De Weimar a Gursky – Parte 02

Os fotógrafos da Nova Objetividade

Este capítulo apresenta os principais nomes da fotografia da Nova Objetividade.  Todos os nomes têm uma biografia complexa e seus trabalhos podem ser investigados tão profundamente quanto se queira – afinal fizeram história. O que segue é um investigação geral sobre estes nomes.

Karl Blossfeldt,

Iniciou sua carreira como aprendiz em fundição artística/decorativa em ferro, seguido pela formação na Escola de Artes de Berlin (Hochschule für Bildende Künste). Em 1898 passou a lecionar no Museu Real de Artes e Oficios de Berlim. A partir de uma pesquisa em botânica desenvolvido junto com o pintor Moritz Meurer, começa a documentar e catalogar fotograficamente formas vegetais. Tal pesquisa seria usada como instrumento análise e estudos de formas e texturas do mundo vegetal para ser aplicado ornamentação. Seria um catálogo para ajudar artistas a reproduzirem formas vegetais.

Em 1928, Blossfeldt lança o livro “Arte das Formas Naturais” (Unfomen der Kunst), cuja proposta era fornecer um livro-texto para apreciação das formas no mundo natural pelo publico em geral.

Karl Blossfeldt – Equisetum hiemale

Karl Blossfeldt – Adiantum pedatum

Karl Blossfeldt – Cephalaria

Karl Blossfeldt – Symphytum officinale

Não parece que Blossfeldt tenha discursado em favor do movimento Neue Sachlichkeit, entretanto a precisão descritiva de suas fotos o colocou ali. Seu trabalho foi saudado pela objetividade, clareza e imparcialidade científica ao descrever as formas do mundo natural destacadas contra um fundo neutro.

Karl Nierendorf, galerista e editor, ao escrever o prefácio, exaltando  a qualidade das fotografias contidas no livro, comete um exagero, escorrega e passa do ponto, saudando a precisão científica das câmeras que permitem desvendar um mundo escondido além da visão a que estamos familiarizados. Nierendorf, inadvertidamente classifica as fotografias de Blossfeldt, de uma forma diversa, onde o familiar é visto de outras formas.

Auguste Sander,

Filho de trabalhadores em mineração, foi aprendiz de fotografia e trabalhou como assistente de fotógrafo durante o serviço militar e em 1901 montou seu primeiro estúdio em Linz, na Áustria, posteriormente mudou-se para Köln onde montou outro estúdio. Lá se juntou ao ”Grupo de Artistas Progressivos” onde, em 1920, junto com o escritor Ludwig Mather iniciou um grande projeto de documentação da sociedade da época: “Pessoas do Século XX”. Munido de uma câmera de grande formato com negativos de vidro, que já era considerada antiquada, ele fotografou operários, industriais, bancários, médicos, imigrantes, famílias, donas-de-casa, fazendeiros, músicos, artistas, enfim, uma longa lista de ocupações. Nas palavras do próprio Sander: “…não há nada que deteste mais que a fotografia açucarada e posada de estúdio. De agora em diante, eu quero ser honesto e verdadeiro sobre nosso tempo e nossa gente…”

Este era um projeto bastante ambicioso e como Sander não era abastado, naturalmente, o dinheiro para esse projeto não durou muito. Então para levantar fundos necessários a continuação do projeto, Sander teve que se antecipar e publicar 60 fotos, do total de 600 que já tinha feito, o livro era “A Face de Nosso Tempo” (Antlitz der Zeit – 1929).

Auguste Sander – Sem título – 1920-25

Auguste Sander – Freira Católica – 1921

Auguste Sander – Meninas do Campo – 1925

Auguste Sander – Painter (Anton Raderscheidt) – 1926

Auguste Sander – Ferreiros – 1926

Auguste Sander – Sargento de Policia– 1926

Auguste Sander – Artistas de Circo – 1926

Auguste Sander – Boxeadores – 1928

Auguste Sander – Cozinheiro – 1928

Auguste Sander – Bancário  – 1928


Auguste Sander – Pedintes  – 1928

Auguste Sander – Industrial – 1929

Auguste Sander – Carregador de Carvão – 1929

Auguste Sander – Crianças Cegas – 1930

Auguste Sander – Envernizador – 1930

Auguste Sander  – Anões – 1930

Na fotografia de Sander, apesar da repulsa declarada pelo estúdio, os fotografados não são surpreendidos em seu ambiente, lida ou em seu cotidiano. Não é street photography! De fato, em todas as fotos as pessoas estão posando para a câmera. A pose para foto era necessária, primeiro por conta do tempo de exposição requirido pelos negativos de vidro, e, sobretudo,  porque Sander estava caracterizando as pessoas conforme sua ocupação ou extrato social. Até aí, nada de diferente, exceto por um detalhe: Sander se propunha radiografar a sociedade da época, partindo do principio que a fisionomia do fotografado identificaria seu caráter, classe e ocupação.

O seu livro, “Antlitz der Zeit“ foi dividido em categorias:  “O Fazendeiro”, “O Mercador”, “Os Artistas”, “A Cidade”, “Classes e Profissões” e por fim “As Últimas Pessoas”, onde ele insere os que eram marginalizados de alguma forma. Embora, na tradução do título geralmente inclui-se a pronome “nosso”, ela poderia ser “Faces dos Tempos” ou “Faces do Tempo”, já que Sander não desejava identificar a nacionalidade, os fotografados poderiam ser alemães, russos, franceses.

Ainda que este conceito, indexar a fisionomia ao extrato social do indivíduo, seja considerado distorcido ou condenável atualmente, este era método válido em sua época, portanto o projeto de Sander era montado em cima de um conceito aceito. Além disto Sander fotografava de modo isento de preconceitos ou julgamentos, não diminuia o indivíduo, ao contrário, as pessoas são mostrados de forma impessoal e distante.  Sander prefere deixar que câmera fale com precisão e imparcialmente, registrando tipos ou arquétipos. As pessoas vestem suas máscaras, para serem fotografados tal como são, sem interferências. Ninguém é ridículo, melodramático ou patético.

Essa tentativa de Sanders de montar um catálogo etnográfico preciso,  mostrando os grupos sociais, refletem bem o carater documental desejado pela fotografia da Neue Sachlichkeit. Porém o trabalho de Sander vai além da simples taxonomia social, inicialmente, porque, visto em conjunto o trabalho, adquire um tom de crítica social, mostra uma sociedade em processo de mudança, mas ainda castigada por uma ordem social perversa. Além disto, a simplicidade dos fotografados questionavam os valores – o orgulho nacionalista, as glorias militares e as lideranças políticas – propagandeados na época.

Albert Renger-Patzsch,

Esse é complicado! Consta em suas biografias, que começou a fotografar com 12 anos, fez o serviço militar durante a primeira guerra, onde teria recebido formação em química(1), e posteriormente graduou-se em fotografia publicitária na Folkwangschule de Essen.

Complicado,  porque até 1927, tinha lançado três  livros documentários sobre natureza – “O Mundo das Plantas” (Die Welt der Pflanz), “Fotografia de Flores” (Photografieren von Blüten) e o livro “O Reverberante”(Die Halligen)(2) – que retratava as paisagens e o povo da Frisia Ocidental – e em 1928, publicou o livro “O Mundo é Belo” (Die Welt Ist Shön) que é o marco de sua carreira, onde plantas e máquinas aparecem lado a lado. Renger-Patzsch anunciava: “..pistões e folhas molhadas tem status equivalentes, e ambos devem ser tratados como novos ícones de beleza…”

Albert Renger-Patzsch – Agave attenuata –1923

Albert Renger-Patzsch – Cabos de Aço com Ganchos – 1924

Albert Renger-Patzsch – Dampfabstellrad – 1925

Albert Renger-Patzsch – Babuino -1925

Albert Renger-Patzsch – Café Hag – 1925

Albert Renger-Patzsch – Gerador Fundição Ilsender – 1926

Albert Renger-Patzsch – Cactaceae Mammilaria – 1926

Albert Renger-Patzsch – Forja -1927

Albert Renger-Patzsch  – Cactaceae Astrophytum – 1927

Albert Renger-Patzsch – Mola Mestre – 1927

Albert Renger-Patzsch  – Ponte de Ferrovia – 1927

Albert Renger-Patzsch – Cabeça de Serpente – 1928

Albert Renger-Patzsch – Botões – 1928

Albert Renger-Patzsch – Paisagem do Ruhr – 1928

O tema industrial ou objetos do cotidiano, mostrados com peso equivalente à natureza, seria uma tentativa de romper com a tradição visual do pré guerra. Esta ruptura era necessária pois a vida em meio a “poesia da natureza” – moralmente saudável  – era um conceito conservador, atrelado as elites alemãs, alvo da insatisfação da Nova Objetividade. O industrial, oposto à natureza, representava o mundo novo. Ao colocar lado a lado, prensas e plantas, usando a forma de catálogo, Renger-Patzsch, procurava se enquadrar no discurso corrente.

Alguns historiadores atuais, verificados nesta pesquisa, argumentam que a fotografia de Renger-Patzsh, no livro “Die Welt Ist Shön”, embora  fosse um tentativa de aderir ao movimento modernista, ainda mantinha raízes em um romantismo do século 19, cujos traços ainda eram presentes na escola de Essen. Além disto, propõem, que as fotos não teriam conseguido se livrar do Sublime de Emmanuel Kant – que era contrário proposta desejada de Renger-Patzsch.

Essa discussão não é restrita aos historiadores contemporâneos, ela têm raízes nas críticas de  Walter Bendix Schönflies Benjamin (aka Walter Benjamin), o mega crítico/filósofo da época, que o acusava de tentar vestir uma roupagem modernista ao Sublime kantiano. Há quem argumente que a principal crítica feita por Walter Benjamin recaia sobre título pegajoso do livro, “O Mundo é Belo”, que na verdade foi escolhido pelo editor de Renger-Patzsch. Deve-se, também, considerar que Walter Benjamin pendia para o lado mais radical do movimento dessa renovação artística, ao qual Renger-Patzsch vinha alfinetando.

Certamente estes historiadores estão corretos pois Renger-Patzsch também fazia também fotos de paisagem muito próximas aos cânones conservadores, porém é interessante considerar as fotos no “Die Welt Ist Shön”, de outra forma:  nestas percebe-se uma trincheira razoável no estilo, na proposta e na apresentação, separando este trabalho do romantismo (ou neo romantismo). O que salta aos olhos nestas fotos de Renger-Patzsch é o distanciamento e o cuidado com a Forma, não parecendo haver discurso sobre a poesia da natureza ou sobre a força do mundo industrial. Mesmo escorregando, deve-se considerar que Renger-Patzsch, que teve na sua formação treinamento em ciências – química – tenta montar um catálogo visual de sua época.

A impessoalidade tentada por Renger-Patzch pode ser verificada quando, historiadores de arte americanos, colocam suas fotos de natureza lado a lado com Edward Weston.  Essa puxada na sardinha é justa – afinal, quem não gosta de Weston – porém Natural Studies, tem diversas componentes, inclusive um certo erotismo, expressos pelo autor, enquanto, por exemplo, a luz nas fotos “Die Welt Ist Shön” não denuncia traços de humor. Weston mostra volumes, enquanto Renger-Patzsch mostra contornos.

Os  textos de publicidade do livro Renger-Patzsch, outra vez,  inadvertidamente minam os cânones ao estabelecer: “…a versatilidade das câmeras modernas criam novas formas de ver a realidade e essas novas formas são agradáveis…” Outra vez um declaração completamente deslocada, que será importante para o movimento que segue em paralelo.

Helmar Lerski (Israel Schmuklerski),

Nasceu na Áustria e cresceu na Suíça. Em 1893, aos 22 anos emigrou para os Estados Unidos onde trabalhou durante anos como ator – chegando ter algum sucesso. Sua carreira na fotografia começou por acidente, quando fez algumas fotos de um amigo com uma câmera de sua esposa, essa sim, fotógrafa profissional. Nesta sua primeira sessão de fotos, em 1912 (Fez as contas? 42 anos, começou meio tarde!), optou por enquadramentos pouco usuais, ignorou o equipamento de iluminação do estúdio e optou pela luz vinda de duas janelas em lados opostos da sala. Embora tenha detestado o resultado, a “patroa” apresentou suas fotos para o fotógrafo retratista alemão Rudolph Dührkoop,  que estava de passagem pela América. A partir daí, para ser saudado com um dos bambas da fotografia realista pela revista “Die Form” foi um pulinho.

Já em 1915, era cinegrafista contratado do estúdio de cinema UFA, e por conta de diversas idéias inovadoras chegou ao equivalente a diretor de fotografia de muitos filmes, inclusive no Metropolis de Fritz Lange, onde  as coisas não foram um mar de rosas – Lerski reclama ter sido sabotado. De um acidente a cinegrafista/fotógrafo modernista festejado em três anos, acreditou ? Dificil de acreditar, porém quem conta a estória é a revista Image do George Eastman House of Photography, (edição de 1961).

Helmar Lerski – Trabalhador Alemão – 1928-31

Helmar Lerski – Diarista – 1928-31

Helmar Lerski – Dona de Casa – 1928-31

Helmar Lerski – Pelzarbeiterin – 1928-31

A primeira coisa que chama atenção em suas fotografias(3) é o enquadramento fechado e os procedimentos de iluminação utilizados: luz solar refletida e direcionada por pequenos espelhos, que  possibilitava pequenas aberturas no obturador. Lerski usava uma lente Dagor 11 polegadas em câmeras 18x24cm ou 24x3cm, sem crops,  posicionado a menos de um metro do fotografado. Essa proximidade e a iluminação ressaltava com bastante precisão os detalhes dos rostos.  Esta precisão na representação se encaixa nos modelos da Nova Objetividade, justificando a rápida ascensão deste fotógrafo.

Embora um pouco tardio, o primeiro livro “Faces do Cotidiano” (Köpfe des Alltags-1931), vai no embalo do espírito da época, e tenta mostrar uma proposta similar da caracterização social desejada de August Sanders, baseada em arquétipos. Porém o enquadramento fechado e o sistema de iluminação, que isola o retratado, empurra a leitura da foto para além dos que vemos em Sander. Existe um certo teor de drama (coisa do teatro, suponho) nas faces que resulta do método de iluminação, entretanto, os rostos são desprovidos de humanidade, tornam-se objetos ou sólidos. Lerski não usava rostos conhecidos, atores ou modelos, pois desejava um estudo sobre rostos tais como são no dia-a-dia. O uso de atores, seria um trabalho de direção de poses e máscaras e portanto inválido.  “Köpfe des Alltags”, é um inventário onde os retratados, não tem nomes, são identificados por suas funções: pedintes, soldadores, serventes, trabalhadores, etc…

Pode-se afirmar que não são retratos,  pois o esforço excessivo em descaracterizar ou desumanisar o fotografado, foge do que seria o retrato. São estudos de formas, ou “estudos de uma paisagem facial”, como ele mesmo teria descrito seu trabalho.

Fechando o Pacote

É óbvio que a fotografia da Nova Objetividade não está somente ligada aos nomes que foram apresentados apresentados. Existem diversos outros nomes:

Wener Mantz

Rudolf Koppitz

Hans Finsler

Além disto, a fotografia praticada pela Neue Sachlichkeit  não contem novidades, nem inaugura um estilo, na verdade o mesmo ideal já vinha sendo praticado por Eugène Atget e Edward Steichen. Entretanto, neste periodo, o estilo encontra um terreno fértil para se consolidar.

Renger-Patzsch, Sander, Blossfeldt e Lerski, foram os que melhor expressaram as ideias por trás da Nova Objetividade. Mesmo que as fotos de Renger-Patzsch sejam alvo de questionamentos – se eram suficientemente objetivas ou não – o que podemos observar é são estudos de Formas. O mesmo pode ser dito sobre o trabalho de fisionomias de Sander e Lerski. Não diferem de Blossfeldt, que colocava plantas sobre fundos neutros em um catalogo botânico. Em acordância com o discurso da época, o fotografia volta-se contra o Pictorialismo, valendo-se de representação feita de forma precisa e detalhada. O distanciamento do autor, fazia parte do pacote como modo de assegurar a objetividade: o  que está impresso é o que se vê . A fotografia da Nova Objetividade traz de volta, valoriza, e descreve o objeto, o referente, sem que este execute nenhuma ação e sem atribuir-lhe adjetivos.  São simplesmente Formas.

Esse predomínio da Forma, não chega a ser surpresa, quando pregam que a câmera é o melhor instrumento para registrar essa nova realidade e educar a sociedade, demonstram estarem ideologicamente ligados aos movimentos relacionados a fundação da Bauhaus, com o neoplasticismo do De Stijl e com os Construtivistas. Os deslizes cometidos na propaganda das obras – a fotografia que mostra outras formas de ver o mundo – embora, não planejadas tmabém apontam em direção a “Nova Visão”.

Próximo capítulo: A Nova Visão

Notas

(1)    As informações disponíveis na internet, a respeito do período em que Renger-Patzsch cursou química, não são muito precisas.

(2)    Desculpem a tradução. O currículo deste articulista inclui dois semestres de alemão, que apesar de pouco, é o suficiente para pedir uma cerveja e saber que traduzir alemão é complicado.

(3)    Todas as fotos publicadas, foram verificadas quanto a autoria, título e data. Para manter a consistência da pesquisa, foram selecionadas somente as fotos executadas ou publicadas no período de interesse, 1920-35. Somente o George Eastman House of Photography dispõe de fotos de Lerski que atendem os critérios de verificação de datas. Infelizmente são somente 4 fotos. A busca no Google retorna várias fotos, porém não atendem o critério de datas. Se houver interesse em ver mais fotos de Lerski, este link do google mostra diversas.

Referências

Karl Blossfeldt, Urformen der Kunst – inclui link para o livro, vale a pena ver.

Jenny McComas, The Sublime Vision: Romanticism in the Photography of Albert Renger-Patzsch

Toni Mia Simmonds, “Mein Kodak”, Avant-Gard Photography In 1920s Germany

John Hannay, Encyclopedia of nineteenth-century photography, Volume 1

Helmut Gernshein,  A Concise History Of Photography

Jan-Christopher Horak, The Penetrating Power of Light: the films of Helmar Lerski , Image Magazine, 1993, vol 36.

Brief biography of portraitist Helmar Lerski upon acquiring a collection of his photographs, Image Magazine, 1961, vol 10.

Leo Rubinfien, Auguste Sander: The mask behind the face.

5 comentários em “De Weimar a Gursky – Parte 02”

Deixe um comentário para Câmara Obscura » Conteúdo » De Weimar a Gursky – Parte 01 Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *