Menos eficiência, por favor

Às vezes fotografo com filme, às vezes com digital. Fotografar com filme envolve o seguinte processo: comprar filmes preto e branco pelo e-bay; esperar cerca de um mês até que eles cheguem; colocar o filme na máquina; fotografar por alguns dias até que o filme acabe; levar o filme para revelar; esperar um dia até que a revelação fique pronta; escanear os negativos; tratar os arquivos; enviar as fotos mais interessantes para impressão; esperar até que a impressão fique pronta. Dá pra perceber que esse é um processo bastante longo. Mais do que isso, é um processo quase nada eficiente, especialmente quando comparado à fotografia digital, em que eu posso ter a foto tirada, tratada e impressa em questão de horas e minutos, ao contrário das semanas ou meses que levo com o filme. Mas por que minha fotografia deveria ser eficiente?

No mundo atual, a eficiência é um dogma. Empresas, profissionais, todo mundo está tentando ser o mais eficiente possível. Fazer mais com menos tempo, menos recursos. Essa é a medida de valor de um serviço, ou até mesmo de uma pessoa. A nossa eficiência é medida o tempo todo, desde as notas na escola, a classificação do vestibular, quanto trabalho conseguimos entregar em um dia ou uma semana… Entretanto, a eficiência é apenas um conceito, uma forma de medição, de avaliação, entre muitas outras.

Alex Sandifer

Vivemos sob uma série de conceitos que são tidos como verdades e passamos a aplicá-los a todas as áreas da nossa vida. Ligamos a TV e vemos propagandas de maneiras mais eficientes de fritar um bife, ou até mesmo produtos para que consigamos relaxar de forma mais eficiente! Passamos a nos preocupar com isso sem um mínimo de questionamento e sem perceber quão nocivos certos conceitos são. Já temos que ser muito eficientes no nosso trabalho, por que deveríamos adotar a mesma postura nos momentos de lazer, sendo que é justamente essa corrida por eficiência que nos faz precisar do lazer?

A menos que você seja um fotógrafo profissional cujos clientes demandam eficiência, sua fotografia não ter que ser eficiente. Tentar torná-la mais eficiente provavelmente acabará com todo ou boa parte do prazer que é fotografar. Imagine-se numa viagem de férias. Agora, imagine-se aplicando o conceito de eficiência na sua viagem: você traçaria um plano para fazer o máximo de coisas, ver o máximo de lugares, no menor tempo possível. Se você quisesse ser realmente eficiência, apenas passaria por cada local, sem se deter por um minuto. Não parece muito relaxante ou prazeroso, não? Por que sua fotografia deveria ser assim?

Abrir mão da eficiência significa abrir mão de outras coisas. Talvez você não fotografe tudo que vê. Talvez perca algumas boas fotos. Talvez você apenas contemple uma cena em vez de fotografá-la. Talvez você opte por sair mais sem sua câmera. Talvez você não faça aquela foto de por do sol magnífico que renderia dezenas de curtidas no Facebook. Talvez você não tenha suas fotos online alguns minutos após tirá-las. Talvez você não precise ter mais o equipamento mais moderno. É uma escolha.

Então, para lembrar:

  • Eficiência é apenas um conceito
  • Eficiência é um conceito que só faz sentido dentro de certas circunstâncias
  • Sua fotografia não é uma dessas circunstâncias

Fotografia: o que é importante?

Como acontece com a maior parte dos assuntos, discute-se muito sobre aspectos da fotografia que não são importantes. Foca-se em questões que influenciam muito pouco os resultados e o significado da fotografia para cada pessoa que a tem como paixão ou modo de vida. A partir dos tópicos criados em uma comunidade de discussão de fotografia, elaborei uma pequenas lista de coisas “desimportantes” para nos ajudar a pensar o que fazemos com o pouco tempo que nos é dado e que usamos nessa atividade que para nós é tão especial, seguida por uma lista do que é, para mim, o mais relevante.

O que não importa:

1. Se você usa digital ou filme

2. Quantos megapixels tem sua câmera

3. A camera que você não tem Continue lendo “Fotografia: o que é importante?”

A fotografia como tarefa

Já havia comentado, no texto sobre fotografia e entretenimento, como a fotografia poderia ser vista como uma atividade produtiva, que aplacaria a necessidade de estarmos sempre fazendo alguma coisa, mesmo nas horas livres. Esses dias, relendo o Sobre Fotografia, da Susan Sontag, encontrei uma passagem em que ela fala sobre o mesmo assunto, em meio a uma análise mais complexa sobre o ato fotográfico feito por amadores.

“Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos. A própria atividade de tirar fotos é tranquilizante e mitiga sentimentos gerais de desorientação que podem ser exacerbados pela viagem. Os turistas, em sua maioria, sentem-se compelidos a pôr a câmera entre si mesmos e tudo de notável que encontram. Inseguros sobre suas reações, tiram uma foto. Isso dá forma à experiência: pare, tire uma foto e vá em frente. O método atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho – alemães, japoneses e americanos. Usar uma câmera atenua a angústia que pessoas submetidas ao imperativo do trabalho sentem por não trabalhar enquanto estão de férias, ocasião em que deveriam divertir-se. Elas têm algo a fazer que é uma imitação amigável do trabalho: podem tirar fotos.” (p.20)

Esse trecho aponta que ficamos tão marcados ao modo de vida do trabalho que temos dificuldade em viver de outra forma, mesmo fora do expediente. A fotografia, para o amador, mais do que um prazer, pode ser uma tarefa. Como tarefa, tem normas a serem seguidas, rotinas de execução, precisam ter começo, meio e fim. No entanto, quando se está trabalhando, esses aspectos são naturais pois a tarefa deve ser cumprida de uma determinada forma, a fim de que seu objetivo seja atingido. Só que não há objetivos na fotografia amadora. Sendo assim, não faz sentido atribuir a ela aspectos de tarefa a ser cumprida.


Andre Guerette

A consequência imediata dessa visão é que a fotografia amadora acaba sendo encarada de forma desnecessariamente séria, já que está impregnada de “deveres”. A fotografia tem que ser nítida, tem que ser feita no momento certo, tem que ser bem composta, tem que ter uma mensagem, tem que ser fantástica. Assim como no trabalho temos uma série de metas a serem alcançadas, atribuímos à fotografia uma série de qualidades que devem ser atingidas. Do contrário, a fotografia não é boa. A questão é que uma atividade feita por lazer ou amor não tem que ter metas, não tem que passar por nenhum tipo de controle de qualidade. A fotografia pode ser simplesmente um testemunho da relação que temos com aquilo que nos cerca. A qualidade desse testemunho não tem a ver com uma série de critérios técnicos, e sim ao significado que o autor atribui à imagem.

A foto não é uma peça resultante de uma linha de produção, que precisa ser feita sempre da mesma maneira e obedecer a uma série de normas no processo e no resultado: ela é maleável e pode ser produzida como se bem entende. Ainda bem. Pois, ao entender isso, podemos nos ater ao que realmente importa ao fotografar, que é mostrar o nosso mundo, e talvez ainda ter um pouco de diversão no processo. Você pode fazer da sua fotografia aquilo que desejar. Não há nenhum chefe que vai vir conferir se ela foi bem feita. Submeter suas fotografias a um crivo externo – especialmente de pessoas desconhecidas – é pedir pra encontrar vários chefes e transformar sua fotografia em trabalho. Isso não combina com os possíveis papéis da fotografia amadora: ser um lazer ou uma forma de expressão pessoal.

A fotografia amadora não tem que ser nada. Ela pode ser qualquer coisa. Mas você tem autonomia total para decidir isso, sem se basear em nenhum tipo de norma. Sobretudo, ela não tem que ser uma tarefa. Você provavelmente já trabalha o suficiente e não precisa transformar seu lazer, sua criatividade ou sua arte em trabalho. Aprenda a relaxar.

Referência:
Sontag, S. (1977). Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.