Notas sobre um workshop de fotografia de família com Irmina Walczak

Em fevereiro de 2020, me dei de presente um workshop sobre fotografia de família com a Irmina Walczak. Irmina e seu marido, Sávio, são conhecidos de longa data. Ela polonesa e ele brasileiro, por um tempo viveram em Brasília, época em que nos conhecemos. Seu livro “Retratos para Yayá”, para o qual fiz uma pequena contribuição ao escrever prefácio, gerou bastante atenção e reconhecimento. Outros projetos fotográficos do casal, como os que tratam de maternagem e amamentação, também receberam destaque.

A oficina da qual participei foi parte de uma série de encontros realizados em várias cidades do Brasil. No dia, eu era o único que não era um fotógrafo profissional ou que tivesse pretensões de ganhar dinheiro com a fotografia. Minha motivação era bastante pessoal: desde que meu filho nasceu, há quase dois anos, minhas fotos têm sido muito mais familiares do que qualquer outra coisa. Ainda assim, tenho vontade de explorar esse campo afetivo de uma maneira particular, e sentia falta de ter trocas sobre fotografia. O fato de não ter a preocupação com a utilidade comercial da fotografia me permitiu aproveitar o workshop de uma maneira bastante descompromissada: não havia nada específico que eu buscasse tirar dele.

Ainda assim, a Irmina se esforçou bastante para atender às preocupações práticas do grupo, falando sobre temas como financiamento de projetos, cobrança, valores. Falou sobre o “caminho das pedras” de uma maneira bem prática e pouco idealizada, recomendando a busca por empresas, patrocinadores e apoios governamentais.

O maior interesse, no entanto, estava na forma em que ela e o Sávio fazem sua fotografia profissional. A sua proposta de fotografia familiar, chamada de Trocas Orgânicas, envolve o convívio da família deles (com três filhos) e a família fotografada, por dois ou três dias. Ao longo dessa convivência, os dois retratam cenas da vida familiar. Esse modelo gerou bastante curiosidade: como é a abordagem? Como as famílias reagem? Quanto tempo é necessário para que as trocas sejam realmente orgânicas? E, a principal dúvida dos fotógrafos: como apresentar e vender um formato de ensaio fotográfico que é tão distante do convencional? Afinal de contas, na proposta das trocas orgânicas, não há muito espaço para as fotos posadas de famílias sorridentes.

Acho que é importante ressaltar que o modelo da atuação profissional da Irmina e do Sávio condiz muito com a sua forma de viver. Hoje eles vivem em um motorhome na Europa, e a vida com um certo desprendimento está ligada à forma como buscam se conectar com as famílias e fotografar. Talvez o projeto seja algo muito natural para eles, e um pouco mais difícil de colocar em prática quando não se está tão aberto, de fato, a trocas com outras pessoas e famílias.

Sobre como fotografar em si, anotei alguns pontos interessantes. Acho que o que mais me marcou foi o fato de não haver nenhum fetiche em si em relação ao realismo ou à espontaneidade de fotos familiares: as cenas podem ser naturais ou montadas. A Irmina dá muita importância à luz: “nenhuma cena justifica uma luz ruim”, ela diz. Ela também comenta que busca um certo tipo de “estranhamento” nas imagens, o que fica evidente quando vemos seus trabalhos. Esse estranhamento, para mim, é o que dá o tom de verdade nas suas fotos, pois, no fim, a vida é bem estranha mesmo. Por fim, ela defende fotos nada espetaculares: cenas cotidianas, bem iluminadas e que não levam a grandes questionamentos sobre como foram feitas. São apenas coisas que aconteceram.

Para mais sobre o trabalho da Irmina e do Sávio: https://www.panoptesfotografia.com/ e https://www.instagram.com/irminawalczak/

Escolhi, para ilustrar esse texto, algumas fotos que fiz antes e depois do workshop e que acredito terem um pouco da ideia dessa proposta.

Faça-se a luz

Infelizmente para nós, fotógrafos amadores e profissionais, não somos o Deus do Antigo Testamento e não podemos criar luz a partir das nossas palavras. A luz é o elemento essencial da fotografia, e ainda assim temos que nos render aos seus caprichos, acordando de madrugada para capturá-la na sua calidez matinal, ajustando flashes e rebatedores para que ela atenda à nossa imaginação e a tocando com fotômetros a fim de avaliar o seu humor.

Gostamos de acreditar que nossas fotografias são nossas criações. Entretando, não somos pintores. Não exercemos, sobre o mundo visto pela câmera, o controle que gostaríamos. Quem pinta, de fato, é a luz. A única coisa que podemos fazer é reconhecer suas cores, as curvas que ela faz em torno dos objetos e sua nêmesis — a sombra — ambas sempre presentes, irrenconciliáveis. O que podemos fazer, então, é nos curvar aos seus pincéis naturais, recortar suas criações com a câmera e, humildemente, agradecer. Continue lendo “Faça-se a luz”

Desconstrução da ilusão fotográfica

A fotografia é uma construção humana, uma forma artificial de produzir representações através de um aparelho. Através da programação desse aparelho, são determinadas as formas como a luz refletida por objetos tridimensionais é descrita num plano retangular. Por conta de questões culturais e históricas, a fotografia assumiu, na nossa sociedade, o papel de atestado da verdade, de que algo houve – o “isto foi” de Barthes. Alguns usos da fotografia dependem muito desse mito, como o jornalismo e a publicidade. Entretanto, um exame mais próximo do processo de construção de uma foto – o desvendamento da caixa preta – mostra que essa concepção é um grande engodo.

Esse exame mais próximo foi a proposta do workshop Fotografia: Desconstrução, Realidade, Interpretação, realizado durante o último fim de semana no Espaço de Fotografia F/508, em Brasília. A base teórica do curso foi construída a partir de três obras: Filosofia da Caixa Preta, de Vilém Flusser, A Ilusão Especular, de Arlindo Machado (PDF para download, 90MB) e O Universo das Imagens Técnicas, também de Flusser. Sugeriu-se, então, que os participantes produzissem imagens que denunciassem o processo de funcionamento da câmera: movimento, desfoques, cortes, sobreposições e distorções. O objetivo era o impedimento da leitura automática da foto: dessa forma, o observador não pode olhar direto para a cena, ignorando a existência de um aparelho em funcionamento e um autor por trás dele.

Participaram do workshop Adriana Camilo, Antônio Nepomuceno, Edmílson Pinto, Bete Coutinho, Fred Cintra, Jean Peixoto, José Renato da Silva, Júlia Salustiano, Marco Antônio Gonçalves, Rafael Dourado e Vania Almeida. O grupo pôde, na saída fotográfica realizada na Vila Planalto, exercitar a desconstrução através do programa das câmeras ou criando formas de subverter o funcionamento dos equipamentos, produzindo resultados iniciais que podem servir de subsídio para novas linhas de pesquisa pessoal. Uma vez que se amplia a forma de fotografar, incorporando métodos distintos, cria-se um repertório mais diversificado que fortalece a representação de intenções, emoções e conceitos através da arte fotográfica. Além disso, ao compreender os conceitos presentes na construção da imagem fotográfica, aprimora-se também na produção da fotografia convencional.

Abaixo, segue uma galeria com os trabalhos dos participantes. Fred Cintra foi além da fotografia estática e criou um vídeo com a produção resultante do workshop.

Todas as fotos têm direitos de reprodução reservados a seus respectivos autores.

Só para loucos

Ainda a questão do acaso na fotografia

Recentemente, comentei aqui sobre uma fotografia aberta ao acaso, voltada mais a provocar impressões do que ser simplesmente representativa, e das dificuldades em se estabelecer os limites conceituais e práticos. Nas últimas semanas, continuei procurando fazer esse tipo de fotografia, experimentando especialmente as baixas velocidades do obturador e as múltiplas exposições.

Nos dois casos, há margem para o imprevisto. Ao usar baixas velocidades, não se sabe exatamente que efeito o movimento causará. Além dos borrões óbvios, os pontos em que o movimento é mais lento ou cessa ficam marcados no fotograma, multiplicando a presença do objeto.

Na primeira linha de fotos (coloridas), utilizei uma câmera reflex digital, ISO 200, modo de prioridade de velocidade, ajustado em cerca de meio segundo. A abertura variou de acordo com o programa da câmera, mas sitou-se em torno de f/11 e f/16, o que levou a um foco longo (que não se vê pelo movimento) e até ao destaque para as sujeiras no sensor.

Já no restante (preto e branco), fotografei com uma câmera reflex analógica, com filme ISO 100 e lente de 55mm. Configurei o fotômetro para ISO 200 no caso de duplas exposições, ou ISO 400 no caso de exposições múltiplas.  Uma das fotos é a sobreposição de várias inscrições na lateral de um edifício. Em uma delas lê-se “só para loucos”, que me remeteu ao livro de Herman Hesse, O Lobo da Estepe, em que o personagem principal adentra o Teatro Mágico, que é descrito por essa expressão (e daí o título deste artigo).

As duas séries são bastante diferentes entre si e se afastam da fotografia convencional. São melhor definidas por imagens produzidas por câmeras fotográficas, utilizando recursos já programados nas máquinas, mas em contextos que levam  a um resultado permeado de imprevisibilidade. Embora sejam técnicas pra lá de antigas, ainda há quem se surpreenda com os efeitos obtidos. É possível, a partir delas, manter a discussão dos limites da fotografia, ao se perguntar onde se situa tudo aquilo que a câmera fotográfica é capaz de fazer.

Tênues (multimídia)

Depois de algum tempo, estou publicando mais um slideshow a partir de fotos e áudio. Há nas imagens alguma influência da fotografia japonesa, associada ao sempre recorrente tema urbano e alguma preocupação com a geometria. O desfoque, proposital, tem como intuito levar a uma sensação de imprecisão, incerteza e afastamento da realidade, ao mesmo tempo em que tornaria mais provável a leitura pessoal e daria destaque para as formas. Há também uma certa organização em função de uma mudança gradual no contraste e luminosidade. As fotos foram feitas com um celular Nokia N95 em modo de foco curto, a fim de obter cenas desfocadas e processadas posteriormente no Adobe Photoshop. A apresentação foi feita no ProShow Gold. O áudio, de um arquivo de código aberto, chama-se Sleep, do álbum Demo 1998, de autoria de Au Milieu des Arbres. Continue lendo “Tênues (multimídia)”

A melhor foto

O pessoal do 508 criou uma série, no blog deles, chamada “A melhor foto”. A idéia é convidar alguns fotógrafos profissionais e amadores a escolher, entre a sua produção, qual é a sua melhor foto e eleborar um texto explicando os motivos pelos quais a imagem foi eleita. Invariavelmente, os autores relatam a dificuldade nesse processo, já que quem faz a foto tem um tipo de visão e envolvimento com a própria produção que talvez não fique claro para quem apenas vê o resultado pronto. Ainda assim, é algo interessante, e essa chamada direta do pessoal do fotoclube dá aos fotógrafos a oportunidade de olhar para o próprio trabalho se forçando a ter algum tipo de critério em mente.

Eu fui um dos convidados a participar, e fiquei em dúvida entre duas fotos. Uma, que foi a escolhida, é uma dupla exposição que fiz à noite no centro de São Paulo, mas precisamente na esquida do Viaduto do Chá com a Rua Libero Badaró. Decidi submeter essa pois era mais representativa da minha produção e do tema que abordo com mais frequência, a cidade e as impressões de se vivier nela. Essa foto inclusive já havia estado numa exposição coletiva do Sampa Fotoclube, ampliada em 30x40cm. Para ver a foto e o relato, acesse o blog do 508.

A foto preterida foi uma da série Passagens, que fiz sob o Viaduto Boa Vista, num sábado pela manhã. É uma imagem meio borrada de uma mãe carregando o seu filho no colo. Essa foto teve inclusive maior aceitação do que a escolhida, mas nem sempre o que tem mais aclamação é o que consideramos mais relevante, embora eu goste bastante dessa imagem. Algo que pesou é que ela faz parte de uma série, e é estranho mostrá-la isolada das outras, enquanto na que foi para o blog não havia essa preocupação, sendo mais adequada para uma escolha única.

A série está sendo publicada às segundas-feiras e até o momento, além de mim, participaram Patrick Grosner, Boris Kossoy, Fernando de Tacca e Fernando Rabelo. A listagem completa pode ser acessada na seção A Melhor Foto do blog do 508.

O Verbo de Fernando E. Aznar

O fotógrafo Fernando E. Aznar, que faz parte do Grupo Câmara Obscura, lançou um novo trabalho em formato digital, VERBO, mesclando fotos e música. O autor descreve a apresentação:

Vinde a Voz

Imagens nunca foram tão caras ao mesmo tempo que tão públicas: custam tanto empenho dos RP para midiatizar seus clientes e a gente comum as oferece indistinta e gratuitamente pela web detalhes íntimos do dia-a-dia familiar … mas nem tudo são imagens. Estas são ferramentas etéreoeletrônicas contemporâneas, de acesso cada vez mais amplo mas ainda distantes da maioria da gente sem voz, que não foram educados pelos corretos maus modos. Resta-lhes o manifesto, onde e como for, deixando um sinal de que ainda respiram e interagem, são parte, não aceitam ser apenas réus e clamam ação civil. O “Todo” que entenda a mensagem, resmungue, ria e espume, discrimine e criminalize, arranque a placa, repinte o muro. Mas será obrigado a pensar agora, e quem sabe sentir amanhã, quando ruminar. Continue lendo “O Verbo de Fernando E. Aznar”

Praça Roosevelt

A Praça Roosevelt fica na região central de São Paulo, no início da Rua da Consolação e é atravessada, em seu subsolo, pela ligação Oeste-Leste (Minhocão). Embora tenha a localização prilivegiada e esteja cercada por bares e teatros, é um local altamente degradado e subutilizado pela população dos prédios residenciais vizinhos. Embora abrigue um batalhão da Polícia Militar, a sede da inspetoria da Guarda Civil, além de um supermercado e uma floricultura, a praça é um ponto de violência, exemplificado pelos casos de estupro ocorridos ali durante o ano passado.

Há na prefeitura um projeto de demolição e revitalização da praça, que está, no momento, sendo discutido com a sociedade. As obras caminham lentamente enquanto as modificações pretendidas são bastante criticadas, por não oferecerem mudanças substanciais nem oportunidade de transformar o espaço em um local que possa de fato ser aproveitado pela população. A praça está parcialmente destruída, enquanto as idéias sobre como restaurá-la não saem do papel.

Dentro desse contexto, estive lá na semana passada para fazer algumas fotos, já que a Roosevelt de fato é um símbolo das incongruências e dos conflitos que caracterizam a nossa vida urbana. Semi-destruída e frequentada por pessoas “mal-vistas” pelos moradores “de bem”, a praça tem como principal estrutura uma laje pentagonal de concreto que revela formas, linhas e sombras com a cara de São Paulo.

Slideshow Passagens

No ano passado, fiz um pequeno ensaio chamado Passagens para a publicação virtual Sentido Vago. As fotos retratavam os transeuntes no centro de São Paulo, com uma referência às fotos do início do século passado, granuladas e borradas pelo movimento por conta das características das câmeras da época. No início deste ano, resolvi voltar ao mesmo tema com a finalidade de produzir, a princípio, um slideshow. As imagens tocam também no vai-e-vem incessante das grandes cidades e na massificação do modo de vida contemporâneo.

Passagens – Slideshow
Tempo de execução: 4m11s
Fotografias: Rodrigo F. Pereira
Audio: Navarro – “Land”
Acesso: http://cameraobscura.fot.br/shows/passagens.html
(para usuários do IE, é necessário aceitar o conteúdo ActiveX; para usuários Firefox, é necessário baixar plugin)

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