A maioria absoluta das fotografias tem como intenção o registro de um determinado evento. Ainda que feita com um viés estetizante, buscando embelezar um determinado acontecimento, as fotografias feitas quotidianamente se pautam na magia fotográfica de eternizar, congelar, capturar, solidificar, que ainda está presente no imaginário da maior parte das pessoas. O “isto-foi” de Barthes, tão criticado, é ainda a pedra angular da fotografia na concepção geral.
Se tomarmos essa visão como premissa, podemos inferir que o desejo da pessoa que fotografa é, de fato, tornar um momento eterno. O fotógrafo que lança mão de sua câmera numa festa de aniversário, numa viagem ou numa reunião com os amigos deseja que aquele momento dure para sempre; e é a máquina fotográfica que lhe possibilitará isso, através de seu poder mágico.
Infelizmente, o congelamento do tempo oferecido pela câmera tem um inconveniente: ele só se concretiza numa folha de papel ou numa tela. Após o flash, o tempo real continua andando. Não importa o quanto se fotografa, quanto tempo o obturador fica aberto, quantas fotos são feitas em sequência: o relógio não para de andar.
E aí, as pessoas olham para as fotos, que podem ter sido feitas no dia, no ano ou no século anterior. Elas dizem: “eu era feliz”, “eu era jovem”, “eu era bonito”, o que significa, também que: “hoje, eu sou triste”, “hoje, estou velho”, “hoje, sou feio” – ao menos em comparação com o personagem da foto. A fotografia, o momento congelado no papel, torna-se, então, um lembrete constante de que o tempo passou e não voltará. Não é à toa que muitos autores associam a fotografia à morte.
Dizem que a fotografia imortaliza. Verdade. Mas o que ela imortaliza é aquilo que aparece no papel ou na tela. O que está fora do papel, o nosso mundo real, é mortalizado a cada disparo. A fotografia mata tudo aquilo em que toca, ao congelar um momento que já não é mais o mesmo logo no instante seguinte. Sempre seremos mais velhos do que aquele que aparece nas nossas próprias fotos.
Os álbuns guardam as imagens de um dia, um mês ou uma vida, mas não contêm em si as sensações que elas provocam: estas estão em nós e continuaram mudando junto com o mundo que permaneceu estático na foto. A fotografia escancara o nosso desejo de parar o tempo, de deter o avanço natural das coisas e, traiçoeira, torna mais evidente a nossa incapacidade de fazê-lo. Como se não bastasse, ainda ri, ao nos fazer suspirar frente a algo que não volta mais.
Uma visão pungente e de certa forma verdadeira. Um bom artigo, Rodrigo, um daqueles que fala na primeira pessoa.
Tenho muitas fotografias familiares de muitos anos ou décadas. As mais antigas, delas sinto-me tão apartado a ponto de parecer coisa de um estranho. As mais novas, principalmente as familiares de 20 anos para cá, soam pungentes quando as vejo, e olho nelas meus familiares com uma espécie de amor e gratidão, e os vejo lá como eram e cá como são, ambas as coisas igualmente boas, mas não iguais.
Nos livros do Harry Potter há a história de um espelho mágico no qual todos os que se olham vêem nele seu desejo realizado, espelho esse que fica em uma sala oculta porque as pessoas podem ficar viciadas em ver-se como desejam. Diz o personagem Dumbledore ao Harry Potter que o homem feliz vê apenas a si mesmo no espelho.
Por certo aspecto, as fotografias do passado são assim como esse espelho. O interessante da fotografia é que mesmo quando é banal no seu tempo de feitura torna-se extraordinária 20 anos depois. Mas isso é uma digressão. O que quero dizer é que comparando com o tal espelho, talvez possamos substituir o homem feliz pelo homem que vive o presente. O homem que vive o presente pode experimentar essa inevitável pungência de ver o passado sem nele perder-se em emoções de perda pelo que sequer existiu. Mas viver o presente não é tão fácil, aliás, não é nada fácil.
Grande abraço, gostei muito deste.
Curioso é que o mesmo Barthes, falando da (grande) literatura, apropriou-se da expressão ‘petit mort’ sem pensar em usá-la para a Fotografia (por que não era fotógrafo…?). Sabemos que o tempo pára, sim, mais no *fazer* do que no ver e rever; mas não é uma fórmula da felicidade viver o presente num continuum orgásmico.
Olá,
Gostaria de publicar um Artigo sobre Fotografia e Morte.
Se tiverem interesse, me avisem!
Obrigada!
Att.,
Maria Paula, é só enviar para rodrigo@camaraobscura.fot.br para que eu possa dar uma olhada, ok?
Sou estudante de psicologia e, nas horas vagas, comecei a estudar sobre fotografia também.Por isso, com muito prazer percebi um link feito entre fotografia e psicanálise! Sinceramente ainda não havia lido sobre isso em lugar nenhum e ainda por cima nunca havia parado pra refletir sobre. Com toda certeza, a junção das duas coisas emprestou uma beleza ainda maior tanto no momento de fotografar quanto de apreciar os momentos da vida.
Agora, refletindo com base no que Freud disse, há em nós uma exigência de imortalidade, e, nesse sentido, a fotografia quando se propõe a congelar o tempo (ainda que 1 segundo) alimenta nosso desejo inconsciente de imortalidade. Sim, o inconsciente nesse sentido é atemporal!
Continuarei acompanhando as postagens!