Faça-se a luz

Infelizmente para nós, fotógrafos amadores e profissionais, não somos o Deus do Antigo Testamento e não podemos criar luz a partir das nossas palavras. A luz é o elemento essencial da fotografia, e ainda assim temos que nos render aos seus caprichos, acordando de madrugada para capturá-la na sua calidez matinal, ajustando flashes e rebatedores para que ela atenda à nossa imaginação e a tocando com fotômetros a fim de avaliar o seu humor.

Gostamos de acreditar que nossas fotografias são nossas criações. Entretando, não somos pintores. Não exercemos, sobre o mundo visto pela câmera, o controle que gostaríamos. Quem pinta, de fato, é a luz. A única coisa que podemos fazer é reconhecer suas cores, as curvas que ela faz em torno dos objetos e sua nêmesis — a sombra — ambas sempre presentes, irrenconciliáveis. O que podemos fazer, então, é nos curvar aos seus pincéis naturais, recortar suas criações com a câmera e, humildemente, agradecer. Continue lendo “Faça-se a luz”

Uma janela e um dia nublado

A luz difusa é a essência do retrato. Ela suaviza as formas do rosto ao mesmo tempo em que cria volume. Não é à toa que em estúdios são utilizados sistemas complexos de iluminação, flashes, rebatedores etc. a fim de se eliminar sombras e criar transições suaves entre áreas mais ou menos iluminadas. Porém, muitas vezes as únicas coisas necessárias para criar essa luz perfeita para fotografar pessoas são muito mais triviais: uma janela, que todos temos à mão; e um dia nublado, que é algo que temos à disposição de tempos em tempos.

Com essa combinação, cria-se uma luz difusa lateral que usualmente joga uma parte do rosto na sombra, enquanto revela detalhes da expressão da pessoa retratada. Mas não é apenas isso. A luz fria e suave proporciona um ambiente de intimidade e proximidade, especialmente porque estamos, nessas fotos, dentro, junto com a pessoa, isolados e protegidos do mundo exterior. A luz difusa também ajuda a moldar o ambiente que cerca o retratado, compondo assim o cenário em que a pessoa é protagonista. Selecionei uma série de fotos que ilustram o universo que vai do cotidiano ao melancólico e que pode ser criado, apenas com os elementos mais básicos da fotografia: uma câmera e uma boa luz. Continue lendo “Uma janela e um dia nublado”

Técnica e linguagem: flash

Quando se aprende a fotografar, um dos aspectos mais relevantes é como explorar a luz. Nos cursos e livros de fotografia, incentiva-se o uso da luz natural ou de sofisticados esquemas de iluminação para que as sombras fiquem suaves, as formas volumosas. Foge-se do flash direto a qualquer custo. Flash direto é o flash sem qualquer rebatimento ou suavizador da luz, disparado direto da câmera (ou de um aparelho de flash externo) para o assunto fotografado. A luz resultante é dura, fria, gerando sombras marcadas e formas chapadas.

Há dois motivos principais pelos quais os profissionais ou amadores avançados fogem do flash direto: primeiro porque associam essa técnica aos amadores “comuns”, ou os fotógrafos de fim de semana, cujas câmeras automáticas sempre utilizam esse recurso quando há escassez de luz. Criar iluminações mais sofisticadas é uma espécie de atestado de conhecimento fotográfico. Além disso, o flash direto denuncia a captura fotográfica, o funcionamento da câmera e a sua limitação: uma vez que não é capaz de captar a cena apenas com a luz existente, é preciso lançar mão de um recurso artificial, quebrando a ilusão da fotografia como cópia da realidade.

No entanto, a luz do flash não rebatido é apenas mais um tipo de luz, como qualquer outra. Ela descreve a cena de uma maneira particular que, por si só, não é melhor ou pior do que outras maneiras, até que utilizemos algum critério subjetivo. O uso do flash direto, pelo seu caráter de desconstrução da ilusão, também é algo subversivo, proporcionando uma forma interessante de fotografar de forma mais autoral.

Keiichi Tahara: um artista da luz

Keiichi Tahara é um artista japonês que trabalha com a luz. Embora tenha iniciado sua carreira trabalhando com fotografia e como operador de câmera de vídeo, sua trajetória deixa claro que ter a luz como objeto de criação vai muito além de registrá-la. É dele uma das fotografias que mais me impressionou na exposição dos 20 anos da NAFOTO, em cartaz na Caixa Cultural da Praça da Sé, em São Paulo, até o dia 3 de julho.

O início da sua carreira, nos anos 70, revela uma relação de intriga com a luz, primeiro nos prédios de Paris, cidade para a qual acabara de se mudar, em seguida nas janelas e, por fim, nos retratos. A imprecisão das suas paisagens e ambientes internos, sempre num preto e branco de base escura, deixa claro que sua protagonista é a iluminação, muitas vezes escassa e esparsa, que se esgueira através das sombras.

Após uma série feita em Polaroid, Tahara passa a trabalhar, nas últimas décadas, com esculturas de luz e instalações, apresentadas em diversas cidades da França e do Japão. No entanto, embora suas obras físicas tenham atingido uma outra dimensão artística, suas fotos ainda são contundentes, ao mostrar um mundo paralelo feito de luz e sombra.

Para conhecer o trabalho do artista, acesse o site oficial: Keiichi Tahara.