Técnica e linguagem: flash

Quando se aprende a fotografar, um dos aspectos mais relevantes é como explorar a luz. Nos cursos e livros de fotografia, incentiva-se o uso da luz natural ou de sofisticados esquemas de iluminação para que as sombras fiquem suaves, as formas volumosas. Foge-se do flash direto a qualquer custo. Flash direto é o flash sem qualquer rebatimento ou suavizador da luz, disparado direto da câmera (ou de um aparelho de flash externo) para o assunto fotografado. A luz resultante é dura, fria, gerando sombras marcadas e formas chapadas.

Há dois motivos principais pelos quais os profissionais ou amadores avançados fogem do flash direto: primeiro porque associam essa técnica aos amadores “comuns”, ou os fotógrafos de fim de semana, cujas câmeras automáticas sempre utilizam esse recurso quando há escassez de luz. Criar iluminações mais sofisticadas é uma espécie de atestado de conhecimento fotográfico. Além disso, o flash direto denuncia a captura fotográfica, o funcionamento da câmera e a sua limitação: uma vez que não é capaz de captar a cena apenas com a luz existente, é preciso lançar mão de um recurso artificial, quebrando a ilusão da fotografia como cópia da realidade.

No entanto, a luz do flash não rebatido é apenas mais um tipo de luz, como qualquer outra. Ela descreve a cena de uma maneira particular que, por si só, não é melhor ou pior do que outras maneiras, até que utilizemos algum critério subjetivo. O uso do flash direto, pelo seu caráter de desconstrução da ilusão, também é algo subversivo, proporcionando uma forma interessante de fotografar de forma mais autoral.

Desconstrução da ilusão fotográfica

A fotografia é uma construção humana, uma forma artificial de produzir representações através de um aparelho. Através da programação desse aparelho, são determinadas as formas como a luz refletida por objetos tridimensionais é descrita num plano retangular. Por conta de questões culturais e históricas, a fotografia assumiu, na nossa sociedade, o papel de atestado da verdade, de que algo houve – o “isto foi” de Barthes. Alguns usos da fotografia dependem muito desse mito, como o jornalismo e a publicidade. Entretanto, um exame mais próximo do processo de construção de uma foto – o desvendamento da caixa preta – mostra que essa concepção é um grande engodo.

Esse exame mais próximo foi a proposta do workshop Fotografia: Desconstrução, Realidade, Interpretação, realizado durante o último fim de semana no Espaço de Fotografia F/508, em Brasília. A base teórica do curso foi construída a partir de três obras: Filosofia da Caixa Preta, de Vilém Flusser, A Ilusão Especular, de Arlindo Machado (PDF para download, 90MB) e O Universo das Imagens Técnicas, também de Flusser. Sugeriu-se, então, que os participantes produzissem imagens que denunciassem o processo de funcionamento da câmera: movimento, desfoques, cortes, sobreposições e distorções. O objetivo era o impedimento da leitura automática da foto: dessa forma, o observador não pode olhar direto para a cena, ignorando a existência de um aparelho em funcionamento e um autor por trás dele.

Participaram do workshop Adriana Camilo, Antônio Nepomuceno, Edmílson Pinto, Bete Coutinho, Fred Cintra, Jean Peixoto, José Renato da Silva, Júlia Salustiano, Marco Antônio Gonçalves, Rafael Dourado e Vania Almeida. O grupo pôde, na saída fotográfica realizada na Vila Planalto, exercitar a desconstrução através do programa das câmeras ou criando formas de subverter o funcionamento dos equipamentos, produzindo resultados iniciais que podem servir de subsídio para novas linhas de pesquisa pessoal. Uma vez que se amplia a forma de fotografar, incorporando métodos distintos, cria-se um repertório mais diversificado que fortalece a representação de intenções, emoções e conceitos através da arte fotográfica. Além disso, ao compreender os conceitos presentes na construção da imagem fotográfica, aprimora-se também na produção da fotografia convencional.

Abaixo, segue uma galeria com os trabalhos dos participantes. Fred Cintra foi além da fotografia estática e criou um vídeo com a produção resultante do workshop.

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