DxO Filmpack

Quando se está acostumado a fotografar com negativo preto e branco ou positivo colorido, ficamos muito ligados aos resultados característicos desses processos. Esses resultados são tão distantes de fotografias digitais não trabalhadas que dá a impressão de que há um abismo intransponível entre elas.

Por exemplo, as fotografias digitais, quando (mal) convertidas para preto e branco, podem apresentar alguns problemas, especialmente quando se tem na cabeça o referencial da fotografia analógica:

  • pouco contraste, aquele cinzão meio escuro predominante
  • muito contraste, deixando os pretos muito pretos e os brancos muito brancos
  • perda de detalhes nas altas luzes
  • ausência da suavidade nos tons proporcionada pelo grão

Já no caso das fotografias coloridas, as fotografias digitais pareciam não ser capazes de representar bem certos tons de vermelho e outras cores quentes, que aparecem tão bem nos cromos, por exemplo.

Ainda assim, nos últimos tempos tenho visto fotografias digitais com resultados muito bons, inclusive na conversão para preto e branco. Talvez isso se deva à uma melhora na qualidade dos sensores de câmeras mais recentes, o que não parece ser uma boa explicação, pois geralmente esses evoluções são muito mais sutis do que a publicidade dos fabricantes de câmeras nos faz acreditar.

Provavelmente, um fator importante é o tratamento das fotos digitais. É possível que, ao se dedicar a essa etapa da produção de fotografias o suficiente, seja possível obter resultados tão interessantes quantos os da fotografia analógica. Por conta disso, resolvi testar o DxO Filmpack, da DxO Labs. Já adianto que isso não é propaganda: se você quiser usar o Filmpack, pode ir atrás de algumas versões antigas que saíram de graça. Outros programas ou presets que simulam o filme podem ser encontrados para Lightroom, Aperture e Photoshop, como os do Presetpond.

O Filmpack é um programa simples, não voltado para fazer conversões de RAW ou ajustes mais complexos como o Photoshop ou Gimp. Ele pressupõe que você tenha um arquivo já convertido e relativamente equilibrado em termos de exposição e cor. Você só pode editar uma fotografia de cada vez — embora os filtros possam ser aplicados em lote — e a essência do programa é aplicar o visual de um filme específico na foto. Esses filtros, que têm o nome dos filmes que eles pretendem simular estão divididos em categorias: positivo colorido, negativo colorido, negativo preto e branco e filtros criativos.

Você pode escolher o visual de um filme (cores e tons) e o grão de outro. Além disso, pode fazer ajustes de curvas, contraste, microcontraste, saturação e efeitos como bordas e vazamentos de luz. Isso permite que você faça combinações únicas e salve como filtros personalizados. Abaixo seguem alguns exemplos de fotografias processadas com o DxO.

Coletivo 2008

O Fotoclube F/508 lançou, no fim do ano passado, a sua coletânea anual de trabalhos realizados pelos fotógrafos que passaram pelos cursos do clube durante 2008. A cada nova publicação, o 508 aprimora a qualidade dos seus ensaios, bem como a apresentação gráfica dos livros. Aliado à experiência que o clube teve com o projeto Latinidades, o Coletivo 2008 reúne bons exemplos de uma fotografia contemporânea, ligada ao humano, ao cotidiano e ao espírito conceitual que lhe é essencial.

Uma das coisas interessantes do livro é o uso do texto, especialmente da poesia, como coadjuvante das imagens. Em algumas das séries a busca é justamente por essa poética visual, como o trabalho de Carol Matias, que abre o Coletivo. Intenção semelhante permeia os ensaios de Mauro Nogueira e Leonardo Bites. Com uma base mais conceitual, há o trabalho de Manuela Neves, de uma linha que vejo, infelizmente, em escassez, que é a fotografia quase totalmente calcada na ideia. Também trabalhando conceitualmente, mas com uma abordagem mais elaborada advinda da sua experiência em artes plásticas, Erika Esteves associa a fotografia a outras técnicas e intervenções visuais para criar o seu “Dissimulações”, um dos pontos altos do livro. Por sua vez, Silvio Sá joga com o real e o virtual em “Complementaridades”. Explorando o cotidiano há o ótimo trabalho de Joana Machado, que criou um ensaio intimista, a abordagem sistemática de Bianca Starling e o olhar delicado e melancólico de Gabriela Freitas sobre as memórias familiares. Por fim, há duas séries de forte apelo gráfico, as tramas bem compostas de Cíntia Magalhães e a cidade angulosa que a norueguesa Ida Svendsen transcreve com sua fotografia analógica.

Obviamente, há uma ou outra foto que parece ligeiramente fora de lugar em um ou outro ensaio, mas se considerarmos que a maior parte dos autores são alunos com pouco contato prévio com a fotografia, os resultados são muito bons. É um livro que vale a pena para quem valoriza uma fotografia atual e de qualidade.

O Coletivo 2008 pode ser adquirido no site da Livraria Cultura.

Coletivo 2008

O Pequeno (e não muito sério) Dicionário dos Termos Fotográficos

Flash: acessório utilizado para obter efeitos artísticos indígenas, como cara-pálida e olho-vermelho
Câmera digital: câmera de vídeo que só grava quadro a quadro
Câmera digital compacta: dispositivo que desencadeou o fenômeno da auto-foto-com-braço-esticado-pra-colocar-no-Orkut, muito difundido entre adolescentes
Câmera de filme: objeto encontrado em museus e antiquários, juntamente com discos de vinil, videocassetes, fogões a lenha e CDs de lambada.
Queimar o filme: fenômeno que provocava a perda de fotos, hoje substituído pelo mais moderno apaguei-a-foto-sem-querer ou o fatídico o-cartão-de-memória-deu-pau
ASA: termo correspondente a ISO que permite determinar a idade de quem o utiliza, geralmente situada em torno dos 80 anos
Teleobjetiva: lente própria para fotografar pessoas em situações delicadas, como mendigos ou mulheres de biquíni
Supertele: lente para quem quer fotografar de tudo sem sair do sofá de casa
Grande angular: lente própria para fazer todo mundo caber no retrato, também conhecida como “junta mais”
Photoshop: ferramenta que teve o maior impacto na beleza feminina desde a invenção do rímel
Redução de vibração: função que possibilita a operação da máquina pelo fotógrafo alcoolizado
Obturador: espécie de bomba-relógio inserida nas câmeras reflex digitais para obrigá-lo a trocar de equipamento a cada dois anos
RAW: pela forma como às vezes é pronunciado, provavelmente é uma típica saudação dos índios americanos
Velocidade do obturador: corresponde ao tempo necessário para que a pessoa fotografada pisque o olho
LCD: dispositivo magnético com efeito em seres humanos, atraindo todos os retratados para a parte de trás da câmera após a foto ser feita
Nikon: marca que produz equipamentos com a tecnologia revolucionária de 30 anos atrás
Canon: marca que produz equipamentos com tecnologia revolucionária, e que duram em média três semanas
Olympus: marca cujas câmeras boas são como disco voador: há quem ache que existe, outros que não existe, e quem diz que já viu é louco
Megapixel: constante matemática cuja característica é que não importa o quanto sua câmera tenha, nunca será o suficiente
Negativo: termo já utilizado para designar o rolo de filme processado. Hoje se refere apenas ao saldo bancário do amante da fotografia

Três recomendações de livros

Arte Contemporânea – Uma Introdução

A francesa Anne Cauquelin faz uma análise clara e objetiva dos caminhos pelos quais a arte chegou no estado atual. Destacando aspectos como o mercado, a comunicação de redes e a herança do modernismo, a autora traça uma perspectiva que ajuda muito a compreensão dos trabalhos artísticos atuais. Para isso, ela se serve de nomes como Duchamp, Warhol e o galerista Leo Castelli. O texto propõe uma divisão esclarecedora entre a estética e a arte que, mais do que um resultado, passou a ser uma atitude. Leitura fundamentam para quem quer entender o que é a arte hoje.

Arte Contemporânea: Uma Introdução
Anne Cauquelin
Martins Fontes

Coletivo 2007

O Fotoclube F/508 apresentou, no final do ano passado, a coletânea impressa de fotos produzidas pelos alunos que passaram pelos cursos oferecidos pelo clube. Totalmente em preto e branco, “Coletivo” mostra uma ampla gama de abordagens e interesses, em um belo panorama da produção fotográfica jovem de Brasília, que se destaca cada vez mais como a capital nacional da fotografia. O livro traz também os vencedores do Prêmio Internacional de Fotografia do clube, que teve como tema a Geometria.

Coletivo 2007
Ademir Menezes, Carmélia Ribeiro, Frederico Freitas, José Machado, Kátia Ortiz, Marcela Marques, Marina Mercante, Naiara Caldas, Rafael Facundo, Tauana Macedo, Wagner Ulisses.
Fotoclube F/508

Fotografia & Hitória: Boris Kossoy

Boris Kossoy, neste livro datado de 1988 (com segunda edição de 2001), defende o uso da fotografia como documento histórico. Para isso, apresenta conceitos sobre a imagem fotográfica e métodos de pesquisa tanto para o estudo da história através da fotografia como da história da fotografia em si. Bastante relevante para quem se interessa por história, iconografia e pesquisas documentais, também vale a pena aos amantes da fotografia pela sua abordagem teórica do tema.

Fotografia & História
Boris Kossoy
Ateliê Editorial

Uma foto: texto e contexto

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A foto ao lado foi feita pela fotógrafa Ana Ottoni, da Folha, e divulgada pelo Uol, numa das galerias de fotos que compõem a cobertura jornalística da São Paulo Fashion Week. A série, chamada de Avesso, retrata os bastidores do evento, tendo como enfoque as modelos fora da passarela. Para acessar o álbum, clique aqui. A foto em questão chama-se “Caminhos”.

A foto não me chamou a atenção pelo que a legenda sugere. O texto ao lado da foto diz: Modelo estuda “complexo” esquema de entrada na passarela do desfile da Zoomp. A idéia é que o que a modelo faz é simples e o esquema, desnecessário. As fotografias sempre mostram uma realidade desprovida de contexto, e qualquer análise superficial falha em devolver a ela a significância do que a imagem transmite. Nesse caso, olhando-se com calma, pode-se perceber que há uma série de folhas, talvez cada uma com um caminho diferente. Além do mais, a passarela não é tão simples quando parece. Imagino que não tenha sido a fotógrafa a dar a legenda, até porque pode-se dizer que é tão simples uma modelo andar na passarela quanto é apertar o botão de uma câmera fotográfica. O texto, então, dá uma interpretação fora de contexto, a partir de uma impressão simplista e preconceituosa.

A foto me chamou a atenção porque, através da mesma falta de contexto que levou ao texto da legenda, é possível perceber uma simplicidade quase surreal, ao imaginar um olhar atento que percorre as setas, da mesma forma que o nosso próprio olhar faz ao ver a foto. Por um momento, somos a modelo e buscamos decifrar um caminho simples mas cuidadosamente delineado. É uma imagem que tem uma força própria mesmo fora da série, do evento. Isolada, é surreal e minimalista, quando se permite olhar para ela prescindindo do texto e aproveitando-se da falta de contexto que cada fotografia, quando sozinha, carrega.

Filosofia da Caixa Preta

Filosofia de Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia“, de Vilém Flusser (Editora Relume Dumará, 82 pág, R$ 26), é um livro compacto e controverso sobre fotografia que vai além de uma análise social, ao traçar um paralelo entre a ação do fotógrafo e o funcionamento da sociedade pós-industrial. O autor inicia o livro com uma polêmica revisão histórica da construção da imagem e do texto, para em seguida descrever o aparelho fotográfico e analisar a relação do fotógrafo com este aparelho. Talvez uma das idéias centrais do livro é a de que o fotógrafo submete-se à programação do aparelho, sem entender na verdade as codificações e decodificações inerentes à construção da imagem fotográfica e das suas conseqüências sociais.

Achei o texto bastante útil, pois ainda que controverso, as questões levantadas são interessantes. E, em relação à fotografia, parece-me que é preciso ainda descobrir quais são as questões que tentaremos responder. Além disso, a análise da relação fotógrafo-aparelho-mundo também é bastante pertinente, e pode ser generalizada, como o autor sugere, para outras áreas da vida moderna. Algumas passagens que julguei interessantes:

“o complexo ‘aparelho-operador’ (…) é caixa-preta e o que se vê é apenas input e output, o canal e não o processo codificador que se passa no interior da caixa-preta. Toda crítica da imagem técnica deve visar o branqueamento dessa caixa. Dada a dificuldade de tal tarefa, somos por enquanto analfabetos em relação às imagens técnicas. Não sabemos como decifrá-las.”

“O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, a fim de descobrir sempre novas potencialidades. Seu interesse está concentrado no aparelho e o mundo lá fora só interessa em função do programa. Não está empenhado em modificar o mundo, mas em obrigar o aparelho a revelar suas potencialidades. O fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele.”

“(…) o fotógrafo crê que está escolhendo livremente. Na realidade, porém o fotógrafo só pode fotografar o fotografável, isto é, o que está inscrito no aparelho. E para que algo seja fotografável, precisa ser transcodificado em cena. O fotógrafo não pode fotografar processos.”

“O receptor pode recorrer ao artigo de jornal que acompanha a fotografia para dar nome ao que está vendo. Mas, ao ler o artigo, está sob influência do fascínio mágico da fotografia. Não que explicação sobre o que viu, apenas confirmação. Está farto de explicações de todo o tipo.”

“Os fotógrafos são inconscientes de sua práxis. A revolução pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho fotográfico, passou desapercebida pelos fotógrafos e pela maioria dos críticos de fotografia. Nadam eles na pós-indústria, inconscientemente. Há, porém, uma exceção: os fotógrafos assim chamados experimentais; estes sabem do que se trata.”