A utilidade e o compromisso

A maior parte das grandes obras de arte já produzidas não foram feitas com o intuito de “fazer arte”. Pelo contrário, elas tinham um objetivo claro: decoração de um ambiente, finalidade religiosa, retratos de pessoas influentes ou registros históricos. Só tardiamente na história da arte as obras passaram a ter uma conotação poética e apenas muito recentemente a arte passou a ter uma certa autonomia, desvinculada de outros objetivos; antes disso, o trabalho do artista sempre tinha uma utilidade anterior ao ser caráter de obra de arte.

Sendo assim, será possível, na fotografia, fazer arte quando se é um fotojornalista, um fotógrafo publicitário ou de eventos? Ou melhor, é possível fazer arte quando se é um fotógrafo profissional durante o trabalho? Ou a questão da utilidade impede um trabalho artístico pleno? Se tomarmos o conceito mais abrangente e histórico de arte, veremos que é possível, pois todo fotógrafo profissional, ao trabalhar com a imagem e com a representação da realidade, seria um artista. Ainda assim, a qualificação da sua produção dependeria dos valores estéticos, da relevância social e outros aspectos.

Não obstante, o que costumamos ver é que a maior parte dos fotógrafos profissionais consagrados têm uma fotografia comercial e uma fotografia autoral. A impressão é que o fotógrafo não pode desenvolver plenamente seus questionamentos e intenções enquanto trabalha. Isso é curioso, porque não ouvimos falar de pintores comerciais e autorais, escritores comerciais e autorais. O que há no trabalho com a fotografia que impede essa integração?

Há alguns dias, numa conversa sobre psicologia com o Ivan, ele comentou algo do tipo: “eu não tenho compromisso com nenhuma teoria, portanto posso usar o que me interessa de cada uma”. Eu pensei que a minha relação com a fotografia era, também, uma relação de não-compromisso. Não trabalho com ela, não tenho nenhuma obrigação em relação a nada associado a ela e é justamente isso que me possibilita fazer fotos e escrever sobre o assunto. Sendo uma atividade totalmente livre e descompromissada, a fotografia pra mim é recompensadora por si só. A única utilidade que ela tem é estritamente pessoal, ao possibilitar uma visão de mundo, ao ser um objeto de estudo e de conversa entre amigos.

Parece-me, então, que a fotografia autoral depende um pouco dessa liberdade, do não-compromisso com pautas, clientes, eventos etc. Ao menos, é o que indica a atitude dos fotógrafos que dividem sua produção profissional da artística. No entanto, é interessante que esses autores tenham espaço em suas vidas para utilizar a mesma fotografia que paga as contas para se expressar e criar o mundo que concebem. Embora hoje a arte não esteja mais ligada a uma utilidade, como antigamente, e se sustente por si só, ainda assim uma utilidade parece continuar sendo necessária, que é a de satisfazer a necessidade pessoal de dar a sua visão sobre o mundo e sobre a existência.

3 comentários em “A utilidade e o compromisso”

  1. Este meu comentário pode ser um tanto perigoso se usado em outro contexto (por exemplo, justificando que ‘produzir armas é menos perigoso do que o que fazem delas’), mas não vou falar do que é feito com uma determinada arte (aquilo que é encomendado por um mecenas ou não), a “utilidade” que é dado à ela num momento histórico.
    Arte tem algo mais do que utilidade pro artista. É necessidade, é condição de estar presente no aqui-agora; se não conseguimos nos fazer presente diante do mundo —atravéz de que meio for—, não estamos e consequentemente não somos, o artista não aceita viver como bicho. É esse impulso interno que diferencia um job de um ensaio de linguagem, não o descompromisso; isto pode ser uma técnica de relaxamento, digamos assim, que pode muito bem ser usada em qualquer trabalho, o que paga as contas ou não.
    Um artista não usa o meio, é usado por ele pois —pela ordem inversa— as imagens das idéias de uma outra coisa (que não sei o que é, às vezes chamo-a de susto) devem ser expressadas com a ferramenta mais o conhecimento da gramática; devem, por se tratar de um compromisso íntimo.
    Voltando à Terra, o jornalismo independente (pelo menos neste período inicial dos blogs) não é muito mais comprometido com a verdade de quem o produz? E relaxado? E assim, muito mais envolvente, humano, universalmente relevante? Não é muito mais responsável, pois a pauta é assinada por uma pessoa física, e não uma jurídica família centenária de um jornal, e assim pode ser contestada (eufemismo) em particular sem seções de carta nem freios civilizados de linguagem? Essa relação pessoal do jornalista com o fato aproxima os leitores das pessoas envolvidas, faz arte na medida que fala de dentro pra dentro, é idealista e útil, prática pois necessária. À todos.

  2. Fonte G1:
    http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL6…I+RETOCADA.html

    Meus comentários em diversos fóruns, reunidos:

    O míssil do meio claramente foi acrescentado no PS, e eu faria melhor trabalho que aquele, muito ruim. Os demais foram lançados, embora o do fundo também pode ter sido acrescentado, pois há muita semelhança do rastro dele com o do primeiro. A questão dos tamanhos não é tão relevante, uma vez que a foto com tele planifica mesmo. A diferença
    entre os tamanhos parece ser devida ao tipo do armamento.

    Em tempo: não necessariamente também isso significa que os 4 não foram lançados. Pode ter havido que o lançamento do último, por qualquer problema, não foi simultâneo. O lançamento simultâneo visou, é claro, produzir a foto, pois seria perfeitamente natural lançar um de cada vez, faria o mesmo efeito de teste e até seria melhor para monitorar.
    Vai que o quarto tenha se atrasado e o editor iraniano criou então uma foto-narrativa de algo que pode ter acontecido, só não na mesma hora certinha. É como os carros da Ferrari, que quando estão em primeiro e segundo o primeiro se atrasa um pouco para produzirem uma foto publicitária boa da chegada.

    Sobre isso, é interessante que no acidente da TAM houve algo análogo e foi documentado, mas não usando o PS. Um fotojornalista para “fazer a foto editorial” virou uma lata de lixo para que o símboloda TAM aparecesse entre os destoços que ele fotografava e foi fotografado fazendo isso… Qual a diferença?

    (o engraçado é que em muitos meios fotográficos foi considerado comportamento anti-ético mostrar o colega fazendo a foto falsa, mas o cara fazendo a foto falsa foi admitido “editorialmente”)

    Outro comentário, na seqüência
    ——————————————————–

    A questão aqui é a criação de uma foto-editorial, uma foto que sintetiza o evento mesmo não sendo verdadeira COMO FOTOGRAFIA.

    No caso da TAM, foi debatido aqui, e a opinião majoritária (não a minha) era que foi lícito.

    Neste caso, trata-se da mesma coisa. Se os quatro mísseis foram disparados, a foto que narra isso terá os quatro disparos. Mas se um foi disparado depois não vai aparecer na foto, então o cara faz essa porcaria. A foto é (pode ser) ao mesmo tempo verdadeira e mentirosa.

    Verdadeira no sentido de ter havido 4 disparos. Mentirosa no sentido destes disparos não terem sido capturados ao mesmo tempo. Assim como a foto da TAM era verdadeira e mentirosa. Verdadeira porque era um depósito da TAM e um avião da TAM. Mentirosa porque a lixeira não estava ali como fotografada, foi colocada.

    Por isso é que o filme F For Fake é sensacional, e a recente
    instalação do Habacuc idem, pois tocam exatamente na ferida da narração, da crença na mídia, no perigosíssimo e tolo crédito que as pessoas têm na imagem fotográfica. Como alguém já disse: fotografias não mentem, mas mentirosos fotografam. E no caso da TAM e neste,
    considerando que os 4 disparos existiram, o que é verdade e o que é mentira? Difícil de saber.

  3. Certa vez, numa longínqua república embananada, um certo político (o rei do factóide daquelas plagas) plantou na mídia um certo dossiê “grosseiramente falso” (aspas explicadas adiante) que apresentaria provas de contas secretas de um outro certo (adjetivo) político, de cor ideológica oposta segundo a visão dialético-maniqueísta-liberal de então. Os silvícolas imploraram pela sua exibição, e vejam só, o tal documento era uma cópia de 3ª geração fajuta de um borrão de fax em fase etérea, coisa desse naipe…! Que torpe, que patifaria! Jogo sujo!! Feio, mau, bobo!!! Nunca mais na história deste país serás candidato à nada!!!! Seguiu-se, então, com mais essa “prova de lisura e probidade” (aspas linkadas ao termo anterior) o processo de beatificação do homem de bem acusado pelo desclassificado rebotalho da ditadura (como ainda se dizia); daí à santificação quando passou dessa para melhor (nalgum paraíso fiscal de mar turquesa, como também diziam) foi um detalhe por justa causa.

    Sei que é forçar um pouco aprender lições com uma civilização tão exótica, mas que tal apenas umas questões (com respostas embutidas):
    Como provar que não existem 4 mísseis?
    Adendo: como desprovar que não há 40 mísseis?
    P. S. da pulga atrás da orelha: tem alguém lá por perto do eixo do mal, com mísseis de montão (armado porém menos perigoso, querem nos garantir) e bem menos bravateiro, com o dedo coçando no gatilho amando muito tudo isso?

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