DxO Filmpack

Quando se está acostumado a fotografar com negativo preto e branco ou positivo colorido, ficamos muito ligados aos resultados característicos desses processos. Esses resultados são tão distantes de fotografias digitais não trabalhadas que dá a impressão de que há um abismo intransponível entre elas.

Por exemplo, as fotografias digitais, quando (mal) convertidas para preto e branco, podem apresentar alguns problemas, especialmente quando se tem na cabeça o referencial da fotografia analógica:

  • pouco contraste, aquele cinzão meio escuro predominante
  • muito contraste, deixando os pretos muito pretos e os brancos muito brancos
  • perda de detalhes nas altas luzes
  • ausência da suavidade nos tons proporcionada pelo grão

Já no caso das fotografias coloridas, as fotografias digitais pareciam não ser capazes de representar bem certos tons de vermelho e outras cores quentes, que aparecem tão bem nos cromos, por exemplo.

Ainda assim, nos últimos tempos tenho visto fotografias digitais com resultados muito bons, inclusive na conversão para preto e branco. Talvez isso se deva à uma melhora na qualidade dos sensores de câmeras mais recentes, o que não parece ser uma boa explicação, pois geralmente esses evoluções são muito mais sutis do que a publicidade dos fabricantes de câmeras nos faz acreditar.

Provavelmente, um fator importante é o tratamento das fotos digitais. É possível que, ao se dedicar a essa etapa da produção de fotografias o suficiente, seja possível obter resultados tão interessantes quantos os da fotografia analógica. Por conta disso, resolvi testar o DxO Filmpack, da DxO Labs. Já adianto que isso não é propaganda: se você quiser usar o Filmpack, pode ir atrás de algumas versões antigas que saíram de graça. Outros programas ou presets que simulam o filme podem ser encontrados para Lightroom, Aperture e Photoshop, como os do Presetpond.

O Filmpack é um programa simples, não voltado para fazer conversões de RAW ou ajustes mais complexos como o Photoshop ou Gimp. Ele pressupõe que você tenha um arquivo já convertido e relativamente equilibrado em termos de exposição e cor. Você só pode editar uma fotografia de cada vez — embora os filtros possam ser aplicados em lote — e a essência do programa é aplicar o visual de um filme específico na foto. Esses filtros, que têm o nome dos filmes que eles pretendem simular estão divididos em categorias: positivo colorido, negativo colorido, negativo preto e branco e filtros criativos.

Você pode escolher o visual de um filme (cores e tons) e o grão de outro. Além disso, pode fazer ajustes de curvas, contraste, microcontraste, saturação e efeitos como bordas e vazamentos de luz. Isso permite que você faça combinações únicas e salve como filtros personalizados. Abaixo seguem alguns exemplos de fotografias processadas com o DxO.

O perturbador Kodachrome

Kodachrome é o nome de uma série de filmes fotográficos positivos (slides) fabricados pela Kodak entre 1935 e 2009. Durante o tempo em que foi produzido, era um dos filmes coloridos mais utilizados, tendo sido fabricado em diversos formatos, tanto para fotografia quanto para filmagem.

Na primeira vez em que vi um slide Kodachrome de 35mm nas minhas mãos, me assustei. O susto foi pelo fato da foto ter sido feita há mais de 30 anos e as cores, o contraste e a estrutura do filme estarem impecáveis. Mesmo não tendo sido armazenados com muito cuidado, os slides pareciam ter sido fotografados no dia anterior. Outros filmes que estavam armazenados juntos estavam praticamente destruídos pelo tempo e pelos fungos. Esses outros filmes, ou mesmo as fotos impressas, vão se desgastando com o tempo, perdendo suas cores e contrastes. Assim, quando vemos uma foto antiga, há uma espécie de embaçamento que nos distancia da imagem e denuncia a época em que foi feita. Quando guardados da forma correta, os Kodachromes aguentam por 50 anos ou mais, preservando suas características. E aí, quando nos deparamos com uma dessas fotos, sem o embaçamento esperado, há um choque pelo não distanciamento, que abala nossa concepção de tempo.

Se você fizer uma busca pelo termo Kodachrome, verá uma série de fotografias feitas com ele há 2, 10, 20, 30 ou até 70 anos. O perturbador nisso tudo é que não há diferença entre as fotos. Todas parecem atuais. Vemos uma reunião de família ou dois irmãos num gramado com cores tão vívidas que é difícil acreditar que aqueles momentos já ficaram tão longe no passado. As fotos abaixo foram feitas com Kodachrome nas décadas de 1950 e 1960.

Só depois de algum tempo pensando na questão do Kodachrome, percebi que a mesma coisa acontecerá daqui a algum tempo com as fotografias digitais. Depois da sua evolução inicial, o aspecto visual das fotos digitais passou a um patamar homogêneo. Se não houver uma grande mudança nesse aspecto geral, e se daqui a algumas décadas as fotos ainda se parecerem com as de hoje – em termos de cores e contraste, mesmo que visualizadas na tela – não teremos mais o embaçamento que nos permite situar a época em que a foto foi feita. Teremos que nos situar através de outros indicadores, como as roupas, cortes de cabelo, design de móveis ou carros. É complicado falar sobre o que pode ou não acontecer numa época em que tudo muda tão rapidamente como nos dias de hoje. Mas, se a fotografia digital continuar essencialmente a mesma, talvez ela faça com que alteremos, ainda que ligeiramente, nossa relação com o tempo, da mesma forma que fez o Kodachrome.

Fotografia antisséptica

Enquanto navegava pelo blog El patio del Diablo, indicado pelo meu amigo Daniel Cobucci, certa inquietação em relação à fotografia ia se formando, conforme se passavam as páginas dessa antologia de grandes fotógrafos. Foto após foto, percebia que havia ali uma certa atmosfera comum, independentemente dos assuntos e estilos diversificados de cada autor referenciado. A maior parte dos trabalhos apresentados situa-se temporalmente em meados do século passado. Será essa atmosfera que permeava os trabalhos uma característica existente na luz do passado? Eram os estilos na verdade homogêneos, apesar de parecerem distintos?

Busquei uma referência atual no site do YPU. Lá encontra-se a mesma força nas imagens, a abordagem semelhante que dá ao banal uma fúria estética capaz de transformar a percepção que se tem do mundo. Mas ainda falta a tal atmosfera, a incerteza das fotos antigas. Detesto responder essas questões tão abertas, mas a diferença entre o velho e o novo é tão gritante que uma explicação se explicita.

Surge Flusser alertando, incessantemente, que o programa está embutido no aparelho. Operamos o aparelho dentro de uma gama limitada de possibilidades que já vêm pré-estabelecidas. E qual a grande diferença entre os aparelhos do século passado e os desse. Com relutância, a resposta se deixa admitir: o filme.

A fotografia com filme é meio suja, mais incerta, menos corrigível… Talvez sejam esses elementos que criam toda a atmosfera que se vê nas imagens antigas. Há certa crueza nas fotos, grãos aparentes, cores irreais (mas sedutoras). Fotografias analógicas têm textura, enquanto as digitais são lisas.

Uma vez que o programa está embutido no aparelho, podemos apenas escolher entre as possibilidades que nos são oferecidas. Entretanto, o rumo adotado pela indústria, independentemente de marca ou modelo de câmera, é apenas um: o da antissepsia. Antisséptico “se refere se refere a tudo o que for utilizado no sentido de degradar ou inibir a proliferação de micro-organismos” (Wikipedia). Na fotografia, esses micro-organismos são os grãos, a textura. A fotografia digital tem horror a isso. O objetivo dos engenheiros é projetar câmeras que gerem imagens cada vez mais limpas, lisas, livres de quaisquer irregularidades. Objetiva-se imagens cada vez mais nítidas e livres de imperfeições. O vilão da fotografia digital, o ruído, característico do ISO alto, é desagradável, já que é uma interferência na imagem, enquanto o grão do filme, mesmo que aparente, é o constituinte da imagem formada pela câmera.

A indústria, então, propões uma direção única para os equipamentos fotográficos. Relaciona-se qualidade com uma pretensa reprodução “fiel” da realidade, sem interferências, criando uma ilusão cada vez mais perfeita, em que se oculta cada vez mais sua criação dentro da caixa-preta que é o equipamento. Uma tendência que segue muito bem o paradigma da fotografia publicitária, em que a antissepsia é fundamental. Mas, espere um pouco, as pessoas não querem fazer propaganda com suas câmeras e fotografias. Ou querem?

Fotografia: processo e resultado

Fazer uma fotografia é um processo que se inicia com a concepção, por parte do autor, de um tema de interesse ou uma ideia visual – se fôssemos ser mais estritos, poderíamos dizer que o processo começa muito antes, mas para simplificar, vamos assumir esse ponto como o momento de partida. O processo se desenvolve através do contato do fotógrafo com o tema ou a situação que será o objeto da fotografia, a escolha de aspectos compositivos, os ajustes do equipamento, o clique da máquina, a edição da fotografia via software ou laboratório, a produção da cópia (impressa ou na tela) e a publicação, que a coloca em contato com os observadores.

Quando vemos uma fotografia, só vemos o resultado. Podemos inferir algumas etapas do processo, como a lente utilizada, a hora em que a foto foi feita ou o quanto o fotógrafo esteve próximo ou distante do assunto. Mas, como o que é de fato visto é o resultado, o ponto no qual convergem todas as escolhas das etapas anteriores, é a partir dele que a foto será julgada. Não importa se o fotógrafo ficou horas esperando uma determinada luz, se na hora do clique o assunto de mexeu: se a foto não corresponde às expectativas do observador, o processo não serve como desculpa.

Quando se é um fotógrafo profissional, não há como escapar: seu trabalho será julgado por esse resultado, que deve agradar ao cliente. Os aspectos do processo são irrelevantes, basta que eles levem à produção daquilo que é esperado. Não é à toa que muitos se preocupam com a confiabilidade dos equipamentos e dos locais, já que o cliente não quer saber se o cartão deu problema ou se a luz não era boa: o resultado precisa ser produzido não importa o que aconteça.


Bárbara, por Arthur Miranda

No entanto, quando se é um fotógrafo amador, o foco não precisa, necessariamente, estar no resultado. Muitas vezes as pessoas fotografam por causa do processo: pelo prazer de se envolver com um determinado assunto, por buscar uma boa luz, por tratar as imagens e até pela mera manipulação do equipamento. O amador pode escolher se vai se dedicar ou não ao resultado que cumpre as expectativas do observador ou se a fotografia tem sua “utilidade” no processo em si.

Ao entender a fotografia dessa forma, compreende-se porque muitas pessoas ainda usam filme, câmeras manuais ou revelam suas próprias fotos em casa. Pode haver uma diferença no resultado, mas ela não é tão grande a ponto de justificar o esforço que se tem quando compara-se com o sistema digital. O cerne da questão é que o processo é muito mais importante. Muitos fotógrafos consagrados gostavam de se trancar no laboratório por horas. O processo, nesses casos, se tornou mais importante do que o resultado. E aí está a diversão de ser um fotógrafo amador. Não há expectativas a cumprir, não há certo ou errado: pode-se fazer tudo do jeito que bem entender.

Fazer fotografias pode ser muito mais do que produzir imagens. Pode ser uma forma de relacionar-se com o mundo, de contemplar aquilo que está a nossa volta. Pode ser também uma espécie de retiro consigo mesmo, ao editar, tratar, imprimir as fotos no fim de um dia. Não é à toa que muitas pessoas veem a fotografia como uma forma de desconectar-se da rotina e do estresse. No entanto, para que seja possível aproveitar a fotografia enquanto processo, é preciso, ao menos até um certo ponto, abdicar dela enquanto resultado.

Nós e a tecnologia: uma faca de dois gumes

Em “O Caminho para Wigan Pier”, escrito nos anos 30, George Orwell profetiza: “no futuro, faremos ginástica para exercitar músculos que nunca usaremos”. Era o presságio de que a tecnologia serviria cada vez mais para facilitar a nossa vida e que a contrapartida é uma fragilização do ser humano. Embora Orwell faça o comentário em termos físicos, não é demais pensar que o mesmo se aplica em termos intelectuais.

Somos uma geração mimada pelas facilidades da tecnologia. Em termos comportamentais, o indicativo mais evidente desse processo é que nos tornamos extremamente intolerantes à frustração. Tolerância à frustração é um termo psicológico que descreve o quanto conseguimos lidar com o fato das coisas não serem como queremos. Se por um lado é maravilhoso que a tecnologia nos permita fazer coisas cada vez mais rápida e facilmente, por outro a tendência é que nos tornemos cada vez mais dependentes da tecnologia e impacientes frente às mínimas dificuldades.

O principal trunfo da fotografia digital foi permitir que as fotos pudessem ser visualizadas instantaneamente. As primeiras câmeras a se tornarem populares, as Kodak Brownies, precisavam ser enviadas de volta à fabrica para retirada do filme, revelação das fotos e recolocação de um negativo novo. Com o filme 35mm, o processo de revelação se tornou mais ágil, mas ainda era feito manualmente. Com os minilabs, as fotos finalmente passaram a ficar prontas rapidamente: em uma hora. Mas ainda assim, a tendência de aceleração continuou e hoje podemos ver as fotos antes mesmo de serem batidas, nos LCDs das câmeras compactas e celulares. Quando a Polaroid decidiu parar de fabricar suas câmeras e filmes instantâneos, um de seus executivos de marketing disse: “a Polaroid não vendia câmeras, vendia a possibilidade de ver as fotos na hora, que foi apropriada pelo sistema digital”.


moominsean

Isso faz com que tenhamos uma atitude em relação à fotografia – e, de certa forma, com a vida de forma geral – imediatista e perfeccionista. Não admitimos atrasos, erros, imperfeições. Queremos tudo, para agora, do jeito que esperamos. Até certo tempo, vivíamos muito bem com limitações que hoje seriam intoleráveis. Tínhamos que esperar três anos para assistir um filme na televisão depois de lançado no cinema. Lidávamos bem com o fato de não conseguirmos falar imediatamente com alguém no telefone. Não achávamos estranho ter que colocar manualmente a agulha sobre o disco de vinil para ouvir música. Planejávamos nossa semana de forma a não precisar fazer compras no domingo, quando estava tudo fechado. E achávamos que ter nossas fotos reveladas em uma hora era incrivelmente rápido. Prestávamos, também, menos atenção em se as fotos estavam com as cores equilibradas, cortes adequados, granulação…

Há quem argumente que a facilidades tecnológicas libertam o homem de tarefas menos importantes, deixando mais espaço para o desenvolvimento intelectual. Parece fazer sentido, mas será que esse desenvolvimento está acompanhando a tecnologia? Estamos, na média, nos tornando mais competentes intelectualmente ou apenas uma massa preguiçosa e impaciente?


Leanne Surfleet

Não quero dar a entender que “os velhos tempos é que eram bons”. Pelo contrário, havia coisas muito chata. Como, por exemplo, ter que comprar fichas telefônicas e usar orelhões. Não era possível optar pelo combustível que usaríamos nos carros nem conversar com parentes do outro lado do mundo sem gastar quase nada. O avanço tecnológico pode ser bom ou ruim, dependendo do uso que cada um faz dele. Acredito que se usamos as facilidades da tecnologia para melhorar a nossa vida e a nós mesmos, não há como dizer que isso é algo negativo. Mas se, por outro lado, nos deixamos acostumar com as facilidades e nos tornamos irriquietos, ansiosos e intolerantes com as menores dificuldades, algo está fora do lugar.

No caso da fotografia, o sistema digital propicia oportunidades que eram apenas sonhadas pelos fotógrafos que nos precederam. Podemos ter imediatamente o resultado de qualquer experiência. Podemos fazer um número virtualmente ilimitado de fotos sem nos preocupar com custos de filmes e revelação. Podemos aprender como controlar a câmera rapidamente. Com isso, a fotografia se tornou ainda mais fácil. Aproveitando essas possibilidades, qualquer um pode ser tornar um grande fotógrafo. Esse, pra mim, é um dos aspectos mais virtuosos do digital: a fotografia “séria” deixou de ser uma atividade elitizada, limitada por conta dos custos e dificuldades técnicas. A excelência está nos dedos de qualquer um – desde que haja dedicação e esforço.

Não apague suas fotos (ou, pelo menos, espere um pouco)

Geralmente, quando fotografo usando filme preto e branco, peço apenas a revelação dos negativos, os quais escaneio em casa. Nesta última semana, no entanto, queria fazer algumas ampliações e queria acelerar o processo. Pedi, então, que o laboratorista fizesse folhas de contato para cada um dos filmes revelados. Pois bem, recebi os filmes e vasculhei rapidamente os contatos para escolher as ampliações. Para quem não sabe, no processo manual, os contatos são feitos colocando-se as tiras de negativos sobre uma folha de papel fotográfico, mais ou menos do tamanho de um A4. Ilumina-se a folha, que depois é revelada. No processo automático dos laboratórios comuns os negativos são escaneados e o “contato” é montado pelo software da máquina. Depois, no entanto, olhei as folhas com mais calma, o que me levou a algumas reflexões.

Primeiro, a constatação, que não tem nenhuma novidade, de como o filme é inexoravelmente cruel com os nossos erros. O contato mostra todas as fotos ml expostas, mal concebidas ou que simplesmente deram errado, por qualquer motivo. E, uma vez que na fotografia analógica não há o botão delete, o erro fica marcado para sempre. Mas há um aspecto muito interessante na observação de uma folha de contato, que é poder observar o seu raciocínio fotográfico – do qual os erros fazem parte – de forma completa. As tentativas, as alternativas, aquilo em que insistimos ou o que simplesmente desistimos de fazer. Como na fotografia, especialmente entre os iniciantes, há um mito de que você precisa acertar sempre, olhar para o processo que leva aos acertos pode ser útil para o aprendizado.

E aí, há muita controvérsia em relação ao que é melhor para se aprender, começar a fotografar com filme ou digital. Muitas escolas de fotografia ainda pedem que os alunos usem câmeras mecânicas. A contra-argumentação dos que defendem o aprendizado digital afirma, com propriedade, que ver o resultado imediato permite entender muito mais rapidamente o efeito das técnicas. E, de fato, isso parece difícil de rebater quando se fala do aprendizado técnico, mas quando se pensa no processo fotográfico mais amplo, envolvendo inclusive questões de estilo, a fotografia digital permite um hábito que pode ser prejudicial, apesar de parecer inocente: nós tendemos a apagar imediatamente as fotos que não ficam boas, perdendo, assim, a chance de vislumbrar o nosso raciocínio fotográfico por inteiro e dificultando o entendimento do processo. É claro que, caso se concorde com essa ideia, a questão é facilmente resolvível simplesmente não apagando as fotos.


Gustavo Gomes

Há uma tendência em se achar que o erro é uma falha no processo de aprendizado. Bem, isso é um erro. Os erros são tão ou mais importantes do que os acertos. É importante variar as formas de se tentar chegar em um determinado resultado. Isso leva à criatividade, à flexibilidade e, inevitavelmente os erros farão parte desse tipo de conduta. O indivíduo que não erra é provavelmente muito menos criativo e flexível do que aquele que erra.

Quando falo em aprendizado, não me refiro apenas ao aprendizado que leva a saber fotografar de forma tecnicamente correta, coisa que conseguimos com poucas semanas de treino. Aprendemos o tempo todo, a vida toda, em qualquer coisa que fazemos. Quando estamos tentando desenvolver um estilo pessoal, ou engajados num ensaio fotográfico, estamos aprendendo, acertando e errando o tempo todo. Isso nunca acaba. E me passou pela cabeça que talvez seja interessante ter o hábito de olhar para nossas folhas de contato. Mesmo que se fotografe com câmeras digitais, significa simplesmente olhar a série toda na tela do computador antes de descartar as que não interessa. Usar os erros para estudo pode permitir uma melhor compreensão do nosso raciocínio fotográfico, das nossas intenções e tentativas. Ficar com as fotos ruins na câmera e no computador por alguns instantes antes de mandá-las para a lixeira não nos matará – provavelmente.

E o Tri-X sobrevive

No início da década, quando a fotografia digital começou a aparecer no mercado, ela pouco competia com o filme, pois sua qualidade ainda era pífia quando comparada àquela obtida pela fotografia analógica. No entanto, ao longo dos anos, a evolução das câmeras digitais tornou o filme algo extremamente obsoleto, já que não só a qualidade se equiparou, como os preços de câmeras digitais caíram vertiginosamente. Por conta disso, muitos filmes deixaram de ser fabricados simplesmente porque não vendiam mais, já que quem os consumia em maiores quantidades – os profissionais – migraram para os sistemas digitais.

No entanto, um filme de 56 anos, preto e branco, ainda é um campeão de vendas, em pleno 2010: o Kodak Tri-X 400. Introduzido em 1940 em grande formato e ISO 200, em 1954 passou a ser comercializada a versão atual: ISO 400, em rolos de 35mm ou 120 (médio formato). O Tri-X é um filme com granulação clássica, rápido (para os padrões da fotografia analógica) e o preferido de muitos fotógrafos conceituados, em especial os documentaristas.

Em São Paulo, o Tri-X ainda é relativamente fácil de encontrar e os preços estão relativamente estabilizados. Na Chromur, eles vendem rolos rebobinados a R$ 17 cada e “originais”, na caixinha, por R$ 26 (preços de 22/10/10), enquanto na Capovilla o rebobinado sai a R$ 25. Um pouco salgado, considerando que nos Estados Unidos um rolo 35mm original sai por US$ 4. Se você tiver uma conta no PayPal e paciência, é fácil encontrar o filme no eBay por esse preço, inclusive em pacotes com 10 rolos a US$ 40.

Parênteses para quem não está familiarizado com o filme rebobinado: os filmes fotográficos, como o Tri-X, também são vendidos em rolos de 100 pés, contidos em uma lata. Nesse caso, é necessário rebobinar o filme para dentro dos cassetes e cortá-los, para utilização nas câmeras. Algumas lojas compram o filme em lata para rebobinar e vender cada cassete a um preço mais baixo que o rolo de 35mm original. Falo em “original” referindo-me ao que vem num cassete próprio, dentro da caixinha da Kodak, mas nos dois casos o filme é o mesmo. Geralmente não há problemas com o rebobinado e você ainda ganha umas exposições extras, já que ao rebobinar eles costumam deixar alguma folga. Já comprei filmes rebobinados que renderam 40 poses.

Diz-se que o Tri-X tolera bem ser puxado para ISO 800, sem necessidade de compensação na revelação, e para ISO 1600, com necessidade de ajuste no tempo de revelação. Caso você queira se aventurar a revelar o Tri-X, o tempo indicado para o revelador D-76 é de 6 minutos e 45 segundos a 20º (9 minutos de 45 segundos para D-76 com diluição 1:1 a 20º). Mais detalhes podem ser encontrados nessa tabela de tempos de revelação de filmes preto e branco da Kodak.

De tempos em tempos, quando quero obter nas fotos o aspecto PB característico do filme, ou quando acho que algum assunto é interessante o suficiente para mantê-lo num suporte físico, uso direto o Tri-X, como fiz numa série recente, Aikido. Abaixo, há uma galeria com fotografias feitas com o Tri-X e disponibilizadas no Flickr sob licença Creative Commons.

Fontes:
Kodak
Wikipedia
The Online Photographer

Técnica e linguagem: resolução e pontos

Nos últimos anos, o principal aspecto no qual as câmeras digitais mudaram foi na sua resolução, expressa na quantidade de megapixels. Enquanto há 10 anos as câmeras tinham, quando muito, 1 ou 2 megapixels, hoje qualquer câmera compacta e baixo custo tem mais de 10 e os modelos profissionais mais comuns passam de 20.

O que é, no entanto, um megapixel e qual o impacto prático da sua quantidade? Os pixels são os minúsculos receptores de luz presentes no sensor da câmera, responsáveis por formar a imagem. O prefixo mega corresponde à sua quantidade, sendo que 1 megapixel = 1 milhão de pixels. A quantidade de megapixels no sensor da câmera (e, consequentemente, na formação da foto) é obtida através da sua resolução. Uma foto que tenha, por exemplo, 3mil pixels no seu eixo horizontal e 2000 pixels no seu eixo vertical terá uma resolução descrita em 3.000×2.000 que corresponde a 6.000.000 de pixels, ou 6 megapixels. Continue lendo “Técnica e linguagem: resolução e pontos”

Só para loucos

Ainda a questão do acaso na fotografia

Recentemente, comentei aqui sobre uma fotografia aberta ao acaso, voltada mais a provocar impressões do que ser simplesmente representativa, e das dificuldades em se estabelecer os limites conceituais e práticos. Nas últimas semanas, continuei procurando fazer esse tipo de fotografia, experimentando especialmente as baixas velocidades do obturador e as múltiplas exposições.

Nos dois casos, há margem para o imprevisto. Ao usar baixas velocidades, não se sabe exatamente que efeito o movimento causará. Além dos borrões óbvios, os pontos em que o movimento é mais lento ou cessa ficam marcados no fotograma, multiplicando a presença do objeto.

Na primeira linha de fotos (coloridas), utilizei uma câmera reflex digital, ISO 200, modo de prioridade de velocidade, ajustado em cerca de meio segundo. A abertura variou de acordo com o programa da câmera, mas sitou-se em torno de f/11 e f/16, o que levou a um foco longo (que não se vê pelo movimento) e até ao destaque para as sujeiras no sensor.

Já no restante (preto e branco), fotografei com uma câmera reflex analógica, com filme ISO 100 e lente de 55mm. Configurei o fotômetro para ISO 200 no caso de duplas exposições, ou ISO 400 no caso de exposições múltiplas.  Uma das fotos é a sobreposição de várias inscrições na lateral de um edifício. Em uma delas lê-se “só para loucos”, que me remeteu ao livro de Herman Hesse, O Lobo da Estepe, em que o personagem principal adentra o Teatro Mágico, que é descrito por essa expressão (e daí o título deste artigo).

As duas séries são bastante diferentes entre si e se afastam da fotografia convencional. São melhor definidas por imagens produzidas por câmeras fotográficas, utilizando recursos já programados nas máquinas, mas em contextos que levam  a um resultado permeado de imprevisibilidade. Embora sejam técnicas pra lá de antigas, ainda há quem se surpreenda com os efeitos obtidos. É possível, a partir delas, manter a discussão dos limites da fotografia, ao se perguntar onde se situa tudo aquilo que a câmera fotográfica é capaz de fazer.