Recentemente, uma velha discussão tem se propagado por alguns blogs nacionais sobre fotografia: a questão da manipulação da imagem através de programas como o Adobe Photoshop, os seus limites éticos e estéticos e a definição do que está ou não no campo da fotografia. Primeiro foi o Olha, vê, do Alexandre Belém, que trouxe a notícia do TOP com os casos de fotos de conteúdo jornalísticas com tratamento “pesado”. Depois foi o Clicio Barroso que alimentou a polêmica ao publicar fotos de sua autoria sem tratamento. A discussão se espalhou por outros blogs, como o Let’s blogar, do Danilo e fóruns como o BrFoto.
O assunto é espinhoso porque mexe com muitas concepções arraigadas sobre o que é a fotografia e como ela deve ser feita. Defende-se, sobretudo, que a fotografia é uma emissora de verdade e que esse papel santificado não pode ser profanado. Valoriza-se, ainda, o fotógrafo que não precisa de Photoshop, como se o mesmo fosse uma muleta para a incapacidade do mesmo em fazer fotos boas do jeito que deve ser feito: só com a câmera.
Se dermos dois passos para trás e olharmos essa confusão de forma global, veremos que essas posições — e essas preocupações — são de duas vertentes da fotografia, o fotojornalismo e a fotografia publicitária, ambas que tem, de alguma forma, uma ligação com a verdade. E muita gente que não está nem aqui nem ali mas acha que a fotografia é só isso embarca nesses preceitos da boa conduta.
Tanto o jornalismo como a publicidade dependem (e defendem) o status da fotografia como descrição da realidade, como atestado da verdade. O primeiro porque precisa da credibilidade que a fotografia oferece para sustentar a sua atividade e a segunda porque pega emprestada essa credibilidade com finalidades comerciais, e é irônico que a fotografia publicitária é que mais emprega o tratamento de imagem. Mas o resultado final, por mais irreal que seja, precisa ser convincente, ou seja, mostrar que o resultado do produto é real. Quando isso não acontece, e o tratamento “dá errado”, a ilusão é desfeita.
Poderíamos recorrer mais uma vez ao mestre Arlindo Machado e repetir a velha ladainha que a fotografia é apenas uma interpretação, que ela, mesmo quando sai direto da câmera tem as suas grandes distorções e que uma foto original não é mais real do que uma pesadamente alterada pelo Photoshop. Mas, em vez disso, podemos olhar para algumas fotografias em que esse tipo de questão nem mesmo se apresenta.
As três fotos acima (agradeço aos autores por autorizar a utilização) apresentam, sobretudo, conceitos fortes, que se sobressaem à construção compositiva e à questão estética — não significando, apesar disso, que estes fatores estejam prejudicados. Ao olhar para cada uma delas, podemos listar uma série de indagações que surgem, mas com certeza não será a primeira delas “foi usado tratamento?”, ou “com que câmera foi feita?”. Na verdade nos perguntaremos qual é a impressão que elas nos causam, qual a intenção do autor, qual o jogo de significado presente aqui. E, a partir daí, entendemos que há toda uma categoria da fotografia no qual as perguntas relevantes são outras.
O que podemos concluir, então, é que para a fotografia personalista, ou seja, aquela que tem alguma ligação com a produção artística por si só, alguns tipos de questão não cabem. Manipulação ou não, equipamento, cortes, aspectos técnicos, são questões infinitamente menores. A fotografia pessoal, autoral, artística, não tem limites e não tem compromissos que não os do próprio autor consigo mesmo. Sendo assim, tudo é permitido e qualquer limite externo é um tolhimento da criatividade. Vale, então, para os fotógrafos amadores que buscam a fotografia como forma de expressão, esse tipo de referência, e não a referência rígida da publicidade ou do jornalismo, pois as preocupações dessas vertentes só fazem sentido dentro delas mesmas e não no campo imensamente mais amplo da arte.
Eu concordo que o fotojornalismo dependa e defenda o status da fotografia como descrição da realidade. E acho que é um objetivo válido e que deve ser perseguido. A realidade, na verdade, significa o mais fiel a realidade daquele ponto-de-vista. O resto é bobagem. Se o vermelho é um pouquinho diferente, realmente não vem ao caso. O que não é aceitável, seria trocar o vermelho por azul ou colocar elementos que não estavam na cena daquele ângulo e naquele momento.
Quanto a fotografia publicitária, acho que nunca teve vínculos muito fortes com a realidade. O que interessa é criar desejos, seja por que artifício for. O interesse é mostrar que o produto é melhor do que é e é melhor do que os concorrentes. Você deve adquirir para ficar ‘in’ ou será um marginal. Em uma sociedade capitalista e de consumo, não poderia ser diferente. Ela deve mostrar o sonho. A verdade vem em segundo plano.
Parece que a fotografia passa por ‘crises de identidade’ com muita facilidade. Antes era para saber se era ou não arte. Agora, muda o meio (película x digital) e discute-se se o que é feito por programas de manipulação vale tanto quanto o que era feito no quarto escuro.
Em 1964 Pete Turner fez uma foto da silhueta de uma girafa (na época não existiam programas para a manipulação de imagem). O resultado pode ser visto em: http://www.peteturner.com/Classics/images/01.jpg Foi feita com uma câmera análoga. Era ou não fotografia?
Olá Rodrigo, boa noite. Logo logo escreverei um comentário sobre o problema que você coloca. Não queria, porém, deixar passar o domingo sem lhe agradecer a inclusão de um dos meus trabalhos no seu artigo. Até breve, Francis.
“Mulheres de Verdade no Shopping Fashion Mall
Neste primeiro momento, as consagradas beldades (ou seja, aquelas que já tem validada sua beleza pela mídia impressa e eletrônica) aceitam passar por esse semi-mico de posar com apenas uma demão de skin layer. Depois de amanhã, quem sabe sairão dos HD para as paredes as sequências “antes—depois” de maquiadas para manipuladas; será bem mais divertido, o retrato de uma era, sem dúvida (a la Photoshop Disasters)
Curioso é que no cartaz as mulheres são todas “iguais”, e como se não bastasse, em P&B (creio que há apenas 1 modelo de pele negra)
Criou-se um mito de “trapaça” quando se usa o photoshop para melhorar uma foto, mas isso já era feito desde o início dos tempos da fotografia. Pergunte a qualquer um da antiga que trabalhou com laboratório e eles vão lhe dizer que não há foto sem tratamento. A técnica de deixar “queimar” mais uma parte da fotogradia pra melhorar o contraste o uso de canetas especiais para pequenos retoques foram amplamente utilizadas pelos laboratoristas. O que se vê hoje é uma democratização dessas técnicas no digital. O que é condenável é a alteração do contexto de uma foto jornalística com a manipulação (seja analógica ou digital), tal como tem ocorrido em alguns casos.