Não apague suas fotos (ou, pelo menos, espere um pouco)

Geralmente, quando fotografo usando filme preto e branco, peço apenas a revelação dos negativos, os quais escaneio em casa. Nesta última semana, no entanto, queria fazer algumas ampliações e queria acelerar o processo. Pedi, então, que o laboratorista fizesse folhas de contato para cada um dos filmes revelados. Pois bem, recebi os filmes e vasculhei rapidamente os contatos para escolher as ampliações. Para quem não sabe, no processo manual, os contatos são feitos colocando-se as tiras de negativos sobre uma folha de papel fotográfico, mais ou menos do tamanho de um A4. Ilumina-se a folha, que depois é revelada. No processo automático dos laboratórios comuns os negativos são escaneados e o “contato” é montado pelo software da máquina. Depois, no entanto, olhei as folhas com mais calma, o que me levou a algumas reflexões.

Primeiro, a constatação, que não tem nenhuma novidade, de como o filme é inexoravelmente cruel com os nossos erros. O contato mostra todas as fotos ml expostas, mal concebidas ou que simplesmente deram errado, por qualquer motivo. E, uma vez que na fotografia analógica não há o botão delete, o erro fica marcado para sempre. Mas há um aspecto muito interessante na observação de uma folha de contato, que é poder observar o seu raciocínio fotográfico – do qual os erros fazem parte – de forma completa. As tentativas, as alternativas, aquilo em que insistimos ou o que simplesmente desistimos de fazer. Como na fotografia, especialmente entre os iniciantes, há um mito de que você precisa acertar sempre, olhar para o processo que leva aos acertos pode ser útil para o aprendizado.

E aí, há muita controvérsia em relação ao que é melhor para se aprender, começar a fotografar com filme ou digital. Muitas escolas de fotografia ainda pedem que os alunos usem câmeras mecânicas. A contra-argumentação dos que defendem o aprendizado digital afirma, com propriedade, que ver o resultado imediato permite entender muito mais rapidamente o efeito das técnicas. E, de fato, isso parece difícil de rebater quando se fala do aprendizado técnico, mas quando se pensa no processo fotográfico mais amplo, envolvendo inclusive questões de estilo, a fotografia digital permite um hábito que pode ser prejudicial, apesar de parecer inocente: nós tendemos a apagar imediatamente as fotos que não ficam boas, perdendo, assim, a chance de vislumbrar o nosso raciocínio fotográfico por inteiro e dificultando o entendimento do processo. É claro que, caso se concorde com essa ideia, a questão é facilmente resolvível simplesmente não apagando as fotos.


Gustavo Gomes

Há uma tendência em se achar que o erro é uma falha no processo de aprendizado. Bem, isso é um erro. Os erros são tão ou mais importantes do que os acertos. É importante variar as formas de se tentar chegar em um determinado resultado. Isso leva à criatividade, à flexibilidade e, inevitavelmente os erros farão parte desse tipo de conduta. O indivíduo que não erra é provavelmente muito menos criativo e flexível do que aquele que erra.

Quando falo em aprendizado, não me refiro apenas ao aprendizado que leva a saber fotografar de forma tecnicamente correta, coisa que conseguimos com poucas semanas de treino. Aprendemos o tempo todo, a vida toda, em qualquer coisa que fazemos. Quando estamos tentando desenvolver um estilo pessoal, ou engajados num ensaio fotográfico, estamos aprendendo, acertando e errando o tempo todo. Isso nunca acaba. E me passou pela cabeça que talvez seja interessante ter o hábito de olhar para nossas folhas de contato. Mesmo que se fotografe com câmeras digitais, significa simplesmente olhar a série toda na tela do computador antes de descartar as que não interessa. Usar os erros para estudo pode permitir uma melhor compreensão do nosso raciocínio fotográfico, das nossas intenções e tentativas. Ficar com as fotos ruins na câmera e no computador por alguns instantes antes de mandá-las para a lixeira não nos matará – provavelmente.