Sobre julgamento e fotografia

O ser humano é um julgador por natureza. Ao longo de um mero dia, somos estimulados por um grande número de imagens, sons, odores, textos, ideias. Para que não nos paralisemos frente a tudo isso, processamos de forma extremamente rápida os estímulos de interesse ou não. Além disso, tendemos a classificar os estímulos de acordo com categorias aprendidas durante a vida, como “agradável/desagradável”, “bonito/feio”, “útil/inútil”. Esse processamento foi essencial para a sobrevivência da nossa espécie, uma vez que guia as nossas ações em meio a qualquer tipo de ambiente de forma rápida e objetiva.

Sendo assim, quando nos deparamos com uma situação, uma pessoa ou uma ideia nova, quase instantaneamente já realizamos um julgamento, para que tenhamos base para nosso comportamento. Em geral, utilizamos as nossas experiências anteriores e encontramos – consciente ou inconscientemente – similaridades entre o atual e o passado para basear nossa avaliação. Em frações de segundo temos toda a nova estimulação comparada com um arcabouço de vivências anteriores e categorizada, nos dando condições de reagir adequadamente. Esse processo é natural – e, em muitos casos, necessário. Imagine um dos nossos ancestrais se deparando com um animal desconhecido no meio da savana africana: ele precisava saber rapidamente se havia algum tipo de ameaça ou de utilidade para poder agir de acordo.


James Blann

Há, no entanto, algumas questões que podemos fazer em relação a esse processo, considerando os dias atuais. A partir do momento em que temos consciência de como funcionamos, podemos nos observar funcionando e optar por maneiras diferentes de ser – o que alguns autores chamarão de real liberdade. Vejo três pontos fundamentais.

1. Situações novas são novas. Embora tenhamos um repertório gigantesco de experiências anteriores nas quais nos baseamos, na verdade estamos sempre agindo em função dessas experiências, e não do presente. Isso pode nem sempre funcionar, já que a situação atual é sempre única, por mais parecida que seja com aquilo que já experimentamos.

2. A categorização é falha. Embora seja útil para um julgamento rápido, geralmente a categorização que fazemos é muito simplória. Em frente a um objeto, tendemos a classificá-lo de acordo com proposições dicotômicas, como bonito ou feio, útil ou inútil. O problema é que esse tipo de classificação é muito restrita, levando-nos a avaliar as situações de forma muito rasa.

3. O julgamento em si. Julgamos para poder agir, mas nem todas as situações demandam ação, ou reação. Talvez existam momentos em que seja possível prescindir do julgamento.


Diego Valencia

Essa forma de funcionar é essencial porque não podemos passar o dia refletindo sobre cada estímulo que encontramos. No entanto, há alguma situações em que vale a pena frear esse sistema automático e buscar uma compreensão diferente. Uma delas é ao ver fotografias. Estar em frente a uma fotografia não é uma situação que demanda nenhum tipo de ação específica. Por isso, podemos nos dar ao luxo de julgar de forma diferente, ou até mesmo não julgar. Considerando os três pontos anteriores:

1. Fotografias novas são sempre novas. Se funcionamos de forma automática, tendemos a comparar a fotografia que estamos vendo no momento com fotografias parecidas que já vimos anteriormente. A nossa reação será, então, similar a que já tivemos. Desta forma, faremos sempre o mesmo julgamento, sem dar chance à nova fotografia de evocar novas ideias e concepções. Considerando que vemos centenas de imagens a cada dia, podemos perder a sensibilidade, respondendo de maneira robotizada a estímulos que poderiam nos levar a uma percepção ou experiência diferenciadas.

2.Categorias não dão conta das imagens. Transpor imagens em palavras já é uma empreitada difícil, pois as palavras são naturalmente limitantes. Embora a fotografia também tenha suas limitações, elas são de ordem totalmente diversa. Se, além de tentarmos descrever a imagem com palavras, o fazemos buscando encaixá-la em categorias, teremos nos afastado ainda mais da experiência visual que é a essência da foto. Dizer que uma foto é um retrato nos leva longe da possibilidade de tomar contato com a face da pessoa que foi fotografada.

3. Talvez não seja necessário julgar. Além dos problemas específicos do julgamento citados em textos anteriores, como O Anteparo Técnico e um comentário sobre um texto contra a interpretação da Susan Sontag, o julgamento de forma geral talvez não seja necessário. Podemos simplesmente observar a foto, aceitá-la como ela é e não emitir nenhum tipo de comentário, nem mesmo interno. Assim, é possível de fato ver. Uma alternativa possível é simplesmente observar as sensações e impressões que a foto provoca em nós, sem a preocupação de transformar isso numa ideia ou explicação. Em outras palavras, experienciar a foto em vez de julgá-la.

Este último ponto pode, talvez, ser transposto a outros aspectos da vida além da fotografia. Não é necessário, sempre, ter um julgamento rápido e simplificado para tudo, até porque não é preciso reagir a tudo a todo momento. Há situações que podem ser simplesmente vivenciadas, aceitas como elas são, sem julgamentos, análises ou classificações.

5 comentários em “Sobre julgamento e fotografia”

  1. vejo…Não!
    procuro o que o fotografo viu
    perco-me para atrás e à frente
    volto ao mesmo ponto
    e nesse instante
    esboço um sorriso…

    Valeu!

  2. é tão difícil não ser preconceituoso com a imagem…
    a imagem provoca isso… me veja… me consuma…
    será que é possível somente experimentar? desligar nosso julgamento é praticamente impossível… podemos “fingir” que não ligamos… rsrs
    mas, depois da experiência, realimentamos nosso repertório para julga-la, novamente…
    o preconceito podemos controlar, talvez, domá-lo, talvez… mas o julgamento talvez faça parte integrante da experiência…
    concordo, nem sempre precisamos classificar, rotular… racionalizar ou organizar… viver a imagem, abre a mente…

    belos textos, excelentes experiências! parabéns 🙂

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