Cinco razões para deixar sua câmera em casa

Se você for a um show musical nos dias de hoje, é provável que, entre você e o palco, haja centenas de pequenas telas acesas. São câmeras digitais e telefones celulares, no alto das mãos do público presente na plateia ou na pista, fotografando e filmando cada instante. Tenho um tio que mora há cerca de 20 anos em Portugal. Em visita ao Brasil, foi ao aquário municipal de São Paulo. Ele ficou impressionado em ver como as pessoas pouco olhavam para os peixes; em vez disso passavam de atração a atração com câmeras em punho, apenas fotografando. A hoje é vista através de telas de cristal líquido — e não estamos falando dos filmes e da televisão, e sim daquilo que se passa bem na frente das pessoas.

Qual seria a motivação para esse tipo de comportamento? Pode-se imaginar que as pessoas queiram se agarrar àquele momento único, especial. Fotografar significa, de certa forma, prolongar o momento no tempo. No entanto, que momento é esse que não foi vivido, apenas fotografado? Qual lembrança será evocada através das imagens? Provavelmente há também a influência das redes sociais. Todo mundo precisa mostrar cada momento da vida. Somos controlados não apenas pela fotografia em si, mas também pelo papel da fotografia no nosso meio social virtual, na qual a fotografia é o principal instrumento para mostrar que se esteve em lugares legais, com pessoas legais; em outras palavras, que se é “feliz”.

Gergely Vida
Gergely Vida 

Hoje em dia parece ser uma heresia sair de casa para uma atividade interessante e não levar a câmera junto. Mas podemos pensar em algumas razões para, ao ir a algum evento importante, deixar a máquina fotográfica em casa.

1. Viver o momento
Quando se está fotografando, dificilmente se está vivendo de fato o momento. Se, ao estar num show, num museu ou até mesmo no topo de uma montanha vendo o sol nascer com o vento gelado no rosto, a sua preocupação é com que abertura usar, com o flash carregando ou com o enquadramento, sua cabeça está dentro da máquina. A vida passará num piscar de olhos e você não poderá levar suas fotos com você para se lembrar dela após a morte. A única coisa que existe é o momento presente. Gastar esse momento com a cara enfiada num equipamento eletrônico não parece ser a melhor opção.

2. Respeito
É muito inconveniente assistir a um evento com dezenas de pessoas esticando seus celulares e câmeras na sua frente. Pior ainda, quando são disparados flashes a torto e a direto, mesmo quando se pede para não utilizá-lo. Já vi fotógrafos se vangloriando de conseguirem fotografar com câmeras reflex em teatros em que isso era proibido. Fico imaginando o incômodo causado pelo barulho do espelho e pela movimentação do camarada, extasiado com sua esperteza, ao mesmo tempo em que atrapalha a experiência dos outros. No fim, isso não é esperteza: é simples desrespeito.

3. Boa fotografia
Convenhamos, fotografar um show com um celular a 200 metros do palco não vai render boas fotos. Na verdade, vai render péssimas fotos que apenas contarão contra sua qualidade como fotógrafo. Não é melhor então apenas esquecer a possibilidade de fotografar e aproveitar a música e a companhia?

4. Preocupação
Se por um lado usar equipamentos simples em condições extremas produzirá fotografias ruins, sair com equipamentos caros apenas fará com que o fotógrafo passe o tempo todo preocupado com seu equipamento. Há a chance de roubo, queda, dano. A preocupação com o material fotográfico tornarão bastante difícil ao entusiasta aproveitar o momento e talvez até mesmo tirar boas fotografias. Felizmente esse problema tem uma solução fácil: quando não se tem nada a perder, o medo desaparece.

5. Controle
O fato é que, se deixarmos, a fotografia nos controla. Se estamos preocupados em fotografar, pensamos o tempo todo no ângulo, na luz, nos ajustes, no equipamento, no momento certo. E isso é totalmente incompatível com certas atividades. Já imaginou se, naquela apresentação do seu filho na escola, você, ao contrário de todos os outros pais, não se preocupasse em registrar a qualquer custo cada instante e, em vez disso, estivesse 100% presente apreciando, rindo e aplaudindo? Algo me diz que a lembrança seria muito mais marcante, viva e valiosa do que qualquer fotografia poderia suscitar no futuro.

Doug Geisler
Doug Geisler

Você pode perguntar: “mas então eu não fotografaria nunca?” Claro que essa não é a ideia. O que estou dizendo é que a fotografia não deve ser mais importante do que… aquilo que importa. A fotografia é secundária ao viver. E ela deve ser feita com tanta presença como os momentos que devem ser aproveitados sem que ela atrapalhe. Não tente encaixar a fotografia em tudo o que você faz. Em vez disso, escolha um momento apenas para fotografar. Saia apenas para isso, suba aquela montanha apenas para isso. Esteja totalmente envolvido com o propósito de fotografar, em situações adequadas para isso. O casamento da sua irmã não é essa situação. Separando as coisas, a vida fica melhor — e a fotografia também. Eventualmente, depois de um bom tempo, você conseguirá conciliar as coisas. Vivendo e fotografando, sem que uma coisa atrapalhe a outra. Mas é preciso começar com elas separadas.

É véspera de ano novo e, ao pensar no programa de logo mais, fico tentado: “pessoas interessantes, lugar legal, queima de fogos… renderia boas fotos”. Mas então me lembro que quero ouvir o que as pessoas têm a dizer, rir junto, ver a queima de fogos com os próprios olhos, não através de um visor, preocupando-me com qual ajuste usar para congelar o momento. O máximo que isso vai me custar é não receber um elogio em alguma rede social por uma foto dos fogos explodindo — igual a milhares de outras, diga-se de passagem. Ou seja, um preço muito baixo frente ao que se ganha. A câmera vai ficar em casa.

10 comentários em “Cinco razões para deixar sua câmera em casa”

  1. Há muito tempo venho carregando comigo essa reflexão. Como fotógrafa profissional entre a família e os amigos, geralmente sou cobrada a fotografar cada encontro e evento social.

    E acabo sentindo um certo mal-estar dos meus queridos quando resolvo não levar a minha câmera. Isso sem contar que não consigo fugir das compactas esticadas na minha direção, em geral acompanhadas com o infame comentário sobre não ser uma câmera boa como a minha…

    Felizmente tenho um grande amigo, que está se tornando algo mais que amigo, e pensa assim também: alguns momentos devem ficar registrados somente na memória mesmo =)

  2. Rodrigo, excelente artigo que passou a idéia de forma organizada e eficiente. Mesmo que muitos de nós já tenham pensado nisso, até mesmo sobre si próprios, nada como ver a idéia organizada de maneira concisa: é muito mais contundente, no bom sentido, e acaba criando mais chances para reflexões do que um pensamento fugaz.

    O objetivo proposto é um tanto difícil de alcançar, principalmente face aos momentos que, naturalmente (e com a cabeça desocupada de fotografar), passamos a presenciar. E assim o que imediatamente lembramos é que poderíamos ter fotografado o tal momento (facepalm aqui, rs…). O que não faz um hábito…

    Acho que um compromisso aceitável seria aprender a levar o equipamento mas não usá-lo a qualquer momento. Pensar nele como um cantil que um andarilho carrega no deserto. Ele sabe que só deve dar um gole nos momentos apropriados – entretanto o fato do cantil estar ali presente traz uma bem-vinda paz de espírito.

    Enfim, parabéns pelo artigo, de alguém que se encaixa perfeitamente nele, mesmo eventualmente tentando não se encaixar.

  3. Bom Rodrigo, mais um bom texto seu.
    O comportamento que vc descreve no inicio, tem semelhança com aquele do amante da natureza que, indo a um lugar, deixa escrito “eu estive aqui”. Não tem consciencia de si.
    abç

  4. Tereza, Alessandro e Luiz,

    Obrigado pelos comentários. Meus textos geralmente são escritos para serem lidos com uma “pitada de sal”, como dizem os americanos. Ou seja, geralmente proponho algo que é bastante distinto do senso comum, mas é o bom senso individual que saberá dosas as coisas.

    O ponto central aqui é que a fotografia pode ser um empecilho ao estar presente no momento e, se esse é o caso, é melhor deixar a câmera em casa.

    Um bom 2012 para vocês.

    Abraços.

  5. Rodrigo, excelente texto.

    É isso aí: a hora de fotografar é a hora de fotografar. E isso significa, raspar todas as camadas e polir o assunto, para encapsular em um único quadro todas as significações e relações pessoais com ele – o assunto. Obviamente, não dá para dividir a preparação e atenção necessárias a este momento, com outras tarefas as vezes importantes em si mesmas.

    Um excelente 2012.

  6. Um bom 2012 para todos.

    Em shows estou levando a FZ5 mas não fico todo o tempo fazendo fotos. Durante a apresentação, umas duas ou três vezes eu pego a câmera, faço algumas fotos e guardo. O flash só serve para estourar a cabeça da pessoa na frente, então é desnecessário em compactas e semelhantes. Em outros eventos eu geralmente não levo. No natal eu pedi para me mandarem as fotos por email. 🙂

  7. É um assunto realmente interessante.
    Com certeza existem várias situações em que é melhor se desligar da fotografia.
    Engraçado que quando estou fotografando, não me apercebo fazendo parte do ambiente.
    Estive até meio encucado com esse assunto. Quando olho para alguém fotografando em ambientes movimentados ou no meio de pessoas fico até “mordido” com a situação: acho meio contrangedor ou até sem noção por parte do fotógrafo.
    Deve ser po isso que sempre gostei mais de fotografar em lugares isolados ou em situações sem a presença humana “in natura”.
    Se bem que acabo por fotografar em locais públicos e movimentados devido ao dia-a-dia. Creio que deve ser por isso que estou usando mais o celular do que as “máquinas fotográficas” no sentido popular da palavra.

    Rodrigo: Gostaria, se me permite um pedio, gostaria de ler um artigo seu que tratasse sobre suas impressões ao fotografar com o Iphone.

    No mais, bom 2012 pra todos.

  8. Reparando o último parágrafo:

    Rodrigo: Gostaria, se me permite um pedido, de ler um artigo seu que tratasse sobre suas impressões ao fotografar com o Iphone.

  9. Este seu artigo me fez lembrar de uma piada muito antiga, do tempo do filme, em que um sujeito volta de viagem e alguém pergunta: “E aí gostou dos lugares visitados?” E ele responde:
    “Não sei, não revelei os filmes ainda!”
    Eu sou fotógrafo profissional há mais de 30 anos e sempre me peguei neste dilema, fotografar ou aproveitar o momento. E houve momentos em que eu só aproveitei, por que não estava a trabalho. Me lembro que eu tive de me educar para começar a olhar o mundo pelo visor da máquina, por que senão eu não seria um bom profissional, acho que é um processo que todo fotógrafo passa para começar a enxergar e registrar o mundo. Mas hoje a mídia incentiva todo mundo a fazer isto, por que assim vai ter repórteres de foto e vídeo trabalhando full time e de graça. Quantas fotos de amador e videos de amador vemos nos jornais e TV hoje em dia? E assim temos muita gente fotografando tudo a todo o tempo e a imagem se banalizou. Eu já fotografo menos hoje em dia, não sei se faço bem, mas eu sigo a minha vontade.

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