Câmeras telemétricas (rangefinders)

Os dois principais sistemas de câmeras fotográficas, reflex e rangefinder (ou telemétricas), surgiram mais ou menos na mesma época, os anos 30 do século passado. Esses dois tipos de máquinas conviveram por cerca de 40 anos, até que as reflex assumiram definitvamente o porte de equipamento profissional e as telemétricas perderam as suas características para dar lugar às compactas baratas utilizadas pela maior parte dos amadores. Ainda assim, fotógrafos renomados como Sebastião Salgado e Ralph Gibson continuam a usar esse sistema, notadamente as câmeras Leica, de altíssima qualidade e tradição. O que há, então, nessas câmeras que não permitiram que caíssem no ostracismo, carregando ainda uma legião de admiradores?

As câmeras reflex dominaram o mercado de amadores avançados e profissionais por resolverem muito bem três problemas técnicos da fotografia: o foco, a medição de luz e o erro de paralaxe. Ao colocar no visor, através de um espelho móvel, exatamente a imagem que vai sair na foto, permitindo ao usuário visualizar o enquadramento com precisão, o foco e a profunidade de campo, além de medir a luz não do ambiente, mas a que passa pela objetiva e efetivamente sensibilizará o filme ou sensor, esses equipamentos criaram uma maneira prática, intuitiva e eficiente de fazer fotos. As reflex logo vão completar 100 anos e ainda são o modelo para as modernas câmeras digitais de alta performance.

Fed 2 rangefinder camera - Jimmy Smith
Fed 2 - Jimmy Smith

Já as câmeras telemétricas solucionavam o problema do foco de uma maneira menos prática. Rangefinder significa medidor de distância e se traduz por telêmetro, que é um dispositivo óptico que serve para verificar a distância entre o aparelho e um determinado ponto, sendo utilizado para muitas aplicações, como a topografia. Ele foi acoplado às câmeras fotográficas para que fosse possível, de forma fácil, verificar a distância entre a câmera e o objeto fotografado. Essa distância era lida no telêmtro e transferida para o anel de foco da objetiva utilizada. Em câmeras mais modernas, o telêmetro foi integrado ao sistema de foco, sendo que, ao utilizá-lo, a câmera era automaticamente ajustada para focalizar naquela distância. O esquema abaixo demonstra o seu funcionamento.

Esquema de funcionamento de câmera rangefinder - Tati Schilaro
Esquema de funcionamento de câmera telemétrica - Tati Schilaro

Uma câmera telemétrica tem um visor, pelo qual se compõe a foto. No visor, há a sobreposição das imagens vindas de duas janelas (1 e 2). A imagem da janela 2 passa por um sistema de prismas e espelhos que projeta, no centro do quadro, uma parte da imagem sobreposta à que vem da janela 1. O foco é ajustado fazendo com que as duas imagens coincidam. Quanto maior a distância entre a janela 1 e 2, mais preciso será o foco.

Simulação de imagem fora de foco no visor de uma rangefinder
Simulação de imagem fora de foco no visor de uma telemétrica
Simulação de imagem no foco em câmera rangefinder
Simulação de imagem no foco em câmera telemétrica

No esquema apresentado, os traços vermelhos representam a luz que passa pela objetiva e sensibilizará o filme ou sensor, ou seja, mostra a captura que a câmera faz para efetivamente gerar a foto. Percebe-se que ela não corresponde ao que é visto pelo visor, fazendo com que às vezes o que é visto não corresponda exatamente ao que sai na foto. Este problema, mais freqüente quando o assunto está próximo da câmera, é chamado de erro de paralaxe. Algumas câmeras mais modernas apresentam um reticulado móvel, que se move junto com o sistema de foco, para tentar corrigir esse problema e permitir um enquadramento preciso.

O terceiro problema das telemétricas era a medição da luz. A maior parte das câmeras de meados do século 20 ou não tinha um fotômetro, obrigado o fotógrafo a usar um aparelho externo de medição ou tabelas, ou tinham um fotômetro acoplado. Alguns utilizavam células de selênio. As Contax e Kiev, por exemplo, tinham um fotômetro que indicava a exposição correta por uma agulha. Esse valor indicado precisava ser transportado para a câmera manualmente. Câmeras mais modernas colocaram um fotômetro integrado, inclusive controlando a exposição automaticamente. No entanto, apenas as mais recentes apresentam medição TTL (ou through the lens), que usam a luz que passa pela própria objetiva para determinar o valor de exposição.

Fotômetro acoplado em uma Kiev 4
Fotômetro acoplado em uma Kiev 4

As telemétricas se dividiram em dois grandes grupos: as com objetivas intercambiáveis, como as Leica, Contax, Canon e Nikon, de ótima qualidade de construção e preços mais altos; e as com objetivas fixas, mais baratas e chamadas de Leica dos pobres, como as Minolta Hi-Matic, as Olympus 35 SP e as celebradas Canonet. Estas últimas, no seu modelo mais avançado, o QL17 GIII, são consideradas ótimas no custo-benefício, pois possuem lentes claras (40mm e f/1.7) e nítidas, exposição automática (priorodade de velocidade) com opção de controle manual e correção de paralaxe.

Embora todos os modelos sobre os quais falei são de filme 35mm, há câmeras telemétricas em outros formatos, como o médio. A Mamiya 7 é um exemplo de telemétrica que usa filme 120. E, embora seus tempos áureos tenham ficado para trás, há telemétricas digitais, como a Epson R1 e a Leica M8, que pode usar toda a gama de objetivas de alta qualidade projetadas ao longo de toda a série M da fábrica alemã.

Leica M8 - Takuhito Sotome
Leica M8 - Takuhito Sotome

Mas qual o motivo pelo qual as telemétricas conseguiram enfrentar de frente as reflex, ganhando preferência de muitos amadores e fotógrafos consagrados, e conseguem se manter vivas até a era digital? Provavelmente um dos principais motivos está no seu tamanho e discrição. Por não contarem com o espelho móvel das câmeras reflex, elas são menores e fazem muito menos barulho. As objetivas ficam mais perto do plano do sensor ou do filme, permitindo menor profundidade e qualidade óptica invejável. São certamente menos agressivas do que as câmeras do outro sistema, permitindo uma fotografia mais humana, menos invasiva. Não é a toa que Bresson fazia suas fotografias de rua com uma Leica.

Tenho duas telemétricas: uma Kiev 4 de 1960, cópia russa das Contax alemãs, com uma ótima lente Jupiter-8 (50mm f/2) e uma Canonet QL17 GIII. Câmeras como esses hoje são encontradas a preço de banana em sites como o eBay. Acho que vale a pena, para quem gosta de fotografia, experimentar a forma discreta, silenciosa e intimista das telemétricas, até por conta da altíssima qualidade das fotos que a maior parte delas proporciona. É mais uma forma de perceber, por conta própria, como diferentes equipamentos não são melhores ou piores, mas apenas possuem linguagens diferentes. E como uma imagem vale mais do que mil palavras, seguem algumas fotos feitas com telemétricas.

Fiky Hatta - Leica M7 - Ilford Delta 100
Fiky Hatta - Leica M7 - Ilford Delta 100
Sam A - Voigtlander Bessa 2 - Fujifilm Neopan 1600
Michael Pick - Epson RD-1
Michael Pick - Epson RD-1
Brian Liloia - Olympus XA
Brian Liloia - Olympus XA
Erik Gustafson - Yashica Electro 35 GSN - Kodak BW400CN
Erik Gustafson - Yashica Electro 35 GSN - Kodak BW400CN

12 comentários em “Câmeras telemétricas (rangefinders)”

  1. a arte fotografica é uma das minhas grandes afinidades é, porém ainda não foi possivel mim inserir nesse unbiverso cuja dificuldade é tem sido do ponto de vista financeiro, mas confiante de q em breve vou decolar rumo a esse horizonte da fotografia.

  2. Carlos,

    A questão financeira não deve ser um impedimento para que você possa se dedicar à arte fotográfica. Ela o será apenas se você acreditar que precisa de equipamentos de último tipo, que custam os olhos da cara. É perfeitamente possível fazer uma boa fotografia com materiais tidos como obsoletos e que, por conta disso, custam muito pouco, mas que produzem ótimos resultados.

  3. Para mostrar que realmente fotografia não é só uma questão de marcas e corrida tecnológica, vou usar meu exemplo: depois de mais de 10 anos fotografando (algumas vezes profissionalmente) com sistema reflex (leia-se uma mochila entupida de lentes e apetrechos), resolvi vender todo meu equipamento pra terminar com uma camera rangefinder e duas lentes (no caso, uma RD-1).Hoje sou completamente apaixonado pelas possibilidades que esse novo sistema me troxe…mesmo que para muitos tenho parecido um passo para trás!!

  4. Meu Caro, Obrigado pela sua dedicação.
    Seus artigos me dão vocabulário pra lecionar para uma turma muito disposta a conhecer esse saber, da arte da fotográfia.
    um abraço.

  5. Parabéns pelo post. Extremamente interessante suas palavras descrevendo o verdadeiro valor das câmeras rangefinders para quem gosta de fotografia ¨…experimentar a forma discreta, silenciosa e intimista das telemétricas…¨

    Estou na tentativa de adquirir um exemplar… Quem sabe eu consiga… Se tiver sucesso na compra, volto para escrever um depoimento.

    Abraços

  6. Claro como um cristal, para mim, foi este artigo.Fiquei curioso com o termo rangefinder, enquanto fazia pesquisas de compra, o texto foi uma mão na roda e me animou a olhar mais para essas câmeras LINDAS.

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