Não sou fotógrafo

A fotografia, sendo a atividade ampla que é, tem diversas aplicações e, consequentemente, diversos praticantes. Mas quem tem o direito de ser chamado de fotógrafo, ou se atribuir tal título? Uma vez que a fotografia como profissão enfrenta questões de regulamentação, podemos considerar que fotógrafo é apenas o fotógrafo profissional? Ou, usando a comparação com o cozinheiro, que está em moda, cozinheiro é qualquer um que cozinha ou apenas aquele que faz isso para pagar suas contas?

Pensando nessa questão, mais uma vez abri uma enquete no BrFoto, perguntando quem pode ser chamado de fotógrafo. As alternativas eram: a) Qualquer pessoa que use uma câmera; b) Pessoas que fotografam com pelo menos algum conhecimento técnico sobre fotografia; c) Exclusivamente pessoas que ganham dinheiro com a fotografia e d) Pessoas que, independentemente de ganhar ou não dinheiro com a fotografia, produzem resultados significativos no campo da arte.

Sessenta e quatro pessoas votaram. A opção b, pessoas que fotografam com algum conhecimento técnico, foi a primeira colocada, com 37,50% dos votos, seguida da opção d, que fala sobre a qualidade dos trabalhos, com 28,12%. Pouco mais de 21% afirmaram que pode ser chamado de fotógrafo qualquer um que use uma câmera e apenas 12,5% disseram que o títuloGözde Otman deveria ser exclusivo dos profissionais. Durante a discussão que se seguiu, argumentou-se que a enquete deveria conter mais opções, como por exemplo “pessoas que usam a fotografia como forma de expressão”, sugerida pelo Ivan e “pessoas que são reconhecidas como fotógrafos”, apontada pelo Nando.

Pode-se considerar que houve uma distribuição dos votos que mostra a dificuldade de consenso. E, como ele não existe, a tendência é que as pessoas usem a própria prática como referência. Uma vez que a maioria dos participantes do fórum é de amadores com algum conhecimento técnico, é natural que essa opção tenha sido a mais votada. No entanto, o argumento de que apenas um pouco mais de conhecimento do que o usuário comum possui é suficiente para que a pessoa seja considerada fotógrafa parece frágil.

Da mesma forma, os profissionais tendem a defender a sua atividade buscando se diferenciar dos amadores. Isso é mais marcado numa época em que, graças às facilidades do sistema digital e do acesso fácil a plataformas de edição de imagens, “qualquer um” pode se aventurar a fazer trabalhos nessa área, o que desagrada quem já se estabeleceu no ramo, geralmente quando as coisas eram bem mais difíceis. Não é à toa, então, que profissionais não vejam com bons olhos os amadores que se denominam fotógrafos mesmo não tendo realizado nenhum trabalho formal. No entanto, muitas vezes os profissionais tentam desqualificar de forma exagerada aqueles que estão envolvidos com a fotografia de outras formas. Já vi alguns, por exemplo, que criticam aqueles que, como eu, gostam de pensar a fotografia enquanto teoria, como se essa fosse uma muleta para apoiar uma produção fotográfica ruim. Como se foto ruim se salvasse com muleta…

Esse é um dos motivos pelos quais eu nunca me senti confortável com o título de fotógrafo e nunca o atribuí a mim mesmo. Não ganho, não ganhei e não pretendo ganhar dinheiro com a fotografia. É algo que faço por puro prazer, quando me interessa, de uma forma egoísta e que depende da minha disposição. Prefiro deixar o status de fotógrafo para aqueles que têm um compromisso com a fotografia diferente do que eu tenho, que fizeram dela uma escolha de vida e com a qual se envolvem diariamente, geralmente tendo o retorno financeiro como recompensa. Eu me contento em ser apenas um cara que gosta de escrever sobre fotografia e fazer fotos de tempos em tempos, sem necessidade de títulos.

Foto: Gözde Otman

6 comentários em “Não sou fotógrafo”

  1. Rodrigo, você sente-se mais confortável dizendo-se “não- fotógrafo” (aspas pois essa expressão não existe). Mas podia dizer outra coisa, ou usar outra palavra, ou descrever o conceito de outra forma, tanto faz. É apenas uma conveniência verbal, e portanto, temporal.

  2. Disse tudo e mais um pouco.

    Acho que muito dificil rotular alguém só por está fazendo algo que gosta ou puramente por hobby, sendo que algumas pessoas se acham tanto que na primeira vez que compra uma câmera já se auto intitula: fotógrafo.

    Vai entender.

  3. Rapaz seu texto é muito bom e a polêmica também é muito boa. Como alguém já disse:”a fotografia é uma arte democrática e que qualquer um pode praticá-la”. Como fotógrafo profissional há varios anos e não querendo rotular, acredito que o profissional primeiramente se diferencia do amador pelo fato dele viver da fotografia e pelo grau de técnica e arte que álguém apresenta as suas fotos. Claro, muitos podem não viver da fotografia mas possuem um portifolio invejável… ele é fotógrafo? Claro! De fato a polêmica é grande

  4. Nesse período que vivemos infelizmente títulos e até onde sabemos essa preocupação com títulos é algo essencial para nós, pena, pena mesmo, por que perdemos de vista o mais importante, pouco tem se discutido sobre processo e aprendizado mas aquele aprendizado que realmente faz diferença em nossas vidas. Entretanto se discutindo títulos e seus méritos iremos chegar a algum lugar que assim seja.

  5. Querido Rodrigo, desde meus tempos de estudante de comunicação social mantive o critério de que o verdadeiro jornalista é aquele que não só vive para e do jornalismo no sentido objetual, mas sim aquele que, do ponto de vista ético, filosófico e até social, está convencido -e o pratica- de que sua missão é “desentranhar o significado exato de toda mudança operada na realidade” desde a única objetividade possível ao ser humano, a da “subjetividade bem intencionada”, entendida esta boa intenção como a praxe do jornalismo como um serviço social.
    Este convencimento, a sustentação deste critério, vêm-me da experiência lida e vivida por dois grandes homens da literatura, o jornalismo e a vida, John Dos Passos (“desentranhar o significado exato…”) e Alfredo Bryce Echenique (“subjetividade bem intencionada”).
    Com o tema da fotografia me acontece uma coisa parecida, algo que traspolo ao cotidiano do exercício ou a bem demandada ação democratizadora da sociedade. Explico-me: respeito profundamente o direito do ser humano a aprender tudo o que deseje e defendo especialmente a igualdade de oportunidades, acredito na democratização como princípio pleno da liberdade, mas tudo isto, meu querido amigo, deve ser bem entendido e corretamente praticado. Se por democratização entendemos a abertura indiscriminada e ausente de controles de qualidade, apoiada na resposta automática à exigência de respeito aos direitos, sem a necessária contraparte do compromisso ao cumprimento dos deveres, então teremos, na vida como na fotografia, aquela derrota da dignidade humana que iniciou a Kodak em 1888 ao apregoar e instaurar o critério do facilismo sobre o do esforço da aprendizagem. Recordemos o eslogan que empregou a Kodak para atrair a atenção dos potenciais compradores sobre sua primeira câmara compacta: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”.
    Bem, nisto da fotografia e de quem deve chamar-se ou ser chamado de fotógrafo, eu igualmente me separo do objetual para me aproximar do ético-filosófico, ou talvez, à idéia da fotografia como arte, do ponto de vista modernista que já nos informou Susang Sontag em seu excelente livro Sobre fotografia e ao igual a Doss Passos clamo porque o fotógrafo, aquele que queira ser considerado como tal, fuja do analfabetismo funcional kodakiano e da supérflua condição de reforçar idéias aceitas sobre o belo. Não sei bem a quem chamar fotógrafo com toda propriedade, mas sim sei a quem não chamarei nunca assim: a aquele cujo único objetivo, preocupação e ocupação ao tomar uma câmara fotográfica é a de cumprir a absurda e vazia intenção de reproduzir o belo, de obter uma foto bonita. Como o disse já Simón Rodríguez ao referir-se à liberdade mau entendida – e uso esta frase assimilada à fotografia-, “na produção supérflua está toda sua desgraça”.

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