No ano passado, um dos diversos livros que li foi “A Ilusão Especular”, de Arlindo Machado. Poucos dos títulos com os quais tive contato me levaram a uma reflexão tão intensa quanto esse. Machado é professor de comunicação e semiótica na USP e PUC/SP.
Ele propõe, a partir de uma visão marxista, a desconstrução do código fotográfico que, segundo ele, está impregnado da ideologia burguesa dominante, refletida especialmente na perspectiva central advinda do Renascimento.
A questão da luta de classes e seu reflexo na fotografia pode ser interessante, mas eu estava especialmente interessado na desconstrução da fotografia que ele sugere como necessidade para o engajamento e verdadeiro contato com o referente.
O autor explicita, de forma contundente, os diversos meandros da fotografia na sua tentativa de se manter como fiel representação da realidade, e consequentemente, na manutenção da perspectiva central como uma representação realista e desprovida de uma ideologia intrínseca. A partir daí, mostra imagens que obtiveram êxito em se desprender dessas armadilhas, denunciando o próprio mecanismo de ação do chamado “efeito especular”.
Uma das questões centrais é o fato da fotografia, assim como as pinturas renascentistas, permitirem ao observador colocar-se no lugar do autor, tomando para si aquela perspectiva como real, sem perceber que seu olhar está preso e dirigido. A desconstrução desse processo implica necessariamente na denúncia desse movimento, produzindo imagens em que essa “transferência de subjetividade” não possa ocorrer, ao menos de imediato. Portanto, imagens em que a perspectiva é distorcida, ou que a leitura é difícil, servem a esse propósito.
De imediato associei essa questão ao que já discuti algumas vezes aqui, a “correção fotográfica”. Todos os manuais de fotografia ensinam, primordialmente, como montar uma ilusão eficaz. A busca por melhores técnicas e equipamentos nada mais é do que do que a busca pela ilusão mais perfeita. E o fotógrafo iniciante, em suas primeiras fotos, pode cometer deslizes como um corte de cabeças ou deixar sua própria sombra aparecer na foto. De pronto, um fotógrafo mais calejado apontará esses erros “ingênuos”. Ora, o que o iniciante fez, nesses casos, foi inocentemente denunciar a própria captura fotográfica, rompendo com o efeito especular. E o fotógrafo que o corrige, em nome de uma norma consensual, por vezes não percebe o que está envolvido nesse jogo.
Como finalização, deixo um trecho de uma entrevista do autor ao Jornal da USP, de 2001, que resume de forma clara a visão do autor sobre a fotografia:
Fotografia é a mais mal entendida de todas as mídias modernas. Isso é particularmente grave se considerarmos que ela é a base técnica e conceitual de grande parte das mídias de nosso tempo (cinema, vídeo, televisão etc.). No último capítulo de meu livro O Quarto Iconoclasmo, dedicado ao exame da fotografia, defendo a idéia de que esse meio não tem nada de ‘espelho do real’. Ele é um ‘texto’ como outro qualquer, que se constrói através de uma articulação simples ou sofisticada de seus elementos expressivos. Não há nem mais nem menos ‘manipulação’ numa foto (e, por extensão, num documentário, numa imagem de telejornal) do que num texto jornalístico, numa pesquisa de sociologia ou num tratado de filosofia. Isso não quer dizer que não exista uma ‘verdade’, um “fato” do qual buscamos nos aproximar, seja fotografando, seja verbalizando, mas essa aproximação só pode ser uma construção, necessariamente coletiva, que se dá num amplo processo de negociação entre os sujeitos sociais.
Link para o Currículo Lattes do Arlindo Machado
Atualizaçã0 (29/07/15): o livro, antes esgotado, voltou a ser reeditado pela editora GG Brasil.
Referência:
Machado, A. (1984). A Ilusão Especular. São Paulo: Brasiliense.
H? tempos que procuro por este livro.
Infelizmente est? esgotado e ainda n?o consigui encontr?-lo nas livrarias de usados.
Continuo aguardando…
Um abra?o.
Olá amigo, este livro foi re lançado hoje na Vila Madalena em SP. Você pode encontra lo na livrariacultura.com.br
Eric,
Tamb?m nunca o vi em livrarias. O exemplar que li foi emprestado. Mas j? o vi na biblioteca da ECA, na USP.
[…] mais profícuos na discussão da natureza da fotografia em lingua portuguesa é Arlindo Machado. Em A Ilusão Especular, ele faz uma defesa eloqüente do caráter interpretativo e simbólico da fotografia, negando a […]
Este livro é como cabeça de bacalhau. Ninguém viu. Por sorte, encontrei um exemplar no Rio de Janeiro há oito anos atrás. No site http://www.estantevirtual.com.br você encontra por R$ 200,00 a 365,00.
Olá,
Tenho o livro. Consegui na estante virtual usado, em ótimo estado de conservação.
Não estou conseguindo baixar o PDF. Seria para usar no Projeto de Extensão na UEFS: Sala de Cinema.
Se puderem enviar para meu email, agradeço.
Abraços,
Ivone.
valeu, rapaz! tentei comprar esse livro de todo jeito mas não se acha. boa iniciativa!
Acaba de ser reeditado pela GG Brasil: http://ggili.com.br/pt/tienda/productos/a-ilusao-especular