A escolha do assunto

Podemos pensar na fotografia de acordo com os seguintes elementos: o referente, ou aquilo que é fotografado; o fotógrafo; o aparelho fotográfico; a fotografia como resultado e/ou objeto; e o observador. Uma das relações que mais me intriga é entre o fotógrafo e o referente. Contudo, é o uso da fotografia, ou seja, aquilo que o fotógrafo procura no seu resultado, a fim de provocar uma reação no observador — ainda que este seja ele mesmo — que determina a escolha do assunto.

A maior parte das pessoas, quando fotografa, segue a ideia de obter um registro. Em viagens, em festas, em reuniões familiares. Por isso, a escolha do referente é quase óbvia: retratam-se os pontos turísticos, os amigos, os familiares em situações importantes.

Há um aspecto marcante entre os fotógrafos amadores avançados, visível em comunidades virtuais ou fóruns de discussão: embora haja um conhecimento técnico e tecnológico gigantesco, há pouquíssimo desvio da fotografia como registro. Poder-se-ia continuar fotografando eternamente as mesmas coisas, embora com técnica apurada, caso não fosse a fotografia digital. Continue lendo “A escolha do assunto”

Precisamos de novos modelos

Bons fotógrafos profissionais tendem a ter uma série de nomes consagrados que usam como modelos para o seu trabalho, geralmente dentro de sua área. Fotógrafos de moda, de casamento, publicitários costumam estudar o portfólio de quem tomam como norteadores. Procuram assimilar as técnicas, buscar os mesmos recursos e obter resultados semelhantes, aprimorando, assim a sua própria fotografia. Quando se é profissional e quando se trabalha numa área específica, é mais fácil ir atrás dessas referências, em sites, revistas especializadas, agências etc.

Já o fotógrafo amador não tem uma direção clara, já que ele pode simplesmente fazer de tudo. Então, em quem se espelhar, quem ter como modelo? Ao buscar a sua referência, o fotógrafo amador geralmente se depara com duas armadilhas que o levam a uma prática deficiente: se espelhar em profissionais cujo sentido do trabalho é totalmente distinto do seu ou se fechar em apenas uma vertente de possibilidades e nomes — e comumente as duas coisas acontecem juntas.

O amador pode, então, tomar emprestados aspectos da fotografia profissional que não fazem sentido na sua prática. Ele pode, por exemplo, não fazer pós-processamento em suas fotos por essa ser uma prática pregada por veículos jornalísticos. No entanto, há um sentido nessa exigência dentro do contexto profissional, que é preservar a credibilidade das informações. Para o amador, a menos que ele tenha algum tipo de blog investigativo, ou alguma outra justificativa, não faz sentido atuar assim. Ou seja, aquele que não fotografa profissionalmente deve adequar a sua prática às suas intenções e ao seu objetivo na fotografia em vez de apenar imitar preceitos que não lhe dizem respeito.

txiribiton
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Ao longo da sua história, a fotografia deve ter tido centenas ou milhares de grandes fotógrafos. Pessoas que conseguiram mostrar um lado surpreendente do mundo, encantar com composições surreais, usar o processo fotográfico em prol da estética ou simplesmente retratar a poesia do cotidiano. No entanto, muitos amadores parecem ter um certo fetiche por três nomes: Henri Cartier-Bresson, Ansel Adams e Sebastião Salgado. Três ícones, sem dúvida, mas que ao se estabelecerem no imaginário do fotógrafo amador avançado como referências arquetípicas, ofuscam a significância de muitas outras referências importantes e que, se fossem consideradas, abriram horizontes para os amantes da fotografia.

Salgado e Bresson são, basicamente, fotojornalistas, ainda que suas fotografias tenham adquirido status de arte (coisa que provavelmente não tenha dominado suas preocupações). Ou seja, a sua prática é ir ao mundo e mostrá-lo como tal, como um observador não participante, que não interfere. Embora seus trabalhos sejam fantásticos, quantos amadores têm um subsídio financeiro para flanar por Paris? Quantos visitarão um terço dos lugares pelos quais Salgado passou? Para completar, quantos carregam Leicas a tiracolo? Então, qual é o sentido de fechar os olhos para outros referenciais que podem tanto mostrar outras possibilidades com a fotografia como envolver práticas mais condizentes com suas realidades?

Já Adams fotografava pela estética, levada a um extremo técnico de câmeras de grande formato e um sistema complexo de captura e revelação.  E voltamos à pergunta, quantos amadores andam por aí com suas máquinas 4×5 e tem a sorte de ter acesso regular a um parque nacional como Yosemite?

É claro que é possível usar esses nomes como fontes de inspiração, mas ter fotógrafos com práticas tão distintas como única referência levará o amador a uma simples mímica, a um arremedo. Cada um precisa construir uma prática condizente com as suas possibilidades e, nesse caminho, buscar referenciais palpáveis, sejam eles grandes nomes ou não.

E aqui vão algumas ótimas fontes das quais pode se beber dos mais diversos tipos de fotografia. O grupo Young Photographers United reúne novos talentos de todas as partes do mundo. O site Fotografia Contemporânea reúne na página Fotografias de Autor ensaios para todos os gostos. No Brasil, temos grupos como o coletivo fotográfico Púnctum e o F/508, este último tendo revolucionado o fotoclubismo nacional. E viva a multiplicidade de possibilidades que a fotografia nos dá.