“Filosofia de Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia“, de Vilém Flusser (Editora Relume Dumará, 82 pág, R$ 26), é um livro compacto e controverso sobre fotografia que vai além de uma análise social, ao traçar um paralelo entre a ação do fotógrafo e o funcionamento da sociedade pós-industrial. O autor inicia o livro com uma polêmica revisão histórica da construção da imagem e do texto, para em seguida descrever o aparelho fotográfico e analisar a relação do fotógrafo com este aparelho. Talvez uma das idéias centrais do livro é a de que o fotógrafo submete-se à programação do aparelho, sem entender na verdade as codificações e decodificações inerentes à construção da imagem fotográfica e das suas conseqüências sociais.
Achei o texto bastante útil, pois ainda que controverso, as questões levantadas são interessantes. E, em relação à fotografia, parece-me que é preciso ainda descobrir quais são as questões que tentaremos responder. Além disso, a análise da relação fotógrafo-aparelho-mundo também é bastante pertinente, e pode ser generalizada, como o autor sugere, para outras áreas da vida moderna. Algumas passagens que julguei interessantes:
“o complexo ‘aparelho-operador’ (…) é caixa-preta e o que se vê é apenas input e output, o canal e não o processo codificador que se passa no interior da caixa-preta. Toda crítica da imagem técnica deve visar o branqueamento dessa caixa. Dada a dificuldade de tal tarefa, somos por enquanto analfabetos em relação às imagens técnicas. Não sabemos como decifrá-las.”
“O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, a fim de descobrir sempre novas potencialidades. Seu interesse está concentrado no aparelho e o mundo lá fora só interessa em função do programa. Não está empenhado em modificar o mundo, mas em obrigar o aparelho a revelar suas potencialidades. O fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele.”
“(…) o fotógrafo crê que está escolhendo livremente. Na realidade, porém o fotógrafo só pode fotografar o fotografável, isto é, o que está inscrito no aparelho. E para que algo seja fotografável, precisa ser transcodificado em cena. O fotógrafo não pode fotografar processos.”
“O receptor pode recorrer ao artigo de jornal que acompanha a fotografia para dar nome ao que está vendo. Mas, ao ler o artigo, está sob influência do fascínio mágico da fotografia. Não que explicação sobre o que viu, apenas confirmação. Está farto de explicações de todo o tipo.”
“Os fotógrafos são inconscientes de sua práxis. A revolução pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho fotográfico, passou desapercebida pelos fotógrafos e pela maioria dos críticos de fotografia. Nadam eles na pós-indústria, inconscientemente. Há, porém, uma exceção: os fotógrafos assim chamados experimentais; estes sabem do que se trata.”
[…] Um dos autores mais profícuos na discussão da natureza da fotografia em lingua portuguesa é Arlindo Machado. Em A Ilusão Especular, ele faz uma defesa eloqüente do caráter interpretativo e simbólico da fotografia, negando a visão de que a mesma seria um espelho do real. No artigo “A Fotografia como Expressão do Conceito”, publicado no número dois da revista Studium, Machado realiza novamente essa defesa, debatendo a concepção da fotografia como índice proposta por alguns autores. Para isso, ele baseia a tese em Flusser e sua filosofia da caixa preta. […]