para que se possa utilizá-la adequadamente para o resultado desejado.
- Operação da câmera: os ajustes de velocidade, abertura e foco também precisam estar em consonância com o que se pretende fazer.
- Composição: o posicionamento da câmera, o enquadramento e o corte são fundamentais pois determinarão o que estará ou não no quadro; é quase como decidir o que existe ou não no campo da fotografia.
Depois que o disparador foi pressionado, ainda restam inúmeras escolhas para o autor. Seguem algumas:
- Pós-processamento: a foto será tratada num editor de imagens? Em caso positivo, quais serão as diretrizes que nortearão esse tratamento?
- Montagens, combinações e séries: as fotos podem ser combinadas umas com as outras ou podem compor uma série. Ver várias fotos é diferente de ver apenas uma, e saber como organizá-las a fim de direcionar a percepção do observador é fundamental.
- Impressão: a foto permanecerá no computador ou irá para o papel? Será revelada em processo fotográfico ou impressão por jato de tinta? Quais as características que terá enquanto objeto físico?
- Publicação e exibição: quem verá as fotos? Serão veiculadas na internet, em livros, emolduradas? A forma de transmissão pode ter um peso tão grande quanto o próprio conteúdo da imagem.
A fotografia é um processo amplo, em que o apertar o botão é a parte menos importante. É fundamental notar também que a questão técnica de operação da câmera, que é tida pelos livros e cursos de fotografia como o aspecto fundamental, é apenas mais um detalhe na lista de possibilidades. Para fazer boas fotos e para ter uma produção coerente e de qualidade, não se deve supervalorizar apenas um aspecto dos listados acima. É preciso ver a fotografia como a soma todos esses fatores e entender como cada um deles interfere no resultado final.
Sempre que alguém fala que na fotografia as imagens não podem ser criadas do zero, eu fico em dúvida. Acho que é mais uma questão de matéria-prima utilizada. Existe muita diferença entre usar um pincel e algumas tintas sobre uma tela de arranjar objetos na frente de uma câmera? Também não é raro ver imagens de pintores retratando cenas diversas. No segundo caso, a câmera também não tem nada até que o botão seja pressionado. No primeiro caso, o fotógrafo monta uma cena conforme o que ele pensa. Por exemplo, coloca a cabeça de alguém sobre a mesa e fotografa com a finalidade de transmitir uma emoção. A frase soa sem sentido? Pois eu acharia até ver o trabalho “Soldier and Citizen” da Suzanne Opton ( http://www.suzanneopton.com/ ). Da mesma forma, considero com bastante força a parte do trabalho dela onde as imagens são das esposas, namoradas ou companheiro tentando dar um conforto ao soldado. Ou o trabalho do Denis Darzacq com aqueles corpos no ar. Alexey Titarenko e seu “City os Shadows”. E tantos outro que eu considero que, partindo do nada fizeram trabalhos que merecem uma olhada e, depois, com mais atenção, olhar novamente.
Estranho eu ter escrito tanto sobre uma parte tão pequena do texto e que até não tem muita relação com a finalidade principal do artigo. Quanto ao artigo em si, concordo com o que foi escrito. Eu até diria que parecem existir fotógrafos que não dão muita atenção para o momento da captura mas são relativamente bons no pos-processamento.
Guaracy,
O seu ponto é muito importante. De fato, há situações em que a fotografia tem muito mais criação do que outras, e a fotografia em estúdio ou ambientes controlados em que se trabalha de forma conceitual talvez seja o lado extremo dessa linha, com a fotografia jornalística no outro extremo. Há inúmeros trabalhos que abordam o surreal, o imaginário, e que confirmam esse ponto de vista. Foi bastante útil você apontar esse porém, pois era algo que eu pensei em abordar ao montar o texto na minha cabeça mas que acabei deixando de lado no desenvolvimento dele.
Quanto ao pós-processamento, para mim ele também é fotografia, que abrange desde a elaboração do conceito até a publicação, pois todos esses fatores interferem no resultado final, no que vai ser visto e entendido como fotografia.
Rodrigo, gostei do tema proposta, e faço algumas considerações:
a) Ao analisarmos a fotografia, temos que considerar há diversas formas de realizá-la (estúdio, reportagem, por exemplo). É muito perigoso traçarmos um conceito único sobre a fotográfica (múltipla).
b) A escolha não é uma particularidade da fotografia. Ela esta presente em todas as formas de arte. Está presente na vida.
c) A fotografia também pode ser criada do zero, a partir de uma idéia. É preciso definir se se trata de um ZERO ABSOLUTO.
d) Não se pode esquecer que o resultado da fotografia depende muito do ACASO. Por exemplo, durante aqueles 1/60 segundo pode acontecer muita coisa, enquanto “esperamos”.
e) Reforçando o item anterior, não esqueçamos que na gaveta de um grande fotógrafo existe uma grande quantidade de fotos que não ousa publicar.
Não há necessidade de que se defina o que seria o “zero” da fotografia: creio que o que a diferenciaria das outras práticas estéticas (escapei do termo Arte…?) é algo que todos estão carecas de saber: o referente, apenas isso, ele é a tela branca. De qualquer forma, o que realmente importa é onde vai dar aquela imagem —fantasiosa ou documental (apliquem aspas como quiserem)— dentro do repertório do observador; por mais que o criador da imagem se esforce, na pré e na pós-produção, o medicamento só vai fazer algo funcionar dentro do intérprete se ele estiver “doente”; se o leitor não achar que lhe falta algo, qualquer remédio será placebo e todas as escolhas irão pro ralo.
O referente, como bem aponta o Fernando, e o aparelho são os dois pontos de partida da fotografia. O fotógrafo tem um aparelho. Sem ele ele não fotografará, e o aparelho lhe permitirá fotografar de um jeito ou de outro. Ele precisa compreender o aparelho para saber que certas possibilidades são interditadas e outras propícias.
O assunto é uma escolha, uma imensa escolha. E o assunto, contráriamente ao dito no artigo, tem uma consideração sobre o quê, sobre a luz e sobre as cores. Dois fotógrafos diferentes podem considerar que algo é ou que algo não é um assunto. Uma cor, para mim, pode ser uma parte delimitadora do assunto, outro fotógrafo pode considerar uma forma, e outro só a parte simbólica. Um exemplo, tenho algumas fotos de minha família em um restaurante once as mesas tinham sobre elas uma toalha azul. Então eu quis aquele azul e fotometrei para ele ter máxima saturação, e a composição deixou uma ampla área de azul no quadro final, minha família lá no fundo.
Se alguém elogia a cor, ali, naquela foto a cor foi escolha minha, porque eu quis que parte do assunto fosse a cor. Ela é intencional, pois embora não tenha criado a cor eu dei a ela o protagonismo que muda a foto.
Fotografia começa de algum lugar. De uma filiação a uma tradição humana chamada fotografia, da posse de um aparelho fotográfico, do referente. Fotografia é um campo que não pode ser examinado disjuntivamente, ele é integrado, complexo, pois uma determinação se faz através de outra. Há determinações recíprocas na determinação do resultado fotográfico.
Há sempre utilidade na discussão, e o artigo é um ponto para pensarmos no assunto.
Olá colega
Deixo o link pra que fiques ‘informado’:
http://sinosfotoclube.livre-forum.com/cultura-fotografica-f1/fotografia-uma-soma-de-escolhas-t379.htm#3465
Um abraço, e mais uma vez parabéns pelos artigos 🙂
Umas observações:
Realmente não é o fotógrafo quem cria a paisegem. Mas ele que escolhe a interpretação dada a ela, e isto é oque fará toda a diferença na foto. A composição é do fotógrafo: a posição da câmera, o angulo (distancia focal) escolhido fazem toda diferença. Assim como a profundidade de campo escolhida, a temperatura de cor, etc.
Um abraço