No capítulo 6 de seu “Ato Fotográfico”, Dubois levanta alguns pontos que julguei ser preciso discutir. O texto é basicamente sobre o corte na fotografia, tanto temporal quanto espacial. Temporal porque congela um momento no tempo, em que o movimento ou é petrificado ou se dissolve, quando não é compatível com o tempo em que o obturador fica aberto. Espacial, pois recorta um quadro que refere uma área no espaço que, por sua vez, está sempre relacionada a um “fora-do-quadro”.
O autor levanta, ainda, que a fotografia não compõe; ela corta. O fotografo não cria; subtrai (essa última frase talvez seja mais uma interpretação minha do que algo escrito literalmente pelo autor). Enquanto o pintor tem um quadro branco à sua frente, que ele monta, corrige, ajusta como desejar, num real exercício de composição, o fotógrafo tem que subtrair, num piscar de olhos, sua “composição” do real.
O fotógrafo nunca tem seu quadro vazio, em branco. Ele pode apontar a câmera para uma parede branca, mas ainda assim não será um vazio. Ele tem que lidar com o fato do visor estar sempre cheio e decidir qual será a subtração que fará. A “criatividade” do fotógrafo não se dá a partir do nada, está sempre amarrada ao ambiente. A composição, na fotografia, é um sentido organizador que o artista dá aos elementos da realidade. “Ter um bom olho”, como as pessoas costumam dizer, significa perceber e retratar combinações harmônicas.
O que me fez querer discutir isso foi o fato (no qual insisto) de ver que muitas pessoas encaram a fotografia apenas como uma espécie de pintura, o que transparece especialmente em alguns comentários sobre composição como o que segue:
“Sua foto está bonita, mas aquela árvore no canto está atrapalhando”. Como se fosse uma decisão do fotógrafo a existência ou não da árvore. Claro, ele pode mover a câmera para que a árvore de fato não exista dentro de seu quadro. Mas a questão é justamente essa: o fotógrafo não criou a árvore. Na verdade, ele a deixou existir, o que pode ser um erro dentro de um ponto de vista estético. Essa preocupação pictórica torna ainda mais claro o corte: “essa árvore não deveria existir aí; você deveria tê-la cortado, negado sua existência”.
Pela impressão que tive do texto (somada à leitura de outros livros, como o clássico da Sontag) parece que o fotógrafo é um usurpador. O espelho de sua câmera, a guilhotina, fatia a realidade, que rola para o interior da câmera e é guardada na caixinha escura.
É por isso que o negativo me fascina. Ele potencializa todo esse movimento, ao registrar, definitivamente, a própria luz refletida dos objetos. A crueza física do negativo, em que cada foto tem seu espaço marcado, seu original, sua matriz, complementa todo o escopo do corte. O negativo é a fatia literal, armazenada para sempre.
Referências:
Dubois, F. (1994). O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus.
Sontag, S. (1981). Sobre Fotografia. Rio de Janeiro: Arbor.
Imagem:http://theatredelunite.ifrance.com/creations.htm
Postado originalmente no Multiply. Aliás, um dos que mais gosto, especialmente pela imagem, que, cômicamente, casou muito bem com o texto.
Esa questão sobre opiniões como “esse elemento está fora do lugar” se dá por que a maioria das pessoas se concentra basicamente na disposição geométrica agradável das coisas.
Fotos como as contida no livro “Arte da Composição” de Ernesto Tarnoczy Junior que, na minha opinião se concentram mais na forma geométrica das coisas do que propriamente numa “mensagem” é o tipo de coisa que, intuitivamente, está mais impregnado na visão das pessoas.
Então, em qualquer imagem que o observador veja, lá vem atrelada a ela a fórmula: Regra dos terços, ponto de ouro, profundidade de campo, cor etc, etc…
Entretanto, é uma busca titânica a de desenvolver um “discurso fotográfico” próprio.
Sigamos em frente.
Abraços.