Quando a fotografia assume um papel de relativa importância na vida de alguém, ela pode ser uma ilustração de como aquela pessoa encara a sua própria existência e o mundo à sua volta. Sendo assim, a fotografia pode ser um instrumento de autoconhecimento. Para tanto, é preciso olhar para a própria produção e, mais importante ainda, para a maneira como a fotografia permite nos relacionar com o mundo. Algumas perguntas podem servir como guia para a compreensão de si através da fotografia, como as que são listadas abaixo. Gostaria de ressaltar, no entanto, que essas são apenas direções iniciais, quase uma brincadeira. Pois o autoconhecimento é algo que demanda tempo, coragem e persistência a fim de conseguir olhar para dentro e reconhecer aquilo que se é de fato, pois não é raro que passemos grande parte da vida fazendo o oposto, que é fugir de nós mesmos.
1. Qual é a sua motivação para fotografar?
Muitas razões podem nos levar a começar a fotografar. O encantamento com a estética da fotografia, com sua expressividade, com sua força. A presença da fotografia é quase universal na nossa cultura. E, de uma forma ou de outra, todo mundo fotografa. Sendo assim, é um passo simples encará-la como uma atividade que nos proporcione algum tipo de significado, ou de sentido. Podemos tentar fazer com que a nossa fotografia fale por nós, expresse nossa visão. Todos nós procuramos por algo, e a arte — no caso, a fotografia — pode ser um pilares em que sustentamos nossa busca.
2. O que você consegue através das suas fotos?
Nem sempre aquilo que nos mantém fotografando foi o que fez com que começássemos a fotografar. No meio do caminho, podemos conquistar o reconhecimento que almejávamos, o que pode ser tornar uma armadilha: pois passamos a ter como objetivo manter o reconhecimento, e por isso passamos a fotografar para agradar, para manter-se num determinado padrão que funcionou. É fácil nos enrijecer e sabotar a própria criatividade quando a fotografia começa a dar certo. Perguntar-se, então, qual a função atual da fotografia na própria vida é uma forma de entender o que valorizamos, o que exerce influência sobre nós e, sobretudo, se o caminho que estamos percorrendo é o que de fato queremos percorrer. Se não for, talvez seja necessário deixar de fotografar apenas para agradar e receber elogios. Entretanto, passa-se a ser mais coerente com a motivação pessoal, resgatando a autenticidade, muitas vezes tendo a rejeição como preço.
3. O que você fotografa?
Pessoas? Lugares? Detalhes? Formas? Fotografamos aquilo que nos interessa, que nos é importante, que nos diz algo. Em resumo, fotografamos aquilo que vivemos, que experimentamos. Não podemos fotografar algo com o que não estamos tendo contato direto, no momento. Nas nossas fotos encontramos aquilo com o que nos envolvemos.
Às vezes gostaríamos de fotografar algo diferente daquilo que conseguimos de fato fotografar. Sonhamos com fotografar certos lugares, pessoas ou situações. Podemos entender esse desejo como um desejo de que a nossa vida talvez fosse diferente. Perguntar-se “fotografo aquilo que é significativo para mim?”, de certa forma pode significar: “vivo a vida que quero viver?”.
4. Qual a importância da técnica para você?
A forma como fotografamos e como editamos as nossas fotos pode dizer bastante sobre a nossa forma de lidar com as situações da vida, de forma geral. Você fotografa de forma espontânea, despreocupada ou meticulosa, buscando a melhor técnica, a melhor luz, o melhor enquadramento? O quanto você é severo com a qualidade das suas próprias fotos? Você busca controlar o ambiente em que fotografa, montando cenários, criando luzes? Ou apenas fotografa aquilo que vê, do jeito que está lá? Deixa a fotografia como ela sai da câmera ou passa um bom tempo fazendo ajustes nos programas de edição de imagens? Não existe um jeito certo ou errado de abordar a fotografia, do mesmo jeito que não há uma maneira certa de se viver. A questão apenas é identificar qual é a sua maneira.
5. Qual a importância do equipamento para você?
É impossível fotografar sem uma câmera. A forma como nos relacionamos com a nossa fotografia muitas vezes engloba a forma como nos relacionamos com nosso equipamento. Geralmente desenvolvemos um certo apego, pois é a câmera que nos permite registrar aquilo que vivemos ou criar expressões do que sentimos em uma determinada experiência. No entanto, não é raro que a fotografia se torne um mero pretexto para o consumo e a manipulação de aparelhos. Você sabe que está nesse ponto quando passa mais tempo “testando” seus equipamentos do que de fato colocando-os em uso. Quando de fato estamos usando o equipamento para fotografar, ele fica em último plano. Quando fotografamos para usar o equipamento, ele é o protagonista.
6. O que você faz com as suas fotos?
Depois de fotografar, as fotos podem ter diversos destinos: permanecerem esquecidas em algum HD ou cartão de memória, serem publicadas em redes sociais ou galerias online, impressas, emolduradas, presenteadas, expostas. Olhar para esse aspecto permite esclarecer melhor qual é o papel da fotografia para você: ela pode servir apenas para recordação, para expressão, para buscar reconhecimento ou dinheiro. Mostrar fotografias é uma forma de falar. De que forma você fala? Você monologa, dialoga? Sua fala é simples ou é complexa? O que você tem a dizer? E a sua fotografia, o que diz?
7. O que você vê quando olha para suas fotos?
Quando você olha para suas fotos, você vê a si mesmo. Na maior parte das vezes, você não estará lá — a menos que você seja um aficionado por autorretratos. Ali estará o que você viu, o que você viveu. Quando você percebe o fluxo do tempo, dos interesses, dos lugares e das pessoas cuja luz passou pelas lentes da sua câmera, você tem uma boa impressão disso que chamamos de “eu”. É possível que esse “eu” seja algo ilusório — assim como as fotografias, que também não são a realidade — mas é nessa ideia de continuidade que se baseia nossa identidade.
É bom lembrar, entretanto que há um porém nas fotografias e que nos adverte que talvez não devamos nos apegar demais ao que está ali. A fotografia, por mais fantástica que a possa ser, tem uma limitação crônica: está sempre situada num momento que não é mais. Da mesma forma, você não é mais o que foi ontem, e amanhã será diferente do que é hoje. Conhecer-se significa reconhecer esse fato básico sobre nós mesmos: que o que encontrarmos será sempre algo momentâneo, tal qual um instantâneo fotográfico.
Usando uma analogia eu me “auto-conheci” no seu artigo.
Isto porque para mim a fotografia funciona em muitas ocasiões como vc fala.
Eu vejo a fotografia como uma extensão da minha vida, dos momentos que vivo e das passagens que tenho.
Não me importo muito com “fotografia-obra-de-arte”, com imagens que represente belas paisagens, cenários esplêndidos e etc.
Apesar disto me preocupo com a técnica … gosto de compor, gosto de utilizar elementos dos cenários com objetivos específicos …
E na parte de equipamentos minha única preocupação é com o aspecto final de minhas imagens, sem me ater a upgrades e novos equipamentos a todo momento.
Como sempre, as imagens escolhidas para ilustrar o artigo são pontuais.
Abraços.
Peri,
Obrigado pelo comentário. Acho que a sua abordagem é muito válida e com certeza a sua fotografia reflete muito claramente quem você é e aquilo que você vive. Talvez a forma como apresentemos a nossa fotografia seja, de algum modo, a forma como queremos apresentar o que somos para os outros. Você escolhe fazer isso de uma forma simples.
Abraço.
Rodrigo, também me identifiquei com o artigo e compartilhei no face.
Um abraço
Muito obrigado, Celso. Grande abraço.
Adorei teu texto, me vi nele…
Tomei a liberdade de adicionar uma imagem a um trecho dele.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=725719814122389&set=a.191175020910207.53475.100000531329225&type=1&theater
abs
Muito obrigado, Joanna! Fico feliz que tenha gostado assim do texto.
Artigo maravilhoso. Estou estudando Miksang ou Fotografia Contemplativa e esse artigo veio de encontro as coisas que acredito e sinto.Parabens e obrigada por compartilhar suas ideias!
Obrigado, Nise. Também gosto da Fotografia Contemplativa. Que bom que o artigo foi útil.
Muito bom ! Compartilhando também