Ontem, o Eduardo Buscariolli indicou a leitura de dois posts de fotógrafos colaboradores da National Geographic Brasil. A NatGeo sempre foi vista como uma referência em fotografia, então é interessante saber o ponto de vista dos seus profissionais sobre o tema. Pois bem, no texto “Liberdade”, de Ivan Petterle, há o seguinte questionamento:
Sinto que existe um cansaço evidente na atual fotografia de caráter documentarista. Mostrar o exótico ou a beleza de coisas naturalmente belas, é na minha opinião, uma armadilha para cair-se na obviedade. Desperdiçamos, assim, uma possibilidade de se fazer imagens originais e criativas. É necessário libertar-nos de velhas e batidas fórmulas que apenas trazem tédio ao público espectador.
No outro texto, “Jornada fotográfica feita de ousadia e criatividade”, Roberto Linsker sugere:
Desde o início dos tempos impressos a figura do editor era o filtro em si, sem sequer precisar ver o material. Por “coerência” editorial ou por puro e simples medo de rejeição, nem se mostravam algumas imagens. Guardavam-se essas “coisas” como trabalho autoral, aquele que poderia vir a ser no futuro seu livro. Vejam só que mudança, quase ironia. Como hoje não há mais pautas, nem briefing, nem páginas, o fotógrafo não precisa mais passar pelo sofrido crivo do editor, vai direto ao seu trabalho autoral, encurta seus esforços e o período de produção e rapidamente tem algo “seu”.
O Eduardo vem e pergunta: “será que está caindo a ficha?” Eu respondo com outra pergunta, que inclusive publiquei no Twitter ontem: “será que a fotografia digital será para a fotografia o que a fotografia foi para a pintura?” Não apenas a fotografia digital, mas a fotografia digital mais os meios de comunicação imediata que temos hoje – internet, celulares, redes sociais, interatividade. Um pouco daquilo que o Flusser chamou de telemática em “O Universo das Imagens Técnicas”.
macarena ternicien loma-osorio
Não resta dúvida que a fotografia digital e sua distribuição automática colocaram o fazer fotográfico numa encruzilhada. Em geral, há por parte dos fotógrafos “da antiga” um certo desprezo pela popularização da fotografia. O argumento é de que hoje qualquer um fotografa e ainda obtém bons resultados, por conta dos automatismos nas câmeras. Pergunto: por que isso é um problema? Não é ótimo que as pessoas possam fotografar mais e melhor? Acredito que há, por quem critica, um desagrado porque uma atividade que antes demandava um certo nível de conhecimento hoje é mais barata e acessível, fazendo com que esse conhecimento seja desvalorizado.
Mas, talvez, essa mudança no paradigma da fotografia que vemos hoje já encaminhe a saída dessa encruzilhada, como os fotógrafos da NatGeo estão percebendo. Há 150 anos a fotografia colocou a pintura em cheque, já que assumia a função de retratar a realidade através de um realismo praticamente impossível através do pincel e da tinta. Adicionalmente, tornou os retratos mais populares, levando a uma reação parecida com a que vemos hoje, já que qualquer pessoa podia, agora, ter sua própria imagem gravada num pedaço de papel de forma mais simples e barata. No entanto, a fotografia permitiu aos pintores liberarem-se da incumbência de retratar fielmente a realidade, abrindo espaço para movimentos artísticos como o impressionismo, o expressionismo, o modernismo etc.
Hoje tudo é fotografável e todos fotografam. Vejo isso como uma oportunidade para levar a fotografia um passo adiante. Como disse o Ivan Petterle, mostrar as coisas como elas são já é óbvio, é o que todos fazem. Todo mundo está registrando tudo o tempo todo. A solução, para os que querem se diferenciar, é injetar criação na fotografia, usá-la não como espelho ou registro, mas como instrumento de transformação, transformação essa que representa a concepção do fotógrafo. Essa é a ficha que está caindo.
Tenho visto cada vez mais aspectos positivos na fotografia digital associada à internet. Se por um lado ela parece banal, por outro nos permite ver a vida e o mundo de uma forma que jamais havia sido possível. Se por um lado ela torna o mero registro algo comum, por outro empurra o fotógrafo para a criação. Tudo é válido, e cada um pode escolher o caminho que quiser. As portas estão abertas.
Interessantíssimo o post. Venho há um certo tempo travando essa discussão com meus alunos de fotografia. Até que ponto o fotografo fica livre para construir uma imagem com seu “poder autoral” e até onde os editores interferem na produção.
Isso depende para que é a tal captura que dentro do contexto no qual será usado a determinada imagem, o fotografo ora tem que ser apenas um produtor de registro, ora pode libertar a sua criatividade e colocar na prática todo aquele olhar romântico ou até mesmo sensacionalista.
Exemplo disso vivenciei em meus 3 anos em foto jornalismo, onde em um homicídio tinha eu na parte artística /sensacionalista e do outro lado o perito registrando todas as evidências na montagem do processo.
É pertinente pararmos pra pensar no ato fotográfico e a finalidade para a qual vai ser utilizado a determinada imagem, pois entre fotografo / fotografado e aplicabilidade da imagem, cabe antes de tudo um bom briefing para não confundir arte com meros registros.
[…] This post was mentioned on Twitter by Rafael Habermann and Melissa Andreata, Rodrigo F. Pereira. Rodrigo F. Pereira said: "Sim, a ficha está caindo", artigo do Câmara Obscura: http://wp.me/peyqW-pa […]
Rafael,
Você tem razão: quando a fotografia tem um certo propósito, é preciso cumpri-lo, especialmente quando se trata de jornalismo. Mas o mero registro está cada vez mais banal. Vá num casamento e verá dezenas de convidados “registrando” o evento. O fotógrafo profissional, ou mesmo o amador que quer produzir algo de qualidade, precisa criar, desenvolver seu estilo, seu olhar. Ou sua produção se perderá no mar de fotografias na qual estamos mergulhados até o pescoço.
Obrigado pelo comentário.
Há um propósito nessa fotografia, esse que originou a conversa – não a chamo de fotojornalismo, já que ela sempre pretendeu ir um pouco além. Bom, parece que a saturação provocada pela era digital, torna esse propósito ou objetivo quase inatingivel. Não seria chutar muito longe, supor que essa saturação, seria o que tirariam um pouco o peso da imagem-técnica das costas da fotografia.
Interessante ver que certos fotógrafos, mesmo trabalhando em veículos que por tradição secular teriam como diferencial a fotojornalismo autoral (seja lá o que isso signifique), ainda assim querem algo mais. O caso Izan já vem de algum tempo (http://goo.gl/PwE3y e http://goo.gl/Ond1Z) e haverão mais erros que acertos, como sabem os que procuram sua própria verdade.