Como com tudo na vida, assim que olhamos para uma foto, uma série de pensamentos surge na nossa mente. Geralmente, esses pensamentos são julgamentos ou avaliações: “essa foto é bonita”; “o horizonte está torto”, “a mensagem é fraca”, “que cena impactante”, “o fotógrafo usou filme” e inúmeros outros. Podemos fazer avaliações das mais diversas ordens: em relação ao conteúdo da foto, em relação aos aspectos técnicos, contextos históricos, referências ao autor e assim por diante.
Ou seja, quando olhamos para uma foto, não estamos realmente olhando para a foto, e sim para os nossos pensamentos sobre a foto. Embora seja totalmente natural, essa postura faz com que estejamos sempre um passo atrás da conexão direta com aquilo que nos cerca. É como se estivéssemos o tempo todo nos relacionando apenas com nós mesmos, e não com aquilo que percebemos. Talvez você esteja fazendo isso nesse momento, ao ler esse texto: concordando, discordando, fazendo relações com outras coisas que você já leu.
Estar realmente na relação com aquilo que percebemos é chamado por alguns pensadores de “experiência pura”. O filósofo japonês Kitaro Nishida¹, por exemplo, descreve algumas características da experiência pura:
- É uma experiência direta do mundo
- É pré-reflexiva, ou não-conceitual
- É um simples fato
- Dissolve as distinções entre o interno e o externo, entre sujeito e objeto
Ou, seja, é uma experiência que não é mediada pelos pensamentos ou avaliações, em que não há distinção entre o observador e o observado.
Essa não é a forma com a qual estamos acostumados, especialmente na nossa cultura ocidental, a nos relacionar com as coisas. Ao contrário, valorizamos até demais os nossos pensamentos e julgamentos; nos atemos a eles e muitas vezes nos prendemos tanto às nossas opiniões que podemos ver a realidade de maneira distorcida. Temos grande dificuldade em ver o que é simplesmente como o que é.
Já se fala na fotografia contemplativa, em que esse espírito de se relacionar de outra maneira com o mundo se aplica ao ato de fotografar. Mas indo além, talvez seja possível aprender a contemplar fotografias. Uma das maneiras seria através de um simples exercício:
- Escolha uma fotografia. Qualquer uma serve.
- Tente se colocar numa posição relaxada e confortável.
- Respire profundamente, notando a sensação de inspirar e expirar
- Olhe para a fotografia. Tente simplesmente percebê-la, notando as sensações que ela gera.
- Quando os pensamentos surgirem, especialmente de avaliação, note-os e deixe-os ir e volte a sua atenção à fotografia e note as sensações que estão presentes.
Para muitas filosofias, a contemplação é parte fundamental para uma vida mais rica. O julgamento obscurece nossa compreensão, uma vez que nos faz classificar e, a partir dessa classificação, buscamos nos aproximar ou nos afastar. Por isso, ficamos num jogo de gato e rato com a vida. Ficamos mais rígidos e presos às nossas opiniões, gerando sofrimento para nós mesmos. A contemplação é ver as coisas simplesmente como elas são, ampliando a nossa percepção e permitindo que vejamos todas cores do mundo, em vez de ficar no preto ou branco.
Referência:
1. Nishida, K. (1990). An Inquiry into the Good. New Haven: Yale University Press.
Foto do cabeçalho: Samuel Zeller
Gostei muito. Consigo deixar de julgar, não consigo deixar de pensar.
Quem consegue, não é mesmo? Seu comentário foi bom, pois eu poderia ter ressaltado no texto que a ideia não é parar de pensar, mas direcionar a atenção para algo que não os pensamentos. Obrigado.
Texto muito interessante. Estamos intoxicados de tantas imagens que realmente não vemos ou compreendemos, Nós vemos, mas não olhamos., não enxergamos realmente o que vemos. A experiencia visual fica perdida e nós mais pobres existencialmente.