Técnica e linguagem: resolução e pontos

Nos últimos anos, o principal aspecto no qual as câmeras digitais mudaram foi na sua resolução, expressa na quantidade de megapixels. Enquanto há 10 anos as câmeras tinham, quando muito, 1 ou 2 megapixels, hoje qualquer câmera compacta e baixo custo tem mais de 10 e os modelos profissionais mais comuns passam de 20.

O que é, no entanto, um megapixel e qual o impacto prático da sua quantidade? Os pixels são os minúsculos receptores de luz presentes no sensor da câmera, responsáveis por formar a imagem. O prefixo mega corresponde à sua quantidade, sendo que 1 megapixel = 1 milhão de pixels. A quantidade de megapixels no sensor da câmera (e, consequentemente, na formação da foto) é obtida através da sua resolução. Uma foto que tenha, por exemplo, 3mil pixels no seu eixo horizontal e 2000 pixels no seu eixo vertical terá uma resolução descrita em 3.000×2.000 que corresponde a 6.000.000 de pixels, ou 6 megapixels.

Espelho de Rodrigo F. Pereira
Rodrigo F. Pereira

Câmeras com mais megapixels geram mais resolução, o que permite a captura de mais detalhes para observação na tela e impressões maiores mantendo o mesmo padrão de qualidade. No entanto, essa busca por resoluções maiores não é exclusiva do sistema digital. Na fotografia analógica, a imagem não é formada por pixels, mas por grãos de compostos químicos reagentes à luz. Muitos fabricantes buscavam chegar a grãos menores e com formatos regulares, a fim de obter, da mesma forma, mais detalhes e maior possibilidade de impressão sem perder a qualidade.

Por qualidade, entenda-se uma imagem que não pode ser desconstruída. Flusser afirma que uma das características essenciais da imagem técnica é ser formada por pontos (pixels na fotografia digital e grãos na fotografia com filmes). Os pontos devem ser em tal número que não possam ser distintos entre si, formando uma imagem que aparenta ser íntegra. Tal unidade, no entanto, é uma ilusão, um truque. A fotografia, então, seja ela vista na tela, seja impressa a partir de um arquivo digital ou de um negativo, é apenas um aglomerado de pontos. Manter a qualidade significa não revelar esses pontos, não ampliar a imagem de forma que eles possam ser percebidos. Significa, também, representar os menores detalhes e texturas. Em outras palavras: criar a melhor ilusão possível.

Coudes de André Fromont
André Fromont

Assim, quando percebemos que a resolução é apenas mais um dos aspectos constitutivos da imagem, podemos abrir mão de buscá-la inconscientemente, mas usá-la de acordo com as nossas intenções. As fotos que ilustram esse artigo, por exemplo, não só se caracterizam pela baixa resolução, mas também pela evidência dos pontos (pixels ou grãos). Abre-se mão de criar a ilusão verossímil para tornar o ponto um aspecto evidente, clarificando a forma de construção da imagem — coisa que geralmente se tenta esconder.

Para obter esse aspecto, pode-se usar filmes com ISO mais alto, de 400 para cima, fazer fotos subexpostas e compensar na revelação. Para fotos coloridas, pode-se tentar também o processo cruzado (fotografar em cromo e revelar como negativo). Nas fotos digitais, o procedimento é parecido, usar os maiores ISOs da câmera para evidenciar o ruído ou tirar fotos escuras e compensar no pós-processamento.

One Woman, 2007/01/14, 16:15 de John  Perivolaris
John Perivolaris

Ao seguir na contramão da fotografia tecnicamente perfeita, que persegue fotos nítidas, cheias de detalhes e sem grão ou ruído, deixa-se de apenas registrar, documentar ou criar uma ilusão e se permite criar uma linguagem distinta da “oficial”, mostrando o processo em vez de ocultá-lo. Ao fazer isso, além de se soltar das amarras das exigências técnicas, o fotógrafo depende menos do assunto, tornando a fotografia mais criativa.

7 comentários em “Técnica e linguagem: resolução e pontos”

  1. Bom artigo, principalmente pela justa medida em que a tese é exposta, não como uma panacéia criativa, mas como uma alternativa onde insere-se uma metalinguagem derivada da explicitação do processo

  2. João e Ivan,

    Obrigado pela leitura. A ideia nessa série de artigos, de fato, não é oferecer soluções ou fórmulas, apenas decompor alguns elementos do processo fotográfico para que eles possam ser reorganizados ou explicitados quando assim se desejar, quase como num discurso verbal, em que se organizam as palavras de acordo com o sentido do texto.

    Na fotografia certos elementos aparecem tão amarrados que parecem pressupostos pétreos. O de que a foto não pode revelar seu elemento constituinte básico (o ponto) é um deles.

  3. Thiago,

    Acho que sim, esse é um ponto em que os dois sistemas são bem convergentes. Há outros. Eu particularmente acho que a grande diferença teórica entre o filme e o digital é a permanência física da imagem, que ocorre no negativo e não tem uma contrapartida semelhante no digital.

  4. é sempre bom desmistificar certos parâmetros que são automaticamente aplicados e repetidos como se não houvesse opção. é libertador. liberta-se da busca pela resolução, nitidez, representação hipoteticamente fiel do objeto retratado. ler esse texto é como respirar novos ares, ter mais uma opção em um aspecto que para muitos pode ser extremamente inflexível.

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