O Adriano Santos, que montou uma sala virtual de estudos fotográficos, me pediu pra escrever um texto falando sobre esse tipo de iniciativa. Segue o artigo que enviei a ele.
Desde a popularização da internet e da fotografia digital, tornou-se possível fazer coisas antes bem mais difíceis, senão impossíveis. Uma das possibilidades é formar grupos de discussão com membros espalhados por uma cidade, país ou até pelo mundo e trocar não só informações textuais, mas também a troca de imagens. Este é um cenário extremamente favorável para grupos de estudo sobre fotografia. No entanto, como aproveitar bem estes espaços?
Tendo participado de algumas iniciativas reais e virtuais, penso haver alguns fatores que contribuem e outros que atrapalham o bem andamento das discussões e o desenvolvimento do grupo. Em primeiro lugar, a sua estrutura: proprietários, coordenadores, moderadores e afins devem ser proporcionais ao número de membros. Ter gente coordenando ou direcionando parece só valer a pena para grupos de mais de 20 participantes ativos. Com menos do que isso, os rumos podem ser decididos pelos próprios membros em patamar de igualdade. Do contrário, fica uma “tribo” só de chefes. A vantagem dos grupos pequenos é justamente permitir que cada pessoa tenha uma participação ativa, que é valorizada como a de qualquer outro.
Outro aspecto da organização se refere à abertura do grupo. É livre ou fechado? Público ou privado? Esse tipo de decisão está relacionado diretamente aos objetivos do grupo. Deseja-se criar um espaço que esteja permanentemente em expansão ou a prioridade é preservar a qualidade e o nível de participação dos membros?
Quando se pensa nos objetivos, é preciso deixar claro qual a meta global do grupo. Será apenas um espaço para troca de fotos e comentários ou se pretende ir mais além, gerando exposições, publicações, participações em concursos etc.? Mesmo quando se coloca que o objetivo geral é a aprendizagem, bem, de que tipo de aprendizagem está se falando? De aspectos técnicos, estéticos, conceituais, práticos? É preciso que isso seja definido, pois a partir daí o tipo de estudo é diferente.
Um engano particularmente comum é acreditar que a prática é a melhor forma de estudo da fotografia. Se estamos falando de aprender os recursos técnicos da câmera, essa concepção pode até ser ligeiramente verdadeira. Mas para os outros aspectos, que são bem mais importantes, esse tipo de condução leva a uma evolução bastante lenta, quando há. Os melhores caminhos para basear estudos não-técnicos são a observação de obras (não apenas fotografias) de autores consagrados e a leitura de textos teóricos para transplantar suas propostas para a prática. Podemos utilizar um título como o A Ilusão Especular, do Arlindo Machado, que fala de como desconstruir a imagem fotográfica, e transformar em exercícios a serem feitos com a câmera. Mas o ponto de partida deve ser a leitura do texto. Geralmente o que diferencia bons fotógrafos técnicos de bons fotógrafos completos é que um permanece na prática, enquanto outro incorpora a leitura e a observação no seu fazer fotográfico. Sendo assim, uma boa sala de estudos deve ter membros que procuram constantemente o contato com outros autores e material teórico — ainda que isso não seja formalmente estruturado pelo grupo.
Mas é na troca de opiniões e debates sobre as produções dos membros que se desenvolve grande parte da atividade desse tipo de grupo. É nesse momento em que se torna público o resultado do ato de fotografar e se colhem os resultados dos esforços empreendidos. É uma etapa em que grandes progressos podem ser feitos, mas que há riscos da mesma magnitude. Quando se está num grupo pequeno, a vantagem é que todos se conhecem e que todos conhecem relativamente bem a trajetória, os interesses e objetivos de cada um. E isso facilita uma das atitudes mais importantes para a crítica fotográfica amadora, que é a aceitação do trabalho do outro. É preciso olhar o que está feito e não o que poderia ser.
Um dos enganos mais comuns é atribuir ao fotógrafo mais do que ele é capaz de fazer. A fotografia não é desenho nem pintura, portanto — excetuando-se situações de grande controle como a fotografia em estúdio — o fotógrafo não controla o que está na frente da lente. Ele não é responsável pela existência desse ou daquele objeto, desse ou daquele acontecimento. Dizer que uma árvore não combina com a cena não acrescenta nada, pois geralmente o fotógrafo não tem o poder de derrubar a árvore para fazer a foto. Da mesma forma, não tem cabimento elogiar o fotógrafo pela cena que foi fotografada. Achar que tudo é intencional é superestimar as possibilidades de quem está atrás da câmera e não olhar para as limitações da fotografia, algo essencial para quem quer estudá-la. A fotografia depende do referente e o fotógrafo aparece na foto pela utilização de algumas ferramentas, como o corte, a forma de operar a câmera, o aspecto visual através do tratamento e, em alguns casos o conceito, no qual o fotógrafo se utiliza do referente em conjunto com sua idéia para produzir uma mensagem, um símbolo.
Outro risco que os grupos virtuais correm é a auto-referência em demasia. Geralmente os membros têm afinidades de interesses, o que pode ser um grande problema. Cria-se um paradigma do que é válido e do que é a boa fotografia. E, a partir de um momento, o que se vê é apenas a repetição de um determinado padrão e o excesso de elogios que vão cada vez mais estreitando as possibilidades, pois os participantes se apegam mais ao padrão a fim de receber críticas positivas. Um amigo uma vez disse que a boa crítica é mais generosa do que o elogio. Portanto, é necessário que o grupo não se feche em si mesmo, buscando referências externas e diferentes das que se está acostumado, a fim de evitar o estabelecimento do padrão rígido. É interessante, também, que os membros organizem formas de expor os trabalhos a quem está fora do grupo, pois isso trará uma validação mais ampla, o que é fundamental para de fato verificar se o trabalho está sendo bom. Não adianta ter uma produção que só é válida dentro do grupo. Vira um grupo de confirmação, não de estudo propriamente dito.
O que se vê, então, é que ao mesmo tempo em que as possibilidades de troca virtual podem propiciar grandes benefícios a quem se utiliza deles, os riscos de não haver de fato evolução ou aprendizado existem na mesma proporção. De forma geral a balança pende para o lado positivo, e esta é uma iniciativa que vale a pena para todos que desejam se aprofundar na arte fotográfica. No fim das contas, para que o resultado seja bom, é preciso que os membros exercitem a consciência sobre si, sobre sua produção e sobre o grupo. Dessa forma, só se tem a lucrar com os grupos virtuais.
Rodrigo, gostaria de agradecê-lo agora publicamente pelo artigo e pela atenção dada à nossa iniciativa.
Eu acredito que a Sala de estudos fotográficos Brasil seja um lugar muito interessante para o exercício da fotografia. A troca de informações entre os membros, e os estudos mensais que realizamos sobre diversos temas, propiciam um integração muito gostosa e principalmente a possibilidade de enxergar diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto.
Convido a todos os leitores da Câmara Obscura a participar também.
Um grande abraço a todos.
Adriano