Voltar a ter prazer em fotografar

Muitos fotógrafos parecem chegar a um ponto da sua trajetória em que se sentem perdidos, desanimados e desmotivados em relação à fotografia. O que foi uma atividade significativa e prazerosa passa a ser um esforço. Ele se pergunta: “o que estou fazendo de errado?” e tem dificuldade em entender o que aconteceu no meio desse caminho, onde ele se perdeu. Para entender isso, talvez não baste olhar só para onde ele está, mas para o seu percurso como um todo. Há um componente natural e onipresente nesse processo que parece ser positivo, mas que pode justamente ser a origem da sua perdição: querer fotografar bem.

Todos nós já pensamos nisso em algum momento. Mas existem muitos caminhos pelos quais podemos tentar melhorar a própria fotografia, sendo que a forma como abordamos esse “problema” pode alterar a relação que temos com a fotografia e ser um dos motivos pelos quais chegamos a esse momento de insatisfação e desânimo.

Pois assim que pensamos em fotografar melhor, nos defrontamos com a questão: o que é uma boa fotografia? Pense numa fotografia que você gosta. Tente entender porque você gosta dela. Porque provoca uma reação emocional? Porque é tecnicamente bem feita? Porque ela é organizada geometricamente? Podemos ter muitas explicações, incluindo até aquelas que envolvem teorias de semiótica, comunicação ou psicologia. Mas logo você vai perceber que não há uma boa resposta geral e definitiva para essa pergunta. Nenhuma explicação dá conta de definir todas as boas fotografias. Reconhecemos uma boa fotografia quando vemos uma, mas nossas tentativas de explicá-la através de palavras não conseguem expressar aquilo que vemos. E aí, quando temos uma pergunta cujas respostas não satisfazem, talvez isso signifique que a nossa pergunta não é boa.

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Zephyrance Lou

Geralmente não nos detemos muito nessa análise. Se nos detivéssemos mais, entenderíamos que a boa fotografia não existe. Ou melhor, existe, mas não é passível de uma descrição ou racionalização, como imaginamos. Mas  insistimos em alguma definição, e como não a temos, estabelecemos critérios arbitrários que nos indicam que estamos fotografando bem e passamos a persegui-los. Um dos objetivos concretos que nos diz que estamos fotografando bem é a aprovação externa. Se recebemos um tanto de curtidas nas nossas fotos, aprovação dos amigos, ou até um tanto que faturamos, acreditamos que estamos fazendo uma boa fotografia.

E é justamente aí que começamos a nos perder: ao criar um conceito para definir o que é a boa fotografia, e passar a perseguir esse conceito. Pois quando perseguimos uma ideia, perdemos o contato com a experiência. Podemos ganhar aprovação, respeito e admiração, mas se esse é o nosso fim, então a fotografia se tornou apenas um meio. Querer fotografar bem pode, paradoxalmente, nos distanciar da fotografia. Depois de anos de prática — que é justamente quando estamos fotografando bem — já não conseguimos mais sentir o mesmo prazer, a mesma satisfação ou enxergar na fotografia o mesmo sentido do início. E, quando isso ocorre, quer dizer que o sentido foi abandonado em prol de uma evolução que nunca termina. O fotógrafo percebe, então, que não adianta insistir no caminho que já vinha seguindo: quanto mais ele conseguir sucesso dentro do conceito que substituiu seu amor pela fotografia, mais longe estará do sentido original. Ele se pergunta como, então, resgatar a “inocência perdida”.

Esse resgate é difícil porque envolve deixar de lado os substitutos, tão agradáveis e reforçadores, que ele elegeu como objetivos. Significa não mais usar sua fotografia para conseguir reconhecimento, valorização e sucesso. Significa voltar-se diretamente para a experiência de fotografar. Conectar-se novamente com o que há no mundo que o fez querer fotografar. Apreciar seu equipamento e o que ele lhe possibilita fazer (lembrando que o equipamento, sim, é um meio). Mergulhar nos estados contemplativos em que se coloca ao fotografar, ao tratar imagens, ao revelar um filme. E, claro, amar aquilo que a sua fotografia, quando pronta, mostra, diz, expressa. E estar atento à tentação de usar essa fotografia novamente como um meio para o que ele acabara de abandonar — o reconhecimento, a valorização, o sucesso — ou ele se perderá mais uma vez.

5 comentários em “Voltar a ter prazer em fotografar”

  1. Meu caríssimo Rodrigo…

    Perdoe-me dizer isso, mas quem fala daí é o psicólogo. O psicólogo reduz o viver à teoria, e não vê que a própria psicologia é teoria, e, sendo, não é uma instância à qual as experiências possam ser reduzidas. Bem, no seu campo de aplicação, sim, mas fora dele é fazer dela uma verdade, esquecer que é mera teoria utilitária.

    A arte, na vida humana, veio desde o antigamente, mais ainda, desde que fomos uma rústica tribo. O índio brasileiro, em termos de civilização pouco desenvolvido, decorava seus instrumentos e a si mesmo.

    O homem e seu prazer com a beleza provém lá da raiz, provavelmente o prazer da beleza um sentimento dentro de outros desejos úteis, mas que, separado deles, torna-se uma busca em si.

    Há pessoas e pessoas fotografando, há pessoas e pessoas dedicando-se às artes, há pessoas e pessoas que tocam instrumentos, alguns finos músicos, outros apenas tocam com um mergulho raso. Podemos entender isso psicologicamente?

    Bem, podemos entender superficialmente, mesmo porque a arte é um tema, digamos, detestado pelos teóricos da psicologia, exatamente pelo tanto que ela não cabe direito na psicologia. De onde vem ela? Do prazer perceptual? Do prazer que devia, lá no começo ajudar ao fazer o homem ter mais desejo em relação ao que era bonito –e bonito nos termos do útil? Provavelmente.

    Mas o próprio saber não é algo em si, não é algo diferente. O saber nada mais é do que a organização do como viver. É um outro instrumento. É impossível saber de verdade. O homem nada sabe sobre sua existência, sobre a existência em geral, e foge disso teorizando de forma redutora, reduzindo essas coisas a uma teoria que ao invés de explicar- impossível- torna reduzido para não lhe parecer mistério como é.

    O dito por você sobre a motivação fotográfica, quando penso em mim, acho tão tola… Vejo em mim minha busca na qual a fotografia é só um instrumento. O viver é mais que tudo isso, mas ao mesmo tempo o viver tem aspectos de cada uma dessas coisas. O dito por você reduz o viver à teoria, sem perceber que a teoria é meramente uma coisa da caixa de ferramentas, teoria não é e não traduz a essência do viver.

    Abraços

  2. Sinto-me hoje exatamente assim desmotivado, especialmente com a chegada do photoshop as pessoas falam sobre ele sem saberem o que realmente é. Muitos fotógrafos somente o são, por causa deste maravilhoso programa, mas que sem nada fazem. Não conhecem técnicas, não conhecem nada sobre, mas sabem muito sobre designer. Daí pergunto fotografo ou designer? Fico realmente triste ao ver muita gente se exbindo, e não sabem fotografar um relâmpago, uma queda dágua, nada sabem sobre velocidade e obturação, apenas aumentam o ISO sem seque saberem o significado. Bem não vou me estender, pois lamento não termos conseguido a regulamentação profissional. Abraços

  3. Texto fenomenal… Parabéns. Traduziu em palavras os meus sentimentos.

    Gratidao. Publicarei seu texto no grupo Fotógrafos Independentes, no facebook

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