Em um dos últimos textos, falei de como as fotografias, através do seu corte no tempo, atestavam a morte de um momento. Entretanto, e talvez pelos mesmos motivos, o ato de fotografar é um tributo ao momento presente. Existem poucas atividades que trazem tanto a nossa atenção ao instante imediato do que enquadrar uma cena através do visor de uma câmera. Nos instantes que precedem a tomada da foto, não há preocupações com o futuro ou o passado: desligamos, ainda que brevemente, nossa torrente de pensamentos que nos arrasta para longe do presente e focamos no aqui e no agora.
As filosofias orientais costumam ressaltar a importância de voltar-se para o momento presente. Estamos constantemente pensando, planejando, antecipando ou fazendo alguma coisa. Podemos passar dias, meses ou anos com nossas mentes ligadas nesses processos, sem nunca parar um momento e simplesmente viver o instante em que se está. Se pensarmos que na verdade não há passado ou futuro, é ainda mais estranho o quanto gastamos de tempo vivendo em função deles.
Fotografar, então, pode ter essa função. Não é possível fotografar o que já passou ou o que será. Somos obrigados a nos voltar para o que está acontecendo no momento, no lugar em que estamos. Temos que lidar com o que está disponível. É comum que depois de um tempo dedicando-se à fotografia como atividade de lazer ou profissão, passemos a olhar o mundo com um olhar diferente, enquadrando e compondo cenas que se formam na nossa frente. Talvez esse exercício também possa nos ajudar a retornar para o aqui e o agora mesmo quando não estamos com a câmera nas mãos.
Quando fotografamos, estamos criando, de certa forma, o enredo das nossas vidas, montado a partir dos milhares de momentos presentes que passamos. Mesmo quando estamos preocupados com questões técnicas, mesmo que estejamos fotografando num estúdio, por mais artificiais que possam parecer as situações, mesmo assim, fotografamos aquilo que vivemos, sempre. Algumas vezes, quando queremos fazer uma fotografia especial, tomamos cuidado com a técnica, gastamos tempo com o pós-processamento, estamos, metaforicamente, tentando escrever um pequeno conto, uma narrativa mais elaborada a partir daquilo que testemunhamos. Inversamente, quando sacamos o celular para uma foto rápida, estamos anotando um lembrete num bloco de notas. Mas, quer a foto seja uma narrativa elaborada, quer seja uma nota rápida, são igualmente relatos daquilo que vivemos.
Se abandonarmos por um momento todas as questões criativas, artísticas e estéticas envolvidas, focando apenas nessa característica da fotografia enquanto testemunho, relato ou demonstração de alguns de nossos momentos, torna-se difícil olhar as fotos de forma crítica. Todas elas são igualmente banais e igualmente significativas, independentemente de como foram feitas. Cada foto representa um instante de alguém. E somos bilhões de alguéns passando de um instante a outro constantemente. Como algo poderia ser mais comum? Por outro lado, não há nada além disso. Como algo, então, poderia ser mais sublime?
Tendemos a organizar tudo que percebemos de acordo com classificações, julgamentos, análises, aplicando constantemente um ou outro critério, um ou outro referencial. Será possível tomarmos as fotos – e talvez outras coisas – apenas como aquilo que são? Nada e tudo ao mesmo tempo?
Rodrigo, hoje li este seu texto na minha reunião com a minha coordenadora. Estou com um projeto de fotografias com crianças de 4 anos e o que escreveu caiu como uma luva para pensar o olhar que elas estão registrando.
Muito bom o texto!
Legal, Carla, fico contente que tenha sido útil.