De Weimar a Gursky – Parte 04

Um Mundo Novo com uma Nova Visão

Este capítulo dará continuidade a apresentação de algumas ideias contidas nos trabalhos de Moholy-Nagy, o principal nome da fotografia da Nova Visão, iniciado no capítulo anterior.

A Fotografia de Moholy-Nagy

Conforme mencionado anteiormente, Moholy-Nagy apostava na fotografia como a forma de expressão artística do novo tempo e por isso ele a investiga, buscando maneiras de estimular a experiência de visualização para educar a humanidade em novas formas de apreciação do mundo moderno.

As experimentações de Moholy-Nagy se espalham em três formas distintas: os fotogramas, a fotografia propriamente dita e a fotomontagem (fotoplastik). Este último não será objeto deste estudo. Tal exclusão é necessária somente devido a praticidade. A fotomontagem não deve ser considerado menor ou desconectado conceitualmente. Ao contrário, as três formas são conectadas cronologicamente e conceitualmente com  importância equivalente. Porém, a fotomontagem tem uma série de desdobramentos complexos e densos, que necessitam uma abordagem adequada. Assim, simplesmente, por praticidade este tipo de trabalho não será abordada.(1)

As Influências Construtivistas

Dada a proximidade aos Construtivistas, a fotografia de Moholy-Nagy é, naturalmente, influenciada por alguns conceitos vindos desta corrente. O primeiro conceito importante está relacionado à representação do espaço. Contudo, antes de debruçar sobre a representação do espaço praticada por Moholy-Nagy é conveniente verificarmos  o que Elena O´Neil propõe em  AS OPERAÇÕES DE LÁSZLÓ MOHOLY-NAGY: ESPAÇO, LUZ E MOVIMENTO: “Para o idealismo alemão, o espaço se estruturava sobre medidas e relações a partir de volumes (medida do espaço ocupado por um sólido), e não mediante corpos sólidos. Especialmente a espacialidade promovida pelo Adolf von Hildenbrand, em Das Problem der Form in den Bildenden Künsten, de 1893, que marcou toda uma geração de artistas, especialistas e críticos. Nesse texto, Hildenbrand define a forma artística como uma distorção subjetiva na qual o artista, a partir da percepção, re-processa a aparência da coisa, e o espaço como aquilo que se estrutura entre as coisas. A conclusão desse livro era de que a arte é a expressão da consciência espacial do homem, e a forma particular dessa consciência espacial era ao mesmo tempo um indicador do estado cultural e de civilização do homem“.

Se o estado de evolução cultural da sociedade relaciona-se ao modo como a consciência espacial é expressa, a espacialidade, na “era da máquina”, tinha nos PROUNS um dos seus modos de expressão. Os  PROUNS(2) originalmente  desenvolvidos nas obras de Malevich e Lissitzky, podem ser entendidos como a redução, ou representação em diagramas,  do espaço herdado da perspectiva monocular clássica. Em outras palavras, são  a exploração da linguagem visual do suprematismo, agregando-se uma noção de espacialidade ou representação tridimensional, através de elementos espaciais, rotação de eixos e múltiplas perspectivas.

El Lissitzky – Proun 10 – 1919

El Lissitzky – Proun 19D – 1919

El Lissitzky – Proun 30 – 1922

A grosso modo, os Prouns continham o modelo de representação do espaço, adotada pelo Construtivismo, coerente com um mundo em  mudança. Além disto, como era proposto pelo Suprematismo,  este modo de expressar o espaço rompe com os modelos praticados pelo classicismo e por outras formas de expressão que tentam imitar a natureza.

O segundo conceito a ser verificado é a FAKTURA – que não é a conta do final do mês – é como Rodchenko teria definido:  “o estado orgânico do material ou estado resultante de sua organicidade… Faktura é a matéria trabalhada conscientemente e utilizada de forma experiente… Faktura é o material”.  Faktura é uma noção que envolve não só o material, mas a manipulação.

Na fotografia praticada por Moholy-Nagy serão encontrados com bastante frequência esses dois postulados, os o conceito de espaço dos Prouns e o material Faktura, além da óbvia negação à subjetividade e a extinção do “eu” na obra.

Os Fotogramas

Em qualquer investigação de um processo, bem feita, é necessário o conhecimento e a análise de cada uma das partes que compõem o processo. Os fotogramas são partes dessa investigação sobre a fotografia promovida por Moholy-Nagy. Ao decompor o processo fotográfico, ele chegou ao elemento básico ou estado primário da fotografia: elemento sensível, luz e objeto que a modula – projeta sombras controladas. Estas experiências teriam começado em 1920 com o objetivo de criar composições luminosas e dar forma a luz: a luz é a matéria de trabalho, a faktura. Tentando embasar o conceito de luz/matéria, Moholy-Nagy chegou a estudar a física de Einstein.

Inicialmente, os Fotogramas eram feitos utilizando papel sensível, usado em processos de cópias,exposto ao sol. Posteriormente, com a ajuda da esposa, Lucia Moholy, o processo evoluiu para o papel fotográfico exposto a luz elétrica – possivelmente uma lanterna. Após uma parada, Moholy-Nagy retoma os Fotogramas em 1922, e continou imprimindo Fotogramas até o fim prematuro de sua vida, em 1946.

O nome Fotograma tem associação direta a palavra “telegrama” ou ao seu uso: um meio de comunicação rápido e direto. Esse nome teria surgido oficialmente na troca de correspondência com o crítico  Beaumont Newhall, onde Moholy-Nay declarava a necessidade de um novo nome para a técnica: “…penso que Fotograma é um nome melhor que “shadowgraph” porque – pelo menos em meus experimentos – tenho usado ou tentado usar, não somente a sombra de objetos transparente ou translúcidos, mas, de fato, o efeito luminoso sobre estes objetos”.

Na história da fotografia muitos fotógrafos utilizaram esta técnica: iluminar um objeto, projetando sombras contra o papel fotográfico ou outro meio sensível. Porém os Fotogramas de Moholy-Nagy, se diferenciam bastante dos trabalhos executados por outros fotógrafos. Os Fotogramas travam-se da dar forma a luz, enquanto, por exemplo, os Rayograms de Ray Man, tratavam e se relacionavam aos objetos do cotidiano empregados no processo. Não consta que Moholy-Nagy tivesse ciência dos trabalhos de Ray Man e vice-versa.

Os Fotogramas falam de formas abstratas sem orientação espacial, mas com volume emulado a partir do uso diversos materiais que variavam entre o opaco e o transparente, iluminados por fontes de luz em movimento.

A ordem em que são apresentados neste texto, mostra como Moholy-Nagy refina o conceito de percepção do volume(3).

Moholy-Nagy – Photogram – 1922

Moholy-Nagy – Photogram – 1922

Moholy-Nagy – Photogram – 1922

Moholy-Nagy – Photogram – 1923

Moholy-Nagy – Photogram – 1924

Moholy-Nagy – Photogram – 1924

Moholy-Nagy – Photogram – 1925

Isso mesmo, a maioria dos Fotogramas não tem título.

O que chama a atenção no Fotogramas é a presença de elementos que possibilitam perceber  ou reconhecer uma tridimensionalidade. Moholy-Nagy considerava os “mistérios” dos efeitos luminosos e a análise do espaço percebido nos Fotogramas como importantes princípios a serem explorados. O que se vê aqui, parecem aprimoramentos dos Prouns de Malevich e Lissitszky. Ele consegue esculpir um sólido embora seja uma superfície plana.

Em uma escultura, o que é mostrado não é apenas a representação ou cópia em três dimensões de algo ou de uma forma, a escultura também é um representação do espaço. Assim, como os Fotogramas tratam da percepção de objetos com volumes, e consequentemente do espaço, pode-se, portanto, relacioná-los às esculturas de forma geral. Em resumo, é disso tratam os Fotogramas: são representações de sólidos abstratos tridimensionais, e do espaço onde estes sólidos estão imersos, modelados no papel sensível, usando a luz como material de trabalho. A fonte luz ou o objeto são movimentados durante o processo de exposição.

Independentemente da noção espacial contidas nos Fotogramas, o processo de criação em si representa uma ruptura. Pois o movimento do objeto ou a fonte de luz, durante a exposição, de certa forma rompe com conceito de imobilidade, durante o registro, requerida pela fotografia.

A Fotografia com Câmera

Para Moholy-Nagy a descrição dos objetos, a realidade ou a simbologia embutida na foto não seriam importantes, sua preocupação eram a interação dos objetos com luz e a estrutura formal, visando provocar experiências óticas,  aguçando a percepção do expectador.

Guiado pelo interesse nos mecanismos da percepção, ele considerava que as formas usadas nas abstrações, praticadas, por exemplo, em pinturas ou colagens, como elementos  fundamentais da percepção visual. Ele propunha que estes elementos perceptivos poderiam ser transladados para a fotografia. E assim Moholy-Nagy, fazendo experiências com os mecanismos da percepção, buscava revelar novas perspectivas da realidade, tentando ultrapassar os modos de visão habituais, com objetivo de explorar o que Rodchenko definia como “o sutil prazer no que é estranho, pouco usual e oculto”.

Com essa finalidade, Moholy-Nagy valia-se de enquadramentos não usuais, criando cenas abstratas que acentuavam a relação entre forma e espaço e a inter-relação entre sombra e luz. A câmera era considerada uma extensão do olho  e o que ele mostra, em suas fotografias, somente pode ser visto através desta extensão. As fotos retratam como as coisas eram vistas pelo olhar monocular da câmera, não tentam imitar ou copiar a natureza da coisas. O exemplo disto é visto nas fotografias da Torre de Radio de Berlin, que mostra cruzamentos de linhas, desenhos produzidos por sombras ou objetos iluminados.

Moholy-Nagy – Torre de Berlin – 1928

O que é visto acima é a mesma foto propositalmente rotacionada. Tal recurso serve para demonstrar que frequentemente as fotografias de Moholy-Nagy sugere um espaço não submetidos as leis da gravidade, sem orientação – para cima, para baixo. Para isso ele omitia a linha do horizonte ou usava pontos de vista não usuais, visando desestabilizar a percepção do expectador. Ou seja, através do enquadramento, a fotografia torna-se um fenômeno sensorial: “A possibilidade de rotar as fotografias, permitindo múltiplas formas de vê-las, era para Moholy-Nagy uma expansão da visão e das funções da forma… Essas fotografias podem ser entendidas como mostrando a transição do problema da forma especulativa à forma.” (Elena A O´Neil – AS OPERAÇÕES DE LÁSZLÓ MOHOLY-NAGY: ESPAÇO, LUZ E MOVIMENTO)

Moholy-Nagy – Velejando- 1926

Moholy-Nagy – Bonecas-  1926

Moholy-Nagy – Terraços da Bauhaus – 1926

Moholy-Nagy- Piso de Concreto Reforçado – 1928

Moholy-Nagy –  Pavimentação – 1929

Moholy-Nagy – Pont Transbordeau – 1929

Moholy-Nagy – Vista do Porto – 1929

Moholy-Nagy –Pont Transbordeur  – 1929

Moholy-Nagy – Esgoto- 1929

Moholy-Nagy – Vista da Torre de Radio de Berlin – 1929

Não importa se olhamos para o pavimento em reforma, barcos, águas servidas correndo para o ralo, para uma vista aérea de Berlin ou o velejador, para Moholy-Nagy o modelo ou assunto eram a forma, o espaço – que derivada dela -, como este espaço é representado e como é percebido pelo expectador. O espaço, representado nas fotos, tenta traduzir o que é visto no mundo real  para os diagramas postulados pelo Construtivistas, principalmente Lissitzky.

Torna-se tentador separar ou classificar suas fotografias conforme o modelo representativo do espaço, ora seguindo o que era proposto por Rodchenko – vide capítulo anterior- , ora usando os modelos propostos nos Prouns ou mesmo pelas abstrações bi-dimensionais do suprematismo. Entretanto,  os Prouns possibilitam uma gama maior de experiências visuais e dada a proximidade a Lissitzky – Moholly-Nagy e Rodchenko nunca se encontraram – pode-se supor que os Prouns teriam mais influência que outros modelos de representação.

Essa busca pela elevação da experiência visual promovida por Moholy-Nagy, através da investigação sobre a luz e o espaço, não fica restrita somente ao enquadramento ou momento da captura. A sua investigação cobria diversos aspectos do processo, se estendendo a múltiplas exposições, inversões e solarizações.

Moholy-Nagy – Cabeças (supostamente Lucia Moholy) – 1926

Moholy-Nagy – Retrato de Um Filho – 1928

Moholy-Nagy – On a Finnish Trawler – 1931

Algumas Ideias Adicionais

No livro From Pigment to Light, no capítulo “A New Instrument of Vision“, ao estabelecer que a fotografia como arte é regida por mecanismos distintos da pintura,  Moholy-Nagy, lança uma luz sobre uma característica única do processo fotográfica, que terá reflexo em artistas nos anos que seguem. Essa característica singular são as séries fotográficas:  “A série não é uma imagem e nenhum dos cânones da estética pictóricas podem ser aplicadas a ela. Aqui uma imagem separada perde identidade e então torna-se um detalhe de uma montagem,  um elemento estrutural  de um todo”.

Outro conceito interessante desenvolvido por Moholy-Nagy é a Produção/Reprodução: “A distinção entre produção e reprodução pode ser considerada como a base da teoria sobre fotografia de Moholy-Nagy. A reprodução entendida como uma repetição de relações já existentes se distingue da produção (ou criação produtiva), que Moholy-Nagy define em Peinture Photographie Film, de 1925, como a produção de relações ainda desconhecidas. Segundo ele, a imagem fotográfica não é redutível à visão humana nem a uma função reprodutora. Moholy-Nagy considerava a representação como ato criativo e não como imitação.” (Elena O´Neil – AS OPERAÇÕES DE LÁSZLÓ MOHOLY-NAGY: ESPAÇO, LUZ E MOVIMENTO)

A definição de produção e reprodução é uma crítica aos fotógrafos que se limitavam a descrição gráfica, ao gosto da burguesia. É um tanto óbvio, que Moholy-Nagy foi alvo de críticas de fotógrafos desconectados ao movimento construtivista. Como mencionado anteriormente, Renger-Patzsch teria acusado-o de amador – o que não chega a ser uma surpresa.  Ele também foi alvo de  críticas vindas de Rodchencko, que o acusou de práticar um experimentalismo meramente estético, sem compromissos com as questões sociais e até de plágio. A principio, essas críticas, vindas de dentro do movimento avant-garde podem surpreender, entretanto deve-se levar em conta que,  mesmo dentro do grupo não havia tanta coesão.  Além disto, Moholy-Nagy mostrava pretensões que ia além da agenda comunista.

Como seria de se esperar de quem afirma que a arte não é uma prática discursiva isolada, Moholy-Nagy não exerce somente o papel de artista, ele vai além, procura bases na ciência para as suas idéias. Por exemplo, ele teria procurado suporte de neurocientista da época, para embasar suas experiências com a percepção da imagem. É isso que é buscado em suas fotografias: percepção do expectador. A percepção do espaço, que surge a partir da forma, da interação entre a forma e a luz ou mesmo da interação entre objetos. Não é a luz adjetivadora, mas a luz/material que “cria” a forma, cuja existência em frente a câmera, define um espaço. As experiências e, porque não dizer, a arte de Moholy-Nagy estão em conjunção com o seu tempo, um tempo de avanços.

Próximo capítulo: Outras Visões da Nova Visão

Notas

(1)- Durante o desenrolar desta pesquisa foi possível observar que a fotomontagem era uma forma de trabalho amplamente aceita desde forma de expressão artística até nos meios publicitários ou mesmo no jornalismo. Abordar a fotomontagem implicaria em investigar personagens tais como George Groz, Helmut Herzfeld (John Heartfield), Hannah Höch, Raoul Hausmann, Johannes Baader, Kurt Schwitters, Grete Stern. O que torna inviável abordar rapidamente a fotomontagem é a biografia destes personagens, por exemplo: Hannah Hoch criticou pesadamente a hipocresia do movimento dadaísta e atuou no movimento feminista; John Hertfield fez crítica feroz ao Partido Nacional Socialista. Estas são posturas que tiveram impactos bastante fortes.

(2) Não é muito claro qual é exatamente o significado da palavra Proun, nem Lissitzky, nem Malevich se manifestaram a esse respeito. Neste texto será usado no plural, considerando que Prouns referem-se aos títulos ou nomes destes trabalhos.

(3) Os Fotogramas são divididos em fases: período Berlin 1920-23, periodo Bauhaus 1923-28, período do exílio em Londres 1935-37 e o período em que esteve nos Estados Unidos 1937-46.

Referências

Les Rudnik, “The shadows that things make The things that shadows make

Christina Lodder, MOMA ART TERMS: Constructivism

Eduardo Kac, Against Gravitropism: Art and the Joys of Levitation

Dodie Bellamy, SFMOMA OPEN SPACE – Moholy-Nagy

Julia Brucker, Art History – Moholy-Nagy

Victor Margolin, “The Inexhaustible Wonder of Life”: Lázló Moholy-Nagy’s Utopian Legacy (Muito bom de ler)

Toni Mia Simmonds, “Mein Kodak”, Photography In 1920s Germany

Elena O´Neil, As Operaçôes de Lázló Moholy-Nagy: Espaço, Luz e Movimento (Excelente trabalho, vale ler, é impecável)

Liz Wells, The Photography Reader  – (Moholy-Nagy, A New Instrument of Vision)

George Eastman House – Photography Collections Online Moholy-Nagy

Um comentário em “De Weimar a Gursky – Parte 04”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *